2 minutos de leitura 21 abr 2021
Man climbing the mountain

Desafios associados ao tratamento fiscal das diferenças de câmbio

por Milton Chantre Melo

Partner, Europe West Tax Services, Business Tax Advisory, Ernst & Young Angola, Lda.

Economista de formação. Consultor fiscal de profissão. Maratonista, cervejeiro artesanal, foodie e viajante.

2 minutos de leitura 21 abr 2021

A automatização da reconciliação de variações cambiais e o respectivo tratamento em Imposto Industrial pode mitigar riscos e ineficiências fiscais.

A economia angolana encontra-se num processo de reforço da produção nacional que visa a diversificação das exportações e substituição das importações, sendo que diversas empresas angolanas, dos mais diversos sectores, são actualmente importadoras líquidas de capitais, bens e/ou serviços.

Por outro lado, no decurso do ano de 2020 o Kwanza registou uma desvalorização cambial relevante face a moedas de referência internacional, como o Dólar dos Estados Unidos da América e o Euro.

Neste contexto, é particularmente pertinente para o tecido empresarial angolano a alteração ao Código do Imposto Industrial que determina um novo tratamento fiscal aplicável a proveitos e custos com diferenças de câmbio e cujos efeitos são aplicáveis ao exercício de 2020 – declarações de rendimentos Modelo 1 de 2020 deverão ser submetidas até aos próximos dias 30 de Abril e 31 de Maio, consoante os contribuintes sejam enquadráveis no Regime Simplificado ou Regime Geral, respectivamente.

As novas regras de apuramento do Imposto Industrial determinam que os proveitos e custos associados a diferenças de câmbio não realizadas deverão ser desconsiderados no apuramento da matéria colectável, sendo somente relevantes aquando da sua efectiva realização.

Ou seja, o registo contabilístico de proveitos ou custos com diferenças de câmbio não realizadas dará lugar, respectivamente, a uma dedução ou acréscimo à matéria colectável de Imposto Industrial. Sendo que, quando as diferenças de câmbio forem realizadas, deverão ser reconhecidos fiscalmente os correspondentes proveitos e custos associados às diferenças de câmbio.

Importa referir que a opção legislativa em matéria de enquadramento fiscal das diferenças de câmbio não é inédita, na medida em que outros países parceiros em África adoptam regras idênticas em matéria de reconhecimento fiscal das diferenças de câmbio em sede de impostos sobre os rendimentos.

Não obstante, a introdução destas novas regras terá impacto na liquidez das empresas angolanas e exige mecanismos de controlo dos registos contabilísticos com variações cambiais e respectivos tratamentos fiscais.

Em resultado do exposto, ainda que as desvalorizações cambiais possam determinar uma erosão dos resultados contabilísticos em 2020, poderá não existir uma relação imediata com uma redução da “factura” de Imposto Industrial, caso as perdas cambiais não tenham sido realizadas neste exercício.

Consequentemente, o novo tratamento fiscal das diferenças de câmbio poderá introduzir um impacto na tesouraria das empresas angolanas o qual, ainda assim, pode ser compensado com outras novas medidas em matéria de Imposto Industrial como, por exemplo, a redução da taxa aplicável a alguns sectores da economia.

A nova regra de apuramento da matéria colectável em análise determinará ainda a necessidade de se implementarem mecanismos de controlo dos activos e passivos monetários em moeda estrangeira, de forma a ser monitorizado o tratamento fiscal das diferenças de câmbio que lhes possam estar subjacentes.

Esse controlo deverá ser implementado já por referência ao exercício de 2019, através de uma análise dos proveitos e custos com diferenças de câmbio não realizadas, e informação sobre se os mesmos foram porventura objecto de algum ajustamento à matéria colectável de Imposto Industrial.

Posteriormente, deverá ser efectuado um acompanhamento dessas mesmas diferenças de câmbio por referência ao exercício de 2020, de forma a concluir se:

  • as variações cambiais não realizadas até 2019 foram materializadas em 2020;
  • existe algum ajustamento fiscal a realizar em resultado de potenciais ajustamentos realizados no passado.

A complexidade de apuramento dos ajustamentos fiscais pode revelar-se elevada num cenário de variações cambiais originadas em múltiplos exercícios.

Por último, para garantir um correcto enquadramento futuro das diferenças de câmbio, importa ainda salvaguardar que todo e qualquer ajustamento fiscal realizado em 2020 (e nos exercícios seguintes) esteja devidamente associado aos respectivos activos e passivos monetários em moeda estrangeira (suportado num apuramento, idealmente, transaccional) e assegurar que, no momento da materialização dos ganhos e perdas cambiais, será conferido o correcto tratamento fiscal em sede de Imposto Industrial.

Pelo exposto, e sempre que o volume de dados assim o justifique, a automatização (por exemplo, com recurso a Robotics Process Automation) do processo de reconciliação de variações cambiais com o respectivo tratamento fiscal pode reduzir o esforço de apuramento e o risco de erro humano, mitigando contingências fiscais e/ou situações de dupla tributação.

Resumo

As novas regras do Código do Imposto Industrial determinam que os proveitos e custos com diferenças de câmbio não realizadas passam a ser desconsiderados para efeitos de apuramento da matéria colectável. Este facto introduz exigências adicionais em matéria de controlo financeiro, pelo que uma automatização da reconciliação de variações cambiais com o respectivo tratamento fiscal pode mitigar contingências e/ou ineficiências fiscais.

Sobre este artigo

por Milton Chantre Melo

Partner, Europe West Tax Services, Business Tax Advisory, Ernst & Young Angola, Lda.

Economista de formação. Consultor fiscal de profissão. Maratonista, cervejeiro artesanal, foodie e viajante.