O novo padrão IFRS17 aumentará a transparência das posições financeiras e desempenho das seguradoras, prevendo tornar as demonstrações financeiras mais comparáveis entre seguradoras e com outras indústrias. Trata-se de um marco no relato financeiro da indústria seguradora.
Nos tempos que correm é inequívoca a relevância que o relato financeiro das entidades que actuam nos mercados têm para o desenvolvimento económico e social da sociedade. A informação é uma necessidade premente. Valores como a responsabilidade, credibilidade e transparência são alcançados, não só, com uma boa actuação nos mercados onde essas entidades operam, como também com um relato financeiro de qualidade. A evolução que a sociedade regista requer das entidades uma constante aposta e reforço dos seus sistemas de reporte financeiro, pois só assim as exigências dos mais variados stakeholders, como clientes, fornecedores, trabalhadores, investidores, reguladores, autoridades fiscais (bem… o público em geral), são satisfeitas.
No que respeita à indústria seguradora, a partir de 1 de Janeiro de 2023, entra em vigor a Norma Internacional de Relato Financeiro 17 (IFRS17), a qual estabelece os novos princípios para o reconhecimento, mensuração, apresentação e divulgação de contratos de seguro, contratos de resseguro e contratos de investimento com características de participação discricionária (mais comumente tratado por “participação nos resultados”). Com muitos anos de desenvolvimento, a IFRS 17 representa uma revisão completa na contabilização e divulgação dos referidos contratos. O novo padrão aumentará a transparência das posições financeiras e desempenho das seguradoras, prevendo tornar as demonstrações financeiras mais comparáveis entre seguradoras e com outras indústrias. Trata-se de um marco no relato financeiro da indústria seguradora.
A realidade actual do modelo de relato financeiro associado à indústria seguradora em Moçambique, baseia-se nas Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS), ou seja, já incorporam princípios e conceitos das IFRS, não estando, no entanto, a ser adoptados na sua plenitude. Apesar de não estar ainda definida uma data para a introdução da IFRS 17, não tardará que chegue o seu momento. Contudo, independentemente desta realidade, existem já diversas seguradoras a operar no mercado Moçambicano, que pertencem a entidades seguradoras estrageiras ou a grupos bancários/não financeiros, cujos referenciais de relato financeiro são de base IFRS, pelo que estão, ou terão, de lidar com os desafios desta nova norma.
A IFRS 17 é uma norma complexa. Abrange a contabilização dos diversos tipos de contratos que as seguradoras emitem, prevendo uma categorização/agregação dos mesmos, uma abordagem de “valor actual/mercado” para mensurar as responsabilidades, o reconhecimento do lucro à medida que as seguradoras prestam serviços aos segurados e um modelo de divulgação de informação financeira distinto. O grau de mudança em relação à prática existente irá variar de acordo com as políticas contabilísticas existentes e os tipos de negócios que as seguradoras subescrevem. No entanto, é certo que a mudança será significativa para quase todas as seguradoras.
Naturalmente, uma alteração no referencial de relato financeiro representa desafios que não podem ser menosprezados. Desafios esses que não se cingem aos documentos de prestação de contas. A própria estrutura da seguradora tem de se adaptar, por forma a produzir a informação nos novos moldes. Numa perspectiva de prestação de contas, a adopção da IFRS17 terá impactos na posição financeira e performance da seguradora, como também em diferentes divulgações de informação financeira. Para além destes impactos também existem implicações nos processos de negócio e nos fluxos de informação das seguradoras que têm de ser endereçados. A forma de gerir/pensar o negócio tem implicação nas opções contabilísticas que se fazem, os recursos humanos têm de ser formados, os sistemas técnicos de suporte à actividade ajustados para produzir a informação necessária, as rotinas e procedimentos internos para a geração de informação financeira/técnica tem de ser revistos.
Embora a IFRS 17 apresente muitos desafios para as seguradoras, também representa uma oportunidade clara para formar os recursos humanos, modernizar sistemas tecnológicos e produzir nova informação financeira, de risco e técnica/actuarial. Dependendo de como as seguradoras optam por abordar esta temática, o impacto nos principais dados, sistemas e processos é, potencialmente, enorme.
Não se pode encarar esta mudança como algo repentino, pois trata-se de um processo que exige preparação e avaliação pelos diversos agentes envolvidos, principalmente das seguradoras, dos reguladores e da autoridade fiscal. São mudanças que terão implicações na legislação que rege a actividade, a qual deverá ser revista, bem como a legislação fiscal adaptada. A evolução no relato financeiro da indústria seguradora está a ocorrer, pois é um passo natural e crucial no seu desenvolvimento. Resta-nos esperar que seja um processo de transição ponderado, suave e que ocorra o mais rápido possível.
Artigo escrito por Nuno Calha, Executive Director, Assurance Financial Services