O desafio de fazer mais e diferente quando se apresenta um Orçamento do Estado é sempre um objetivo de qualquer Governo. É essa a perspetiva que se pretende explorar.
No mesmo dia em que o País ficava formalmente a saber (o que já era esperado há vários dias com base em alguma informação veiculada por vários órgãos de comunicação social) que Mário Centeno deixaria de ter o cargo de Ministro de Estado e das Finanças e era apresentado o seu substituto, o Prof. Dr. João Leão, o Governo apresentou igualmente a proposta de lei do OES2020 (Orçamento do Estado Suplementar para 2020), documento entregue na Assembleia da República no passado dia 9 de junho.
Muito se tem falado sobre a situação económica que Portugal tem pela frente nos tempos mais próximos. É um lugar comum dizer-se (porque é verdade) que estamos todos a viver um momento sem precedentes e sem qualquer paralelo na história recente. De facto, o cenário macroeconómico em que o OES2020 é apresentado afigura-se extremamente complexo.
As previsões económicas apresentadas pelo Governo dão eco disso mesmo e não escondem a dura realidade que as empresas e as famílias vão ter pela frente. Este cenário é ainda extensível a todo o mundo, pois não se pode dizer que existam economias que irão estar imunes à situação de pandemia que a propagação da Covid-19 gerou à escala global.
Por isso mesmo, quando a EY fez a análise às alterações constantes da Lei do Orçamento do Estado para 2020, referimos, à data, que seria inevitável que o exercício orçamental apresentado pelo Governo tivesse que ser revisto e de forma célere, pois os pressupostos em que o mesmo se baseou alteraram-se de forma drástica e bastante adversa.
Não sabemos se a anunciada saída de Mário Centeno do cargo de Ministro de Estado e das Finanças possa ter também contribuído para esta celeridade, mas era sem dúvida uma exigência que se impunha ao Executivo. Reagir e rápido, pois não havia outra opção.
O Governo referiu que o OES2020 acaba por concretizar uma "parte" das medidas contempladas num programa mais amplo de dinamização da economia denominado por Programa de Estabilização Económica e Social, o qual tinha sido anunciado e aprovado em Conselho de Ministros uns dias antes.
Olhando de forma breve para as previsões económicas apresentadas pelo Governo, prevê-se que o PIB em 2020 registe um decréscimo de 6,9% (o pior registo histórico de que há memória), havendo, ainda assim, uma estimativa de recuperação de 4,3% já em 2021. Por outro lado, a taxa de desemprego cifrar-se-á em 9,6% em 2020 e em 8,7% em 2021 (ou seja, uma ligeira melhoria). Finalmente, uma última variável importante a ter conta, prende-se com o peso da dívida pública sobre o PIB, onde se irá registar uma forte inflexão face à trajetória observada nos últimos anos (já expectável), prevendo o Governo que a mesma possa atingir 134,4% do PIB. São, sem dúvidas, desafios enormes aqueles que Portugal tem pela frente, sendo que a "desejada" (e necessária) retoma económica poderá demorar algum tempo a consolidar-se.
Então o que podemos esperar da proposta de lei do OES2020, no que respeita a alterações de natureza fiscal? Em primeiro lugar, é lícito afirmar-se que as mesmas apontam no sentido de aliviarem o esforço financeiro e fiscal das empresas (sendo o impacto nas famílias muito limitado, havendo apenas a referir a temática dos pagamentos por conta aplicável aos profissionais da Categoria B), sendo de destacar as seguintes:
- Um novo regime especial de dedução de prejuízos fiscais para os exercícios de 2020 e 2021, que serão, à partida, os exercícios fiscais mais afetados pela situação de pandemia (i.e., passando o limiar de dedução desses prejuízos de 70% para 80% do lucro tributável e o prazo de reporte de 5 anos para 10 anos);
- Um incentivo fiscal às reestruturações empresariais ao nível das denominadas PME’s;
- Um ajustamento às regras de cálculo dos pagamentos por conta de IRC e IRS, no sentido de permitir uma isenção, ou uma redução, dos primeiros dois pagamentos, sendo que no caso dos setores da hotelaria e restauração haverá mesmo lugar a uma isenção aplicável aos referidos dois primeiros pagamentos;
- Reintrodução do mecanismo do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (na prática recalcar um regime que vigorou até 2013), criando uma dedução para despesas de investimento elegíveis efetuadas entre 1 de julho 2020 e até 30 de junho de 2021, conjugado com uma obrigação de manutenção de postos de trabalho por um período de 3 anos;
- Criação de um regime excecional de pagamento em prestações de dívidas tributárias e dívidas à Segurança Social; e
- Criação de um adicional de solidariedade sobre o setor bancário cuja receita será consignada a suportar os custos da resposta pública à atual crise. Talvez esta seja a única área onde o OES2020 nos trouxe um agravamento fiscal.
À data que foi escrito este artigo, a proposta de lei do OES2020 tinha já sido aprovada, na generalidade, pela Assembleia da República.
Em jeito de balanço, é legítimo questionar e/ou debater se o Governo poderia ter feito mais e diferente, isto apesar de já se ter referido que as medidas contempladas irem no sentido do alívio fiscal e financeiro das empresas e por isso poderem ser consideradas, na perspetiva do contribuinte, como globalmente positivas. Contudo, poder-se-ia, de facto, ter sido mais arrojado/ambicioso? É uma pergunta sempre oportuna neste contexto.
É sabido que a "folga" orçamental que o Governo dispõe não é ilimitada e por isso dificilmente se poderiam esperar mais medidas de alívio/incentivo fiscal. Então, voltando à questão inicial, o que se poderia fazer de diferente? Deixamos aqui algumas sugestões (meramente exemplificativas) para uma reflexão mais profunda por parte das entidades competentes, incluindo análise de impactos orçamentais:
- No que concerne aos prejuízos fiscais referentes a 2020 e a 2021, não criar qualquer limitação percentual nem temporal. Esta medida seria um ajustamento ao que foi contemplado;
- Ainda no que respeita aos prejuízos fiscais de 2020 e 2021, permitir o reporte para anos anteriores (algo que existe já em outros países – carry back) e com isso permitir no curto prazo (via reembolso de imposto de anos anteriores) um encaixe financeiro imediato para as empresas. Esta seria uma medida inovadora;
- Ao nível dos pagamentos por conta, estender, aos casos elegíveis, a isenção e/ou limitação ao 3º pagamento e não apenas aos dois primeiros pagamentos. Mais um ajuste ao que foi previsto no OES2020;
- Não agravar a incidência tributária em sede de IRC ao nível da tributação autónoma para as empresas que registem prejuízos fiscais em 2020 e 2021. Mais uma medida inovadora;
- Permitir a aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) ao setor da hotelaria e restauração aos anos de 2020 e 2021. Uma medida muito falada e discutida na opinião pública e que já existiu em Portugal; e
- Por último, criar um mecanismo de regularização de dívidas fiscais, com isenção de juros e de coimas, paras as empresas que regularizassem voluntariamente a respetiva situação fiscal até ao final de 2020 (podendo estender este período temporal, talvez, até 30 de junho 2021) mediante o pagamento integral do imposto. Na prática, seria recuperar um regime excecional que vigorou em 2002 (o denominado "Plano Leite").
Tal como se referiu anteriormente, trata-se de uma reflexão e de uma contribuição para poder ajudar o tecido empresarial, pela via fiscal, a poder rapidamente responder de uma forma positiva aos desafios que esta crise sanitária e económica veio trazer a Portugal e ao mundo. Em tempos excecionais são sempre esperadas medidas excecionais!
Vamos ver então o que o futuro próximo nos reserva e avaliar em que medida o Governo terá de ir mais longe na sua ambição.