Capítulo 1
Onde estamos hoje: compromisso, atenção e investimento crescentes
Os líderes do setor privado serão essenciais na transição para atingir o estatuto de net-zero.
Pelo menos 125 países, incluindo metade do G20, comprometeram-se a tornar-se net-zero até 2050. O objetivo consiste em limitar o aumento da temperatura até um máximo de dois graus nos próximos 30 anos, estando assim em linha com as metas estabelecidas no Acordo de Paris de 2015 e apoiadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por uma grande diversidade de empresas do setor. Independentemente das políticas relacionadas as alterações climáticas, os ambiciosos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, transformaram-se na framework global dentro da qual os avanços para controlar ou inverter as alterações climáticas (bem como outras questões importantes) estão a ser avaliados.
Estes avanços dependem da coordenação das ações entre os setores público e privado. Os governos nacionais e regionais desempenham um papel fundamental na gestão dos recursos, na criação de condições regulatórias e fiscais bem como na promoção – e, em alguns casos, na liderança – da mudança. Contudo, o setor privado é essencial e em condições políticas e económicas incertas, é o ainda mais. A COVID-19 tem causado danos graves nas economias e nos orçamentos públicos de tal forma que muitos líderes internacionais manifestaram grandes preocupações face ao atraso nos progressos dos ODS. Esta situação coloca maior ênfase na necessidade de existir uma liderança do setor privado, mesmo quando os governos mundiais elaboram políticas "fazer melhor dada a experiência passada".
Tal como aconteceu com outros setores, grande parte da atenção inicial sobre as alterações climáticas incidiu sobre os riscos apresentados por eventos climáticos extremos e as ameaças diretas a tipos específicos de negócios (por exemplo, nos produtores de Petróleo & Gás, nas companhias aéreas e nos produtores de automóveis). As instituições financeiras aumentaram os esforços existentes para reforçar a resiliência operacional e a gestão do risco a terceiros.
Cada vez mais, os grandes bancos, as seguradoras e as gestoras de ativos têm-se comprometido publicamente a redirecionar os recursos para atingir o estatuto de net-zero e outros ODSs. Só mais recentemente é que o potencial foi perspetivado na sua totalidade. Tal como Mark Carney, antigo Governador do Bank of England e agora Emissário Especial da ONU nos EUA, sugeriu: "a transição para atingir o estatuto de net-zero está a criar a maior oportunidade comercial da nossa era". Por outro lado, outros compararam a escala e o alcance das oportunidades às da revolução industrial.
Face a este contexto, as empresas líderes de mercado estão a reunir os seus recursos e a reformular as suas estratégias para se prepararem para o caminho em direção ao estatuto de net-zero tendo em conta o conhecimento de que o financiamento sustentável será fundamental para percorrer esse caminho de forma eficaz. Os líderes dessas organizações não veem a sustentabilidade como um exercício de compliance ou simplesmente como um grande risco (embora se tenha tornado um elemento central no compliance e na gestão de risco), mas sim como uma oportunidade para aproveitar as vantagens significativas que irão acompanhar as grandes mudanças macroeconómicas que já estão a decorrer.
Esta previsão é necessária dada a tendência clara de evolução de medidas voluntárias para ações mais tangíveis na procura de objetivos específicos relacionados com o carbono. É certo que irá existir uma maior exigência regulatória. O desenvolvimento de objetivos estratégicos e de métricas para acompanhar o avanço em relação a estes objetivos deve ser a principal prioridade – o primeiro passo para as empresas que querem traçar um rumo relativamente suave e rentável para um futuro mais sustentável. As instituições financeiras devem ser o parceiro dos setores e das empresas que estão a caminhar para atingir o estatuto de net-zero.
Capítulo 2
Definição de uma estratégia de sustentabilidade autêntica, exequível e com propósito
Saber onde investir o tempo e os recursos para gerir os riscos físicos e de transição deve ser a prioridade.
A definição da estratégia certa começa por identificar onde e como é que as instituições financeiras se devem comprometer com o tema da sustentabilidade. Não se trata apenas de determinar as políticas mais adequadas, mas de identificar as ações certas para fazer do financiamento sustentável uma alavanca para o crescimento. Estas são algumas das principais questões que as instituições financeiras devem fazer:
- Deverá a liderança nas questões ambientais (ou sociais) ser parte essencial do propósito das organizações tal como o é para várias empresas da indústria automóvel e de bens de consumo? Estará o nosso envolvimento nas questões ambientais (e sociais) de acordo com a nossa cultura, marca e produtos?
- Como podemos desempenhar um papel ativo no apoio à transição para atingir o estatuto de net-zero?
- Como é que o tema da sustentabilidade se relaciona ou influencia a estratégia empresarial e os modelos operacionais?
- Como é que determinamos o impacto das alterações climáticas na nossa estratégia e nas operações, bem como na mudança da procura referente aos nossos produtos e serviços no mercado?
- Com quem, e como, devemos cooperar para fomentar uma mudança sistémica?
- O que é mais importante para os nossos stakeholders no que diz respeito ao que fazemos para acomodar as alterações climáticas?
Estas questões podem levar os conselhos de administração e a gestão de topo das instituições financeiras a refletir sobre o propósito e a missão da organização. Obter as respostas certas a estas questões vai ajudar a definir os objetivos de sustentabilidade adequados à organização – ou seja, aqueles que são autênticos, exequíveis e válidos; e que estejam alinhados com as necessidades dos stakeholders. Para além disso, as estratégias mais bem-sucedidas serão aquelas que estão incorporadas no core do negócio e que são lideradas e promovidas pela equipa executiva.
Ter uma estratégia de sustentabilidade sólida irá garantir que tanto os riscos físicos como os riscos de transição são incluídos nas frameworks de risco e de compliance da empresa, no desenvolvimento de produtos, na tomada de decisões de subscrição e de pricing, bem como noutros processos chave de tomada de decisões de gestão. Os riscos físicos podem ser mais relevantes para a resiliência operacional, assim como o risco de crédito, de liquidez e de balanço. Alguns dos fornecedores e parceiros de outsourcing que prestam serviços essenciais (como por exemplo, serviços de call center ou de suporte tecnológico) não estavam preparados para a mudança repentina para operações virtuais. As instituições financeiras devem avaliar a sua capacidade para manter as operações, bem como a capacidade das empresas que financiam e cobrem, enquanto avaliam potenciais disrupções decorrentes das alterações climáticas. Esta situação poderá representar a tomada de decisões difíceis sobre a combinação de operações off-shore, near-shore ou onshore e outsourcing.
Os riscos de transição são aqueles em que a sustentabilidade se interseta com as estratégias do produto e do cliente. Estes riscos abrangem os clientes de retalho, empresas e institucionais. Por exemplo, as empresas que não estão preparadas ou que não conseguem encontrar um caminho viável para atingir o estatuto de net-zero poderão ter sérias dificuldades em sobreviver, principalmente se os seus fornecedores de serviços financeiros não apoiarem a transição. Para os consumidores, os desafios irão residir em conseguir ter uma habitação, financiamento e segurança em áreas negativamente afetadas pelas alterações climáticas.
Para os bancos e gestores de ativos, trata-se de uma questão de definir quais os segmentos em que vale a pena conceder crédito e investir. Para as seguradoras, é uma questão de ajustar os modelos de subscrição e de pricing com base no aumento do número de inundações, incêndios florestais e outros – ajustamentos que que já começam a ser efetuados. O setor financeiro, no geral, não se deve iludir em relação ao facto de poder apoiar a transição climática sem financiar as indústrias de carbono intensivo a curto e médio prazo. Na realidade, as indústrias e as empresas “brown” precisam de ser financiadas para se tornarem “green”.
Um dos grandes desafios para as empresas de serviços financeiros será decidir se, ou como, podem apoiar a transição. Algumas delas decidiram parar de operar ou de investir em determinados setores ou empresas. Tal tem sido feito por uma questão de princípio ou com vista a reduzir os riscos de reputacionais associados. No entanto, existem outras empresas que decidiram que o seu papel consiste em apoiar a transição, incentivando e financiando as mudanças necessárias. As empresas acreditam que esta estratégia está mais em linha com os seus princípios e que os riscos podem ser controlados. Trata-se de uma decisão difícil para as empresas.
As estratégias de sustentabilidade irão equilibrar os desinvestimentos em alguns setores através do aumento do compromisso com outros setores. Mais uma vez, trata-se de uma questão de fazer as perguntas certas:
- Que caminho devemos seguir para apoiar os nossos consumidores e clientes na sua transição para atingir o estatuto de net-zero?
- Como estamos a tomar decisões sobre onde investir e onde disponibilizar financiamento? Como é que essas decisões se alinham com os nossos objetivos e estratégias?
- Quais são as novas tecnologias que oferecem uma maior garantia para atingir o estatuto de net-zero e, que por isso, valem a pena financiar ou investir? Quais são os setores ou as empresas que estão a desenvolver ou a utilizar estas tecnologias?
- Que novos produtos e serviços de mitigação de riscos podem ser desenvolvidos para apoiar consumidores e clientes? De que riscos ou serviços de portfolio modeling é que os nossos consumidores e clientes precisam?
No contexto das alterações climáticas, existem triliões de dólares para serem realizados através dos investimentos certos, existindo oportunidades em muitos setores, desde fontes de energia renováveis e green housing, a fontes de alimentação alternativas ou a tecnologias de packaging inteligente. Por exemplo, a International Energy Agency prevê que seja necessário fazer investimentos anuais globais no valor de $3,5t para construir as infraestruturas necessárias para uma economia verde.1
Dado o consenso de que o ritmo de investimento tem sido demasiado lento, a vantagem de ser first-mover e fast-follower ainda é possível para os investidores que façam os movimentos certos no curto prazo. Um relatório recente da Harvard Business Review2 confirmou a importância de ter uma estratégia sólida: “Os investidores estão a perguntar cada vez mais… não se uma empresa tem boas intenções, mas se tem a visão estratégica e as capacidades para alcançar e manter um forte desempenho nos fatores ESG". Se isto for verdade do ponto de vista do investimento, é verdade em relação à forma como as empresas de serviços financeiros tomam decisões sobre se financiam ou garantem que as empresas estão a levar a sério as alterações climáticas.
O que as instituições financeiras devem fazer agora:
- Identificar a ligação entre financiamento sustentável, net zero e a missão ou o objetivo da organização.
- Mapear os riscos e as oportunidades relacionados com as alterações climáticas por unidade de negócio, linhas de produto e país.
- Definir uma estratégia e uma visão claras para um financiamento sustentável, relativamente ao que a organização pretende alcançar e como irá cumprir os seus objetivos.
- Identificar a estrutura organizacional certa, incluindo a responsabilização dos executivos de topo e assegurando a supervisão do Conselho de Administração.
- Comunicar a visão e a estratégia de sustentabilidade aos colaboradores, aos investidores e aos stakeholders.
Resumidamente: antecipar o longo caminho que se encontra pela frente
A definição de um contexto estratégico para as alterações climáticas deve ser uma prioridade a curto prazo, uma vez que o financiamento sustentável é um desafio a longo prazo. Os bancos, as seguradoras e os gestores de ativos devem fazer parte dos esforços que estão a decorrer no seu setor para estabelecer critérios de informação e transparência. No entanto, definir o panorama estratégico para o negócio deve ser uma prioridade, uma vez que este representa a chave para gerir os riscos mais relevantes e aproveitar as respetivas oportunidades.
Additional Contributor: Judy LJ Li, EY APAC Financial Services Sustainable Finance Leader.
Resumo
À medida que os stakeholders e a sociedade aumentam a pressão sobre as empresas em relação às alterações climáticas, as instituições financeiras devem definir a forma como abordam a sustentabilidade e a transição para atingir o estatuto de net-zero. Não se trata apenas de estabelecer políticas, de cumprir os requisitos regulatórios e de evitar as indústrias "brown", mas sim de utilizar o financiamento sustentável como um caminho com vista ao crescimento.