7 minutos de leitura 30 set 2019
Quadros de uma empresa numa sessão de planeamento

Cinco estratégias para responder às alterações nos preços de transferência

7 minutos de leitura 30 set 2019

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  • How profound change transparency and controversy are reshaping a critical business function (pdf)

Os inquiridos no estudo sobre preços de transferência afirmam que o risco fiscal está a aumentar em termos globais – mas existem algumas oportunidades.

Este artigo é parte do nosso Transfer Pricing and International Tax Survey 2019. Desde 1995 que analisamos a temática de preços de transferência a cada dois ou três anos, recolhendo e analisando dados sobre comportamentos e experiências junto de um amplo leque de contribuintes.

A pressão nos orçamentos, a ascensão da economia digital e iniciativas como a US Tax Cuts and Job Act (TCJA) estão a impulsionar a reforma fiscal global – e a criar grandes preocupações. De facto, oito em cada 10 executivos (79%) no nosso novo estudo sobre preços de transferência e impostos internacionais (Transfer Pricing and International Tax survey) descreveram o ambiente fiscal internacional de hoje como "incerto" e 40% como muito incerto ou extremamente incerto.

A incerteza prevalece

De acordo com os executivos da EY da área de preços de transferência, o ambiente é ainda mais arriscado do que os dados do estudo sugerem. "Verificam-se atualmente e em todo o mundo, acontecimentos relevantes em matéria de reforma fiscal", afirma Ronald van den Brekel, EY EMEIA Transfer Pricing Leader. "O BEPS e os projetos da OCDE que lhe sucederam, impulsionaram e continuam a impulsionar mudanças significativas nas estratégias e nos serviços". 

Van den Brekel afirma que, embora a OCDE, com o BEPS, pretendesse facilitar a consistência fiscal entre as jurisdições, existem muitos exemplos de autoridades nacionais que estão a adotar uma abordagem unilateral ou a interpretar o BEPS de uma forma muito particular.

Luis Coronado, EY Asia-Pacific Transfer Pricing Leader, concorda "As pessoas estão já a experienciar mudanças significativas em áreas como a crescente transparência no BEPS", afirma Coronado. Mas a OCDE está a ir ainda mais longe nesta discussão. "Surgem novas propostas que pretendem atualizar as políticas fiscais para a era digital, explorando ideias para a reafetação de lucros por novas, porém indeterminadas, vias, por exemplo com base nas receitas."

Adicionalmente, “existem novas propostas com vista a reduzir as vantagens criadas pela localização em jurisdições de baixa tributação por via da criação de um imposto global mínimo — no seguimento do que acontece nos EUA, em que a TCJA introduziu esse conceito relativamente à tributação internacional”. No geral, diz Coronado, "este é um ambiente fiscal em matéria de preços de transferência, global e fluído, um ambiente em que muitos princípios tradicionais estão a ser reavaliados e que exige um maior envolvimento por parte das empresas".

Preços de transferência: o foco no risco  

A alteração das taxas de imposto e das regras fiscais globais e a necessidade de ajustamento a uma maior transparência, contribuem para aumentar o risco fiscal. De facto, o risco fiscal é de longe a questão mais crítica que impulsiona as estratégias de preços de transferência dos inquiridos. Este é o caso de 64% dos inquiridos, mas com uma significativa discrepância a nível geográfico.

A seguir à prevenção de riscos, 23% dos inquiridos afirmam que a necessidade de alinhamento com os objetivos operacionais ou de gestão, também tem um papel importante nas decisões em matéria de preços de transferência.

No que toca às formas específicas de risco fiscal, foi solicitado aos inquiridos que classificassem os fatores que influenciam a definição das suas políticas e estratégias fiscais. O aplicação de uma pontuação ponderada para a primeira, segunda e terceira opções resulta numa classificação geral de:

  • Primeiro: Partilha de informação entre autoridades fiscais
  • Segundo: Informação tornada pública e risco reputacional
  • Terceiro: Ausência de controlo na resposta às autoridades fiscais

Para além deste top 3, um número significativo de executivos também destacou o seguinte:

  • Quarto: Fraca capacidade de resposta do ponto de vista tecnológico
  • Quinto: Aplicação mais rigorosa
  • Sexto: Falhas na aplicação das política de preços de transferência

Esta classificação geral aponta para a existência de elementos-chave em termos de decisões em matéria de preços de transferência. "Por um lado, revela que, atualmente, as empresas reconhecem que, com uma maior partilha de informação, têm de perceber que estão a operar numa era de transparência sem precedentes e que a sua abordagem em matérias de preços de transferência deve refletir isso", afirma Van Den Brekel. Paralelamente a esta evidência, "um número crescente de empresas está agora focado, mais do que nunca, em evitar riscos, assegurando que estão em conformidade com um conjunto de regras e leis que evoluem rapidamente".

Van den Brekel afirma também que as empresas estão a aperceber-se que as suas equipas fiscais locais nem sempre estão bem preparadas para responder a equipas de auditoria fiscal. " foco local tende a estar no compliance básico", afirma Van Den Brekel. Por esse mesmo motivo, explica: “Acreditamos que cada vez mais as empresas que têm de garantir uma documentação adequada para fazer face a contencioso fiscal e para que possam responder de forma célere quando surgirem questões. Este tema tem-se revelado cada vez mais crítico no atual enquadramento de preços de transferência.”

Estruturar uma resposta

O grau de mudança é profundo — o que significa que as empresas têm de dar resposta. Algumas das principais oportunidades apontadas nos resultados do estudo e nas entrevistas que o acompanham, incluem:

Oportunidade número um: aumentar o compromisso

Não só o BEPS trouxe grandes mudanças, como atualmente as empresas têm de se esforçar por acomodar as alterações mais profundas, atualmente em desenvolvimento pela OCDE, no âmbito das reformas fiscais. Coronado observa que uma vez que o BEPS é resultado do trabalho de membros sobretudo do G-20 e da OCDE, "existem pelo menos 130 jurisdições a participar" nas recentes discussões.

Consequentemente, como afirma Coronado, as empresas não podem dar-se ao luxo de ficarem paradas. As empresas com os modelos de negócios mais complexos ou altamente digitais, com propriedade intelectual significativa, “têm de se envolver e certificar-se que reveem, procedem a cálculos das opções apresentadas e comentam os relatórios e projetos à medida que vão estando disponíveis – i.e., devem dar feedback e envolver-se de forma inequívoca".

No mínimo, continua Coronado, as empresas têm de atentar a forma como os novos conceitos e regras podem afetar os seus acordos negociais e os seus resultados fiscais. As empresas, diz Coronado, "podem não dispor neste momento de informação completa, mas têm a informação suficiente para avaliar a ação a tomar a respeito da opção A versus a B versus a C".

Oportunidade número dois: aumentar o volume da atividade

Os inquiridos deste estudo reconhecem que sua documentação sobre preços de transferência tem de ser revista. De facto, apenas 11% aponta para uma satisfação sólida com o processo atual de documentação global de preços de transferência.

Uma das razões para esta insatisfação pode residir no facto de muitas empresas estarem a abordar os preços de transferência numa perspetiva de compliance, em vez de adotarem uma abordagem holística. Quando inquiridos sobre onde se enquadra a finalidade da sua documentação na escala de totalmente focado na compliance a totalmente estratégico, apenas um em cada cinco (22%) considerou existir aqui uma boa oportunidade de articular claramente a sua política de preços de transferência. Números quase idênticos, 21%, alinham-se no extremo oposto ou focam-se na compliance, classificando-se como 1 (11%) ou 2 (10%). Os 58% restantes estão no meio, gerando assim uma curva de sino típica.

Van den Brekel sustenta que as empresas cujo foco nos preços de transferência se inclina para a mera compliance estão a perder uma oportunidade estratégica. Perante tantas mudanças, "uma revisão estratégica das políticas mundiais de preços de transferência pode gerar assim imensos benefícios", continua. Ao trabalharem de mãos dadas com o departamento financeiro, operacional e outros executivos, "as empresas poderão compreender melhor sua situação e criar uma abordagem mais otimizada e consistente".

Acresce ainda, diz van den Brekel, “que as empresas terão uma explicação muito clara e bem documentada para partilharem com as autoridades tributárias globais. E poderão melhorar assim a qualidade das suas políticas de preços de transferência ao mesmo tempo que reduzem os seus riscos fiscais”.

Oportunidade número três: aumentar os esforços em matéria de documentação

As empresas que fazem negócios além-fronteiras reconhecem que ter documentação em termos de estrutura de preços de transferência consistente e bem conceituada em todo o mundo nos dias de correm é essencial para reduzir o risco tributário. "Ao ter os seus 'documentos' prontos, pode responder assim com mais rapidez e competência", afirma Coronado. "Isso transmite às autoridades a impressão que investiu o seu tempo nessas questões e usou uma estrutura consistente".

As autoridades fiscais, vendo uma resposta tão rápida, confiante e bem documentada, "são mais propensas a aceitarem as circunstâncias e explicações de uma empresa e, portanto, menos propensas a fazer ajustes ou analisarem a situação da empresa mais a fundo", afirma Coronado.

No entanto, apenas um terço dos executivos afirma que as suas empresas estão prontas com a documentação de preços de transferência totalmente compatível em todos os países em que operam — um número consistente em várias regiões. O número é igualmente consistente entre setores, embora esteja a subindo para 43% na área dos serviços financeiros; caindo para 21% para produtos industriais diversificados; e, novamente, subindo para 52% entre as empresas com mais de 10 equivalentes em tempo integral (ETI) em termos de preços de transferência.

Mas são cada vez mais as empresas que se centram em garantir que as suas práticas de preços de transferência estão bem documentadas, sobretudo em países considerados como países de elevado risco fiscal — uma abordagem usada por 45% dos executivos. O número é consistente em todas as geografias e indústrias, exceto no setor automóvel e dos transportes, onde chega aos 55%.

Os restantes 22% dos executivos afirmam não documentarem proativamente, mas adaptam arquivos-mestre de acordo com as necessidades (16%) ou desenvolvem documentação apenas quando solicitados nesse sentido em caso de auditoria (5%) ou "outros" (1%).

Esta abordagem focada no risco "é compreensível em muitos casos", diz Marlies de Ruiter, líder da política internacional de serviços de transações e impostos internacionais da EY. "Faz sentido para as empresas concentrarem os seus recursos nas áreas de maior risco." Mas, De Ruiter continua: “com os níveis gerais de risco tributário baseado em preços de transferência a registarem um aumento tão acentuado, esta é decididamente a altura certa para rever esses limites. O risco tributário está a aumentar praticamente em todos os sectores. As empresas devem tomar medidas agora para garantir que sua documentação está 'pronta para ser usada' numa faixa muito mais ampla da sua presença global”. 

As empresas devem tomar medidas para garantir que têm documentação pronta para abranger uma faixa muito mais ampla da sua presença global.
Marlies de Ruiter
EY Global International Tax and Transaction Services Policy Leader
Oportunidade número quatro: abraçar a tecnologia

A tecnologia apresenta abre também possibilidades para melhorar a política e a execução de preços de transferência. Hoje, diz Tracee Fultz, Líder de Preços de Transferência da EY Americas, "a maioria das empresas usa documentos em texto e folhas de cálculo como as principais ferramentas". Só cerca de um quarto das empresas tem tecnologias mais integradas à sua disposição para fins de documentação de preços de transferência. 

Atualmente, são muitas as empresas que trabalham no sentido de digitalizarem os seus principais negócios e funções de suporte como finanças e fiscalidade. E as próprias autoridades tributárias estão cada vez mais automatizadas — com um número crescente de jurisdições a adotarem o registo digital em tempo real de transações com imposto sobre valor acrescentado básico (IVA) ou com imposto sobre bens e serviços (GST), e a aderirem cada vez mais às declarações eletrónicas e auditorias eletrónicas, vulgo e-filing e e-audits em inglês.

Os próprios departamentos fiscais, diz Fultz, "chegarão à conclusão que vale a pena" aderir às novas tecnologias. Atualmente, explica, o software "pode ser usado para fins como monitorizar margens de preços de transferência ou monitorizar comissões de serviço." Ferramentas, como a automação de processo robotizada (APR) podem ser usadas para aliviar o volume de trabalho, reduzir erros e liberar maiores recursos para atividades de maior valor acrescentado. Munidos de mais ferramentas digitais, "os departamentos fiscais estarão assim numa posição muito melhor para gerirem e documentarem os seus preços de transferência".

A adoção de uma abordagem mais centralizada e de serviços partilhados na gestão tributária global anda de mãos dadas com a tecnologia. O modelo a ser adotado, diz Fultz, "deve ser estandardizado na medida do possível - se a experiência estive concentrada passaremos a ter um repositório de dados, podendo usar assim esses dados à medida que vão sendo necessários". As equipas locais dos departamentos financeiros e fiscal estão em perfeitas condições de responderem às necessidades e nuances locais, mas no que toca a ajustamentos e alterações nos processos e relatórios os mesmos só ocorrem quando necessário.

Oportunidade número cinco: obter mais ajuda

Van den Brekel e Coronado dizem que, dado o grau de mudança nos preços de transferência e no ambiente tributário geral de hoje, as empresas têm de analisar atentamente os recursos existentes nos departamentos fiscais. "Faça tudo o que conseguir com automação, com ARP e similares", afirma van den Brekel. “Mas, em última análise, o seu departamento fiscal provavelmente tem poucos recursos; mas o que é um facto e que estamos perante cenários de mudanças e exigências crescentes. As empresas querem fazer sempre mais com menos, mas aqui os riscos estão a aumentar”.

Uma forma de abordar a existência de lacunas em termos de recursos consiste em recorrer a mais outsourcing ou co-sourcing. Cerca de metade de todas as empresas, independentemente da região geográfica onde se encontram, faz outsourcing de partes significativas das suas atividades de documentação de preços de transferência junto de fornecedores externos. Ao mesmo tempo, 27% das empresas europeias afirmam que preferem manter tudo na esfera interna, duas vezes mais do que na Ásia-Pacífico (13%) e três vezes mais do que nos EUA (8%). Uma observação final: as empresas americanas são muito mais propensas do que outras a seguir um modelo de parceria.

  • Metodologia de pesquisa

    O survey de 2019 foi realizado entre março de 2019 e junho de 2019. O survey foi distribuído por e-mail e realizado utilizando uma ferramenta online em inglês, espanhol, português, chinês e japonês; 87% dos inquiridos optaram por responder ao estudo em inglês. Foram enviados lembretes regularmente aos inquiridos que ainda não haviam respondido ao estudo.
    Uma vez alcançado um número de respostas adequado, o survey foi encerrado Os estudos com respostas completas em seis das dez secções, foram considerados concluídos para fins da análise.
    Os entrevistados incluíram 717 executivos da área fiscal e financeira, representando mais de 20 setores da indústria em 43 jurisdições nas Américas, Europa e Ásia-Pacífico.
    Os números contidos no relatório podem não atingir os 100% devido a arredondamentos. O relatório também exclui respostas "não sei" e perguntas que não obtiveram resposta. Perguntas com menos de cinco respostas não foram reportadas para manter a confidencialidade dos dados.

Resumo

Os executivos reconhecem que têm de começar a adotar uma abordagem mais fundamental e estratégica à transferência de preços. As principais etapas incluem reforçar o papel desta função, para além de trabalhar com unidades de negócio para afinar a estratégia em matéria de preços de transferência e desenvolver documentação atualizada e apelativa.

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