5 minutos de leitura 14 ago 2019
Oleira a trabalhar numa oficina com uma roda de oleiro

Como a fiscalidade pode moldar a mudança

5 minutos de leitura 14 ago 2019

A evolução da tecnologia digital e do enquadramento legislativo está a transformar o futuro da fiscalidade e a desafiar os reguladores, os especialistas fiscais, as empresas e os negócios.

Em vez de se limitarem a acompanhar estas alterações, as empresas devem aproveitar esta oportunidade para adaptar as suas funções fiscais para além das atividades de compliance e de reporting, acrescentando valor e fomentando a inovação.

Apesar da tecnologia digital representar inúmeras vantagens, envolve também potenciais ameaças. Embora a função fiscal se torne mais eficiente, as autoridades tributárias irão tornar-se cada vez mais sofisticadas e ágeis, o que pode representar um risco para as empresas que não consigam acompanhar esta mudança de paradigma. Os governos estão a utilizar cada vez mais ferramentas digitais para melhorar a gestão tributária, incluindo na interação com os contribuintes, simplificando e automatizando processos de preenchimento e submissão de declarações, dados contabilísticos e transacionais em formato digital.

Cada vez mais, os governos exigem, às empresas, informações em tempo real ou muito próximo disso, o que altera a forma como os impostos são reportados e cobrados, criando uma disrupção no processo tradicional de compliance e acelerando o preenchimento e reporte das declarações fiscais das empresas. No entanto, os países estão em fases muito diferentes no que concerne à digitalização da administração tributária.

Singapura situa-se no Nível 1, caracterizado pelo preenchimento automático de várias declarações fiscais, incluindo a declaração de retenções na fonte, certificados de residência e pagamento eletrónico de impostos. Em particular, a simplificação do preenchimento eletrónico das declarações fiscais individuais e da submissão dos dados de colaboradores tornou-se menos onerosa e facilitou as obrigações de compliance. O facto de Singapura estar no Nível 1 não significa que estes procedimentos sejam considerados como “business as usual.” Pelo contrário, pode vir a verificar-se que Singapura rapidamente automatizará o seu regime de compliance fiscal.

Este processo é já observável na Infocomm Media Development Authority de Singapura, a primeira autoridade online pan-europeia de compras públicas estabelecida fora do continente Europeu - e a primeira na Ásia – que instaurou um regime universal de faturação eletrónica em janeiro 2019.

É essencial que os profissionais da área fiscal assegurem que os seus departamentos estão preparados para as auditorias fiscais sob uma perspetiva digital. À medida que avançamos no tempo, virtualmente, cada empresa será “digital” de alguma forma.

O governo de Singapura está empenhado em concretizar o seu plano, o que sustenta ainda mais os esforços de digitalização das autoridades fiscais. De uma forma abrangente, as autoridades fiscais estão a alavancar os dados recolhidos e a utilizar ferramentas de análise de dados para detetar erros, inconsistências, anomalias e fraudes sistémicas, permitindo-lhes identificar alvos de auditorias e de contencioso fiscal. Em Singapura, o uso de ferramentas analíticas e forenses contribuiu para um aumento de aproximadamente 53 milhões de dólares em impostos e sanções, recuperados através de auditorias fiscais em 2018, um aumento de 15,9% relativamente ao ano transato.

A tecnologia está também a facilitar a partilha de informações pelas diversas autoridades fiscais, a nível mundial. A digitalização dos relatórios country-by-country, submetidos pelos grupos multinacionais, permite às autoridades fiscais partilhá-los no sentido de avaliar riscos, tendências e anomalias, e dessa forma, melhorar a sua eficácia.

Os profissionais da área fiscal também estão a evoluir

Cada vez mais, as áreas de contabilidade, financeira e fiscal estão a ser transformadas pela automação de processos e por sistemas que oferecem colaboração em tempo real, planeamento de cenários e simulação de risco. Tarefas repetitivas e de volume elevado em processos de reduzido valor acrescentado podem ser executados “24/7” por robots e por inteligência artificial (IA) de forma rápida, barata e com uma maior precisão.

Os profissionais da área fiscal são assim libertados para atividades de valor acrescentado, e para a criação de valor, usando ferramentas digitais e de automação no início do ciclo fiscal ao invés de se concentrarem apenas nas funções de reporting. No entanto, a robótica e a IA não poderão substituir completamente os profissionais da área fiscal, particularmente nas áreas mais técnicas e subjetivas, onde a experiência humana, os insights e a capacidade de julgamento são necessários.

De realçar que os profissionais da área fiscal devem assegurar, numa perspetiva digital e a qualquer momento, que o departamento fiscal pode ser auditado. Isto porque todas as empresas irão tornar-se digitais de alguma forma. Além disso, existe um intenso debate a nível global sobre a tributação das empresas com modelos de negócios digitais, estando a sua oferta virtualmente disponível em países onde estas não possuem qualquer presença física e cujo mercado gera um fluxo de receitas digitais. É importante que tais negócios digitais, normalmente com margens muito reduzidas, estejam confiantes na avaliação, quantificação, planeamento e cumprimento de inúmeras novas leis que visam cobrar impostos sobre os lucros gerados pelas crescentes transações eletrónicas. Estas alterações estão a contribuir para uma remodelação da talent landscape, onde a contratação de pessoas com competências transversais, em diferentes vertentes, se tornou um padrão. A contratação para áreas fiscais compete agora com a de outros setores, como o da ciência, tecnologia, engenharia e matemática ou outras disciplinas relacionadas. Assim, o recrutamento, a remuneração e a retenção de profissionais na área fiscal exigem estratégias totalmente diferentes das adotadas no passado.

O Conselho de Administração e a gestão assumirão a liderança

Dadas as rápidas transformações no panorama fiscal, as empresas devem agora avaliar a sua preparação e agilidade na área digital e se os seus colaboradores, sistemas e processos têm capacidade para acomodar essa mudança. Por exemplo, as empresas devem compreender e estar a par dos requisitos de prestação de informação por parte das autoridades fiscais em cada uma das jurisdições em que operam, ter as ferramentas digitais adequadas para preparar as declarações fiscais, adaptar a informação para os fins fiscais, verificar erros antes da submissão das declarações e estar preparadas para prestar esclarecimentos. A estreita coordenação entre os departamentos fiscal, financeiro e informático é crucial e nem sempre é fácil de gerir.

Além disso, os negócios deverão dispor dos instrumentos e processos adequados para monitorizar o compliance fiscal global e as obrigações de reporte da empresa, para que possam responder em tempo útil aos pedidos das autoridades fiscais e fornecer informações periódicas sobre os riscos fiscais e de potencial contencioso aos órgãos de gestão e ao Conselho de Administração. Isto significa que será necessário investir para permitir que a área fiscal seja robusta e ágil. Significa também que as estratégias de negócio e as atividades de criação de receita devem ser tidas em consideração numa perspetiva fiscal durante a fase de conceção.

Para tal, o Conselho de Administração e os órgãos de gestão deverão assumir um papel pró-ativo na transformação fiscal das suas empresas, que têm agora uma decisão crucial a tomar: pretendem ser reativas às exigências legislativas e estarem menos disponíveis para atividades de valor acrescentado, ou pretendem ser pró-ativas nesta mudança, permitindo que os seus profissionais da área fiscal contribuam para o aumento de valor, inovação e rentabilidade? A respostas é clara.

Este artigo foi publicado pela primeira vez na edição do terceiro trimestre de 2019 do SID Directors Bulletin do Institute of Directors de Singapura.

Resumo

Uma coisa é certa – a tecnologia disruptiva está a transformar o “business as usual,” e o ritmo de mudança vai continuar a acelerar. Os reguladores estão a inovar – e os negócios devem seguir esse caminho.

Sobre este artigo