9 Minutos de leitura 28 ago 2020
woman walking throught doorway in dark warehouse office

Como novos modelos de reestruturação podem ajudar empresas em dificuldades

Autores
Gunnar Gerig

Partner, Ernst & Young GmbH; EY-Parthenon Turnaround and Restructuring Strategy Leader in Germany, Switzerland and Austria

Senior restructuring and transactions advisor. Extensive sector experience across transportation and shipping as well as the public sector.

Richard Koch

Associate Partner, Strategy and Transactions, Ernst & Young GmbH

Internationally experienced professional. Transformation and performance advisor. Driven by excellence and results.

9 Minutos de leitura 28 ago 2020

O Modelo Europeu de Reestruturações Preventivas oferece diferentes maneiras de ajudar empresas impactadas pela COVID-19. O que você precisa saber está aqui.

Em resumo

  • A pandemia da COVID-19 levou à emergência de quatro grupos de empresas, cada qual com diferentes necessidades de reestruturação.
  • O novo modelo europeu pode se provar útil para as empresas que atualmente não estão conseguindo cobrir suas dívidas, mas que não têm um problema de liquidez agudo.
  • A reestruturação financeira pode ser a melhor opção para permitir que empresas com modelos de negócios válidos retornem à lucratividade.

Hoje em dia, quando uma empresa está enfrentando dificuldades, três instrumentos básicos de reestruturação judiciais e extrajudiciais estão disponíveis. Dependendo do grau de pressão pela reestruturação operacional e financeira, os seguintes instrumentos são usados por várias jurisdições europeias:

  • Soluções consensuais com todas as partes interessadas excetuando-se a insolvência (ex.: com base em um conceito de reestruturação ou avaliação de negócios independente)
  • Instrumentos de insolvência precoce (ex.: procedimento do tipo “protective shield”, insolvência sob autoadministração) com base em um plano de insolvência e aprovado pelo tribunal de falências
  • Procedimentos de insolvência regulares implementados pelo síndico da massa falida e aprovado pelo tribunal de falências

Uma quarta opção de reestruturação, que somente compreende elementos “judiciais” secundários, foi desenvolvida recentemente na União Europeia. Depois de longas negociações, a Diretiva da UE 2019/1023 sobre “Modelos de Reestruturações Preventivas, sobre a liberação de dívida e desqualificações, e sobre medidas para ampliar a eficiência de procedimentos concernentes à reestruturação, insolvência e liberação de dívida” foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 26 de junho de 2019.

O Modelo Europeu de Reestruturações Preventivas tem por objetivo a reestruturação preventiva eficaz de empresas viáveis em dificuldades financeiras, por meio da redução da duração dos procedimentos de reestruturação. Assim, taxas mais elevadas de recuperação de credores são obtidas já que, normalmente, a passagem de tempo somente resulta em perdas adicionais de valor para uma empresa em dificuldades.1

Neste contexto, a Diretiva da UE está explicitamente focada em empresas de pequeno e médio porte (SMEs), o que inclui a vasta maioria de empresas na UE, já que é mais provável que essas empresas sejam liquidadas do que reestruturadas. Muitas vezes, as SMEs não conseguem arcar com os custos mais elevados da reestruturação que acompanham os procedimentos mais eficientes de reestruturação de alguns estados-membros, como os instrumentos de insolvência precoce2 mencionados anteriormente.

Os estados-membros têm até meados de 2021 para internalizar a Diretiva da UE sobre modelos de reestruturações preventivas em suas respectivas legislações nacionais. Atualmente, os legisladores nacionais estão trabalhando em uma integração “voltada ao sistema” do plano de reestruturação pré-insolvência, já que uma estrutura jurídica fora dos procedimentos de insolvência está planejada em várias jurisdições.

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Capítulo 1

Os efeitos da COVID-19 em diferentes grupos de empresas

Quatro grupos de empresas emergiram durante a crise com diferentes necessidades de reestruturação.

A pandemia da COVID-19 está tendo um enorme impacto sobre o nosso ecossistema econômico e é um choque inédito que terá efeitos significativo no desenvolvimento econômico futuro.

À medida que a primeira onda da pandemia se espalhava pelo globo, medidas de confinamento e distanciamento social levaram a uma enorme queda na demanda e na oferta. As cadeias de suprimento foram impactadas desde o início da pandemia e continuam a enfrentar dificuldades, mesmo à medida que clusters regionais começam a reabrir. Conforme a crise foi se desenvolvendo, quatro grupos de empresas em diferentes setores emergiram. Existem empresas que tinham um modelo saudável e que funcionava antes da COVID-19, e empresas com modelos de negócios que já estavam sob pressão no início da crise. Esses grupos podem ser divididos ainda mais entre aqueles que provavelmente serão temporariamente afetados de maneira negativa e aqueles para os quais mudanças negativas podem ser permanentes.

Modelos de negócios saudáveis

Dependendo do setor e da empresa, os choques da COVID-19 podem ser temporários. Já estamos começando a ver a demanda retornando em alguns setores. Em muitos casos, porém, as empresas estão enfrentando dificuldades com a disrupção continuada. Espera-se que isso continue pelo restante deste ano, e qualquer solução dependerá em grande medida da disponibilidade de uma cura ou vacina para a COVID-19. Muitos setores verão um retorno ao “novo normal”, e não precisarão alterar seu modelo de negócios utilizado atualmente. Esses setores podem incluir hospitalidade (ex.: hotéis e restaurantes), manufatura avançada, petróleo e gás, ou tecnologia, mídia e telecomunicações (TMT), que têm obtido algum sucesso na crise da COVID-19.

Outros setores estão experimentando um impacto diferente. Os choques causados pela COVID-19 têm sido disruptivos e podem levar a uma mudança permanente em razão de alterações no comportamento do cliente, devido a medo, regulamentos ou uma mudança nos valores. Seus modelos de negócios anteriormente saudáveis precisarão, portanto, passar por adaptações; por exemplo, companhias aéreas não apenas estão experimentando uma queda na demanda de mais de 90%, como temem efeitos mais duradouros. As restrições de viagens continuadas impactando viagens pessoais, mais novas maneiras de trabalhar, e a desaceleração econômica que está fazendo com que as empresas adiem viagens, têm o potencial de reduzir a demanda geral por viagens aéreas de maneira permanente.

Modelos de negócios estressados

Outras empresas em vários setores, já estavam sob pressão antes da COVID-19. Essas empresas têm sido impactadas pela crise atuam de maneira diferente. A pandemia tem servido mais como um catalisador para problemas existentes e, em alguns casos, revelou a verdadeira extensão de seus problemas. A crise levou a uma necessidade imediata de medidas, encurtando o tempo disponível para reagir a problemas subjacentes e preparar uma resposta estruturada. Pode ser uma chance para muitos de tratar da necessidade de uma mudança estrutural, mas com um impacto substancialmente mais negativo no curto prazo devido a COVID-19.

Por exemplo, já faz algum tempo que o setor automotivo tem enfrentado problemas com o excesso de capacidade e a necessidade de uma mudança estrutural. O varejo físico não essencial também tem sido pesadamente impactado por uma queda imediata na demanda devido ao confinamento. Mudanças no comportamento do consumidor e a crescente mudança para canais on-line já apresentavam desafios para esse setor antes da crise. As empresas precisam adotar medidas de maneira mais urgente, a fim de implementar as mudanças necessárias em seus modelos de negócios, para conseguir concorrer durante a crise e permanecer relevante no futuro.

Algumas empresas experimentarão uma aceleração similar dos desafios como resultado da disrupção trazida pela COVID-19, mas não conseguirão se reestruturar ou reverter a situação de seus negócios. Elas descobrirão que as mudanças sustentadas causadas pela COVID-19 tornaram seus modelos de negócios obsoletos, e permanecerão assim depois que a crise tiver passado.

O gráfico a seguir ilustra esses quatro grupos de empresas com uma categorização de setores conforme a descrição acima, indicando sua necessidade potencial pela reestruturação:

EU Preventive Restructuring impact of COVID-19

Independentemente da robustez ou relevância dos modelos de negócios antes da COVID-19, o impacto imediato da crise criou estresse financeiro para as empresas afetadas. Problemas de liquidez de curto prazo podem ser vistos em quase todos os setores, com necessidades de caixa operacional frequentemente permanecendo muito elevadas, ao passo que o faturamento foi drasticamente reduzido. Instrumentos financeiros de curto prazo, frequentemente na forma de ajuda estatal, estão sendo amplamente implementados para ajudar empresas a sobreviverem à crise.

Essa “solução” financeira de curto prazo levou a uma mudança significativa nos níveis de dívida, colocando um ônus na estabilidade financeira de empresas no futuro. A capacidade das empresas de gerar um EBIT (Lucro antes dos Juros e Impostos) sustentável para o pagamento de juros e o reembolso de dívida dependerá substancialmente dos modelos de negócios subjacentes e sua relevância durante a crise e além. Isso pode levar a uma necessidade significativamente maior de reestruturação operacional e financeira, e requer uma visão caso a caso sobre o instrumento mais apropriado que estiver disponível.

Conforme indicado anteriormente, os instrumentos atualmente disponíveis representam uma base válida para reestruturar e tratar de dificuldades antes da inadimplência. Porém, identificar o instrumento apropriado requer uma abordagem caso a caso. Nestes períodos de incerteza, com um acúmulo de empréstimos vencidos e não pagos iminentes, o Modelo Europeu de Reestruturações Preventivas pode ser um instrumento útil para complementar aqueles já disponíveis.

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Capítulo 2

A relevância do Modelo Europeu de Reestruturações Preventivas

A nova diretiva da UE pode se provar uma opção adequada de reestruturação para empresas impactadas pela COVID-19.

O Modelo Europeu de Reestruturação Preventiva está focado em medidas de reestruturação financeira, especialmente medidas relativas ao capital, muito embora a definição de “reestruturação” na Diretiva da UE também inclua explicitamente medidas de reestruturação relacionadas ao desempenho (“mudanças operacionais”, cp. Art. 2, 1. (2) da Diretiva da UE). A necessidade de reestruturação financeira é especialmente válida para empresas com modelos de negócios saudáveis que tiveram de aumentar seus níveis de dívida devido à COVID-19 e estão enfrentando problemas temporários, em vez de empresas cujos modelos de negócios estavam sob pressão antes do COVID-19 e que requerem iniciativas de reestruturação operacional.

O novo modelo pode, portanto, ser especialmente adequado para empresas cujo maior nível de dívida não é mais coberto por um EBIT sustentável, mas que não têm um problema agudo de liquidez e, assim, não se qualificam para um procedimento de reestruturação judicial.

Um procedimento de reestruturação pré-insolvência no âmbito do modelo poderia ser apropriado para empresas fundamentalmente viáveis em casos nos quais um consenso completo não puder ser alcançado, mas onde a vasta maioria dos credores prefere uma reestruturação no lugar de um procedimento formal de insolvência.

Nos casos em que as partes interessadas minoritárias estejam obstruindo uma solução, a possibilidade de um mecanismo do tipo “cross-class cram-down” pode ser um argumento válido para introduzir o modelo de reestruturações preventivas.

Ainda é preciso ver se a nova Diretiva da UE consegue atender a meta oficial de criar um instrumento adequado de reestruturação – especialmente para PMEs – com custos menores de reestruturação quando comparado a instrumentos de insolvência precoce que estão disponíveis somente em alguns Estados-membros. Para tornar a reestruturação uma opção melhor do que a liquidação aos olhos de várias partes interessadas nas PMEs, as regras do Modelo Europeu de Reestruturações Preventivas precisam ser fáceis de entender e seguir.

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Capítulo 3

Conclusão

A reestruturação financeira pode permitir que empresas com modelos de negócios válidos retornem à lucratividade.

A nossa avaliação de modelos de negócios e o efeito da COVID-19 mostra que os quatro grupos de empresas que descrevemos neste artigo estarão representados na reestruturação por meio de um dos instrumentos disponíveis. Em muitos casos, as medidas de reestruturação financeira serão suficientes para permitir que essas empresas com modelos de negócios válidos em setores afetados, como hospitalidade, TMT ou manufatura avançada, retornem à lucratividade. Em outros casos, mais medidas de reestruturação operacional serão necessárias para reverter a situação de modelos de negócios – por exemplo, nos setores automotivo e de varejo –, e o maior nível de dificuldade demandará procedimentos de reestruturação mais formais, inclusive o envolvimento do tribunal de falências.

Em vista do aumento significativo esperado nas empresas que estão enfrentando dificuldades financeiras, a rápida aprovação do Modelo Europeu de Reestruturações Preventivas nas legislações nacionais é necessária, a fim de competir contra o Scheme of Arrangement do Reino Unido e o Chapter 11 dos EUA como localidades alternativas de reestruturação. Assim, a implementação da Diretiva da UE forneceria salvaguardas contra a relocação abusiva do foco dos principais interesses do devedor durante procedimentos de insolvência transfronteiriços.

Resumo

A pandemia do COVID-19 está causando níveis gigantescos de disrupção. Desse modo, para os quatro grupos de empresas delineados neste artigo, há a possibilidade de reestruturação usando um dos instrumentos disponíveis. Em muitos casos, as medidas de reestruturação financeira serão suficientes para permitir que essas empresas com modelos de negócios válidos retornem à lucratividade. Em outros casos, mais medidas de reestruturação operacional serão necessárias para reverter a situação de modelos de negócios. Porém, aqueles com níveis mais elevados de dificuldades precisarão de procedimentos de reestruturação mais formais, inclusive o envolvimento do tribunal de falências.

Sobre este artigo

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Gunnar Gerig

Partner, Ernst & Young GmbH; EY-Parthenon Turnaround and Restructuring Strategy Leader in Germany, Switzerland and Austria

Senior restructuring and transactions advisor. Extensive sector experience across transportation and shipping as well as the public sector.

Richard Koch

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