Imparidade
No contexto atual, poderá mostrar-se necessária a realização de testes de imparidade aos vários activos, nomeadamente aos Activos Fixos Tangíveis (por possível perda de valor decorrente de actos de vandalismo ou por fenómenos climatéricos), às Contas a Receber (pelo risco de aumento de problemas de liquidez em clientes que possam ter visto as suas operações afectadas pelos acontecimentos recentes), aos inventários (por actos de vandalismo ou roubos), ao Goodwill (por perda de valor dos negócios) e aos activos por impostos diferidos (pela diminuição da capacidade da empresa em gerar resultados fiscais futuros que permitam a recuperabilidade dos mesmos).
Adicionalmente é necessário ter em atenção os pressupostos usados nas análises de imparidade (como as taxas de desconto e as taxas de inflação) que tendencialmente terão uma deterioração, bem como as bases das projeções (como as taxas de crescimento e as margens) em que tipicamente são usadas projeções com base em dados históricos, os quais podem não ser adequados aumentando a incerteza decorrente de um menor grau de previsibilidade sobre os comportamentos futuros do mercado.
No caso específico do Sector Bancário, dada a especificidade concreta dos seus activos financeiros e da sua relevância nos respectivos Balanços, nomeadamente no que respeita às rubricas de Crédito a clientes e de Activos financeiros ao custo amortizado, o processo de revisão das perdas por imparidade associadas àqueles activos oferece um nível de complexidade ainda maior em resultado das instituições financeiras se encontrarem a reportar de acordo com as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS). No contexto actual, será expectável que os modelos de imparidade utilizados pelos Bancos para reconhecimento das imparidades sobre aqueles activos venham a ser impactados, com revisões em alta das respectivas imparidades acumuladas, em resultado das alterações ao nível das principais variáveis de “forward looking” incorporadas nos respectivos modelos, tais como, Produto interno Bruto, Taxas de inflação, Taxas de Juro, etc., bem como o aumento do risco de crédito associado às respectivas carteiras de crédito e de títulos, nestes últimos também impactados pelo Rating da Republica de Moçambique estabelecidos pelas principais agências internacionais de rating (algumas delas já com revisão em baixa do respectivo rating).
Contagens Físicas
No caso em que as empresas não tenham conseguido efectuar o seu procedimento de contagens físicas conforme é usual, por falta de técnicos disponíveis ou por dificuldade ou impossibilidade de acesso às instalações, deverão ser identificados os procedimentos alternativos que a empresa consegue realizar subsequentemente por forma a conseguir concluir a verificação da existência e da condição dos seus inventários à data de fecho e realizar qualquer ajustamento que se mostre necessário.
Eventos Seguráveis
No caso da Empresa ter perdas em activos que estejam cobertos por eventos seguráveis, será necessário garantir que as indemnizações são exigíveis, tendo em atenção que os actos de vandalismo ou roubo podem não configurar como eventos seguráveis. Desta forma, é necessário que a empresa obtenha as provas da exigibilidade das indemnizações, nomeadamente através de confirmação escrita por parte da seguradora.
No caso concreto das Companhias de seguros, o processo de fecho de contas relativo ao exercício de 2024 oferecerá uma complexidade ainda maior no que respeita à determinação dos custos com sinistros associados a todos os eventos ocorridos (cobertos pelas respectivas apólices) até ao final do ano, com especial atenção, considerando a dimensão dos eventos ocorridos próximo da data do fecho de contas, para a determinação do custo com sinistros incorridos mas não reportados à Companhia (IBNR). Neste contexto, as Companhias de seguros deverão fazer uma análise antecipada junto dos seus clientes (que incorporem estas coberturas), no sentido de reunir a melhor informação disponível para determinação e reconhecimento de eventuais estimativas adicionais de custos com sinistros.
Divulgações
As divulgações também terão diversos impactos, alguns apenas de melhoria das divulgações já existentes e outros que exigirão divulgações adicionais.
Algumas das melhorias das divulgações poderão ser:
- Melhoria da descrição dos racionais para as alterações dos pressupostos nas estimativas bem como sobre quaisquer contingências e/ou provisões registadas; e/ou
- Detalhe das indemnizações registadas ou divulgação do racional para os activos contingentes que possam resultar de potenciais indemnizações.
- Algumas das divulgações adicionais serão:
- Descrição da situação e dos impactos da mesma na continuidade das operações da empresa, sendo necessário que sejam abordados não apenas os eventos que afectaram directamente a empresa, mas também o seu ambiente (nomeadamente sobre os clientes e fornecedores e a sua capacidade de continuarem a operar, sobre o acesso a crédito externo ou apoio dos accionistas, entre outros). Estas divulgações terão de estar suportadas por análises prévias com projeções operacionais e de tesouraria que permitam corroborar as mesmas;
- Nos eventos após a data de balanço será necessário criar uma nota específica a descrever os impactos que a empresa possa ter sofrido subsequentemente (muito em linha com o que já ocorreu aquando do COVID 19). De notar que será necessária uma avaliação prévia sobre se esses eventos serão eventos ajustáveis ou apenas divulgáveis; e
- Divulgação de qualquer outro evento não usual como algum ataque cibernético ou alguma fraude (de realçar que as empresas deverão melhorar os seus mecanismos de análises subsequente sobre estes potenciais eventos cuja probabilidade aumenta em cenários como os verificados em Moçambique desde outubro deste ano) ou outros, dependendo da especificidade de cada empresa.
Conclusão
Em suma, e não pretendendo o artigo abordar de forma exaustiva todos os possíveis impactos que poderão advir do actual contexto, é fundamental que o processo de fecho de contas e de preparação das demonstrações financeiras e respectivas notas seja efectuado de forma atempada e que sejam reforçadas as análises aos eventos não usuais e respectivos impactos, antes do fecho de contas, que permitam identificar e obter a informação necessária sobre todos os impactos que têm de ser registados e/ou divulgados.
É essencial que esse trabalho seja efectuado com rigor, envolvendo não apenas as equipas locais mas também os accionistas e respectivos grupos, quando aplicável, por forma a garantir a integridade da informação financeira. Este processo tem uma enorme relevância não apenas para os shareholders e para os stakeholders específicos de cada empresa, mas de uma forma mais abrangente, tendo em vista a importância da robustez da informação financeira na confiança para a economia do país e para os mercados como um todo.