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Energias Renováveis e Incentivos Fiscais

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Dividido entre a aposta nas energias renováveis e a riqueza emergente do gás natural, Moçambique enfrenta um novo dilema fiscal. Como pode a política tributária incentivar a transição energética sem comprometer as tão aguardadas receitas dos hidrocarbonetos? Este artigo analisa o panorama fiscal moçambicano nas energias limpas, incluindo créditos de carbono (REDD+), e sugere caminhos para um equilíbrio sustentável entre as receitas do Estado e a economia verde.


Contribuindo com apenas 0,03% das emissões globais de CO₂, Moçambique sofre com desastres climáticos cíclicos (ciclones, secas), o que torna a transição para uma economia de baixo carbono não só um imperativo ambiental como também uma oportunidade de desenvolvimento sustentável. O país possui vastos recursos renováveis (hídricos, solar, eólico), mas ainda explora pouco esse potencial. Aliás, dados existentes, reportados a final de 2023, apenas cerca de 53% da população tem acesso à energia eléctrica. Para reverter este cenário, o Governo lançou a Estratégia de Transição Energética e aprovou a nova Lei da Electricidade, aprovada pela Lei n.º 12/2022, de 11 de Julho, abrindo o sector à iniciativa privada e favorecendo as fontes limpas. Falta agora a política fiscal acompanhar esta visão, criando incentivos atractivos para que o capital privado invista em projectos renováveis e amplie o acesso energético.

Moçambique dispõe de incentivos fiscais aliciantes para investimentos estruturantes na área de energia. Efectivamente, o Código dos Benefícios Fiscais, aprovado pela Lei n.º 4/2009, de 12 de Janeiro, prevê que projectos de infraestruturas de utilidade pública, em sectores estratégicos, nomeadamente no de energia que beneficia de isenções de direitos aduaneiros e do IVA devidos na importação de equipamentos para a implantação do projecto, bem como redução da taxa do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRPC) durante os primeiros 15 anos de exploração.

Estes incentivos atenuam os elevados custos iniciais dos projectos neste sector. Na prática, contudo, a sua obtenção parece enfrentar burocracias e demoras, dada a falta de orientação clara e os longos prazos de aprovação. Adicionalmente, não existem créditos fiscais por produção de energia limpa nem abatimentos por redução de emissões. Contrariamente, alguns países africanos como o Quénia e Ruanda adoptaram medidas mais proactivas, introduzindo incentivos específicos para estimular o investimento verde.

A exploração do gás natural tem sido apontada como sendo o novo pilar económico. Muito embora seja inegável e não se possa abdicar da exploração de vastas reservas existentes, esta nova realidade traz consigo um dilema: a história mostra que exploração de recursos pode enfraquecer outros sectores e aumentar a volatilidade económica.

No cenário ideal, as receitas do gás deveriam servir de alavanca para colocar o país na vanguarda da transição energética, como por exemplo, vinculando uma percentagem fixa das receitas anuais do futuro Fundo Soberano (provenientes do gás) a um Fundo de Transição Energética destinado a co-financiar projectos de energias renováveis, seja pela via de parques solares e eólicos, expandir a rede eléctrica e promover a plantação de culturas que ajudem a massificar projectos destinados a gerar créditos de carbono.

No âmbito dos créditos de carbono, Moçambique tem procurado capitalizar a protecção florestal via REDD+ (Programas e Projectos Inerentes à Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Conservação e Aumento de Reservas de Carbono), ao abrigo do Decreto n.º 23/2018 de 3 de Maio.

O país já realizou vendas de créditos de carbono no mercado internacional, canalizando as receitas para o Fundo de Desenvolvimento Sustentável. Para garantir o interesse nacional, uma norma legal atribui ao Estado a propriedade dos créditos gerados em projectos moçambicanos (Decreto n.º 58/2014, de 17 de Outubro). Essa salvaguarda, porém, diminui o atractivo para investidores privados, que actualmente não têm assegurada qualquer parcela desses créditos. Seria, pois, recomendável ajustar esta regra, assegurando por lei que um produtor independente de energia renovável retenha uma percentagem fixa dos créditos de carbono do seu projecto, ficando o restante para o Estado, tal como Quénia e Ruanda. Tal medida daria previsibilidade aos investidores e tornaria Moçambique mais competitivo em projectos apoiados pelo mercado de carbono.

Adicionalmente, tratando-se de uma operação comercial sujeita às regras fiscais gerais, seria importante clarificar o enquadramento tributário dessas transacções e, eventualmente, alterar certas normas que permitam incentivar o investimento nesta área ainda muito pouco explorada no país, mas que tem um enorme potencial, dado que Moçambique tem vastas áreas territoriais onde se pode alavancar projectos agrícolas que permitam “gerar” créditos de carbono.

Com uma política de créditos de carbono afinada, a geração de emprego aliada a temática de conservação ambiental pode gerar fluxos financeiros complementares para o erário público, reforçando a sustentabilidade de longo prazo.

Conclusão

Moçambique pode destacar-se na conciliação entre riqueza fóssil e desenvolvimento de energias renováveis. O quadro fiscal actual fornece algumas bases de incentivo, mas possui indefinições e insuficiências que urge colmatar. As experiências de alguns países africanos demonstram que incentivos claros e estáveis atraem investidores. Com reformas bem desenhadas, o Estado pode atrair investimento privado em larga escala para as energias limpas, ampliar a produção de electricidade verde, criar empregos e, a longo prazo, aumentar a base tributária. Em paralelo, capitalizar a protecção ambiental via créditos de carbono pode trazer receitas adicionais que, se bem geridas, complementem as dos hidrocarbonetos e evitem uma dependência excessiva.

Resumo

Moçambique enfrenta um dilema entre as energias renováveis e o gás natural. Enquanto as primeiras despontam como vector estratégico de desenvolvimento sustentável, as receitas do gás natural são já uma realidade importante para uma económica como a nossa. Este artigo analisa o panorama fiscal moçambicano no sector das energias renováveis, desde os incentivos vigentes até ao papel dos créditos de carbono (REDD+), em interacção com a recente produção de hidrocarbonetos. São comparadas, de forma sucinta, as práticas fiscais de Moçambique com as de economias africanas semelhantes, apontando medidas de reforma fiscal para impulsionar a transição energética e atrair investimento privado. O objectivo é identificar sucintamente tanto os progressos como as lacunas existentes e avançar recomendações para uma estratégia fiscal inteligente que favoreça as energias limpas sem descurar a sustentabilidade orçamental e social.

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