A crescente tendência de sensibilização e preocupação da população global com temáticas de sustentabilidade e com crises climáticas tem conduzido a um foco acrescido por parte das Organizações Internacionais Intergovernamentais, e do tecido empresarial, na procura de alternativas viáveis para endereçar e mitigar os riscos das alterações climáticas.
Neste âmbito, o aumento progressivo do número de fenómenos climáticos extremos observados por todo o planeta, e a maior regulamentação internacional em vigor criada com vista a limitar as emissões de carbono, aplicável a diversos países e sectores de actividade, tem contribuído para um crescimento significativo da procura no mercado de créditos de carbono.
A origem do mercado de créditos de carbono remonta ao final dos anos 1970, sendo que o evento pivotal que concedeu maior força e tracção ao mesmo ocorreu em 1997, com a assinatura do Protocolo de Kyoto. Posteriormente, em 12 de Dezembro de 2015, com a celebração do Acordo de Paris, foi aprovado um novo tratado internacional sobre mudanças climáticas, tendo o mesmo sido adoptado por 195 Países presentes na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (designada por COP21). Este novo tratado, juridicamente vinculativo, representou um outro “factor de incentivo” para impulsionar o mercado de créditos de carbono, que tem vindo a evoluir de forma gradual, sendo actualmente uma ferramenta importante para a mitigação de alterações climáticas.
Mas como funciona este mercado? O mercado de créditos de carbono foi criado como um mecanismo para reduzir as emissões de gases de efeito de estuda (GEE), como foco na redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). Este mercado representa actualmente um sistema onde diversas empresas e países podem comprar e / ou vender o direito para emitir GEE’s, e que pode ser “simplisticamente” resumido da seguinte forma:
- Limites de emissões: é atribuído um limite de emissões de GEE’s às empresas e países.
- Créditos de carbono: uma empresa, ou país, que emita menos emissões de GEE’s face ao seu limite aplicável pode gerar créditos de carbono.
- Compra e venda: empresas, ou países, com emissões acima do limite podem comprar créditos de carbono de outras empresas ou países cujo nível de emissões se encontra abaixo do respectivo limite.
O mercado de créditos de carbono (por vezes designado como “mercado de compensações de carbono”) visa assim incentivar a redução de emissões de GEE’s, concedendo uma recompensa financeira às empresas e países que poluem menos, funcionando também como um mecanismo de compensação para as empresas e países que necessitam de reduzir o seu nível de emissões.
Ao longo dos últimos anos, o potencial do mercado de créditos de carbono tem vindo a crescer exponencialmente, em grande parte impulsionado pelos compromissos corporativos de “emissões-zero” e pelo progresso nas regulamentações governamentais nacionais, e internacionais. De acordo com dados do Banco Mundial, estima-se que o mercado de créditos de carbono tenha gerado mais de USD 100 mil milhões em 2024, com perspectivas de crescimento para 2025. Actualmente, encontram-se globalmente estabelecidos cerca de 80 ETF’s – Emissions Trading Systems (i.e. sistemas de compra e venda de créditos de carbono), com planos de criação de ETF’s adicionais localizados no Brasil, na Índia e na Turquia num futuro próximo.
Segundo dados publicados pela Sylvera (Agência de rating que contribui para a preparação de literatura científica, em colaboração com diversas ONG’s, Governos e Instituições Académicas), o nível de procura de créditos de carbono no 1º trimestre de 2025 superou, pela primeira vez em anos recentes, o nível de oferta. Esta inversão na tendência entre procura e oferta disponível no mercado global parece assim reflectir uma procura estável e robusta por créditos de carbono, que vem dando indícios de poder vir a ser consistentemente superior ao actual nível de oferta disponível no mercado (sendo expectável que essa tendência se mantenha em 2025).
O potencial para investir na criação da oferta parece assim ser claro: com perspectivas de crescimento anual superiores a 20%, um volume global de receitas superior a USD 130 mil milhões previsto para 2025, com perspectivas de superar USD 1 bilião e até 2030, e uma tendência de aumento na procura (que irá agravar o défice já observado em termos de oferta disponível), não parece faltar espaço para a entrada de novos players no mercado de créditos de carbono.
Surge assim a inevitável questão: poderá Moçambique aspirar a assumir-se como um “País mais verde”, com um papel activo no mercado de créditos de carbono? A principal motivaçao que me leva a escrever este artigo é a mesma que me leva a responder “Sim” a esta questão: o gosto que sempre tive em ver algo atingir o seu potencial. Sejam pessoas, projectos, empresas, ou países, a motivação para estimular ao máximo o potencial existente é algo que sempre me moveu. E o potencial de Moçambique é inegável neste campo: a extensa área florestal, o diverso leque de energias renováveis disponíveis (que inclui não apenas a energia solar, mas também a energia maremotriz e a energia eólica) e o elevado nível de intensidade de carbono ainda presente na economia representam alguns dos principais factores que criam este inegável potencial.
Ora, considerando que em Moçambique as principais fontes de criação de créditos de carbono podem surgir por via de projectos de energia renovável, de iniciativas de reflorestamento e florestamento, de restauração de mangues e manguezais, e de práticas sustentáveis de gestão / exploração da terra, os factores base aparentam estar reunidos. Contudo, será também necessário assegurar alguns requisitos comuns à criação de qualquer ecossistema empresarial, requisitos esses que podem inclusivamente ser conjugados com as preocupações ambientais já presentes no Plano Quinquenal do Governo para 2025-2029.
Por um lado, será importante investir na definição e no fortalecimento dos enquadramentos jurídicos e regulatórios, sobretudo por via do desenvolvimento de um Plano de Activação do Mercado de Carbono, que estableça directrizes claras para os participantes do mercado, garantindo transparência, responsabilidade e adesão aos padrões ambientais, e que dê resposta a questões como o processo de registo e monitorização de projectos e de verificação de créditos de carbono. Por outro lado, deve também ser aprimorada a capacitação e o conhecimento técnico existente a nível nacional (quer ao nível das comunidades locais, que devem ser munidas do conhecimento e das habilidades necessárias para se envolverem e beneficiarem de projectos de carbono, quer ao nível de incentivo de parcerias internacionais que estimulem a partilha de conhecimento que potencie o desenvolvimento de expertise nacional em operações de mercado de carbono). Por fim, e não menos importante, será importante garantir uma canalização de benefícios para as comunidades locais que apresentam maior potencial em emissões de créditos de carbono, permitindo assim capturar o mesmo de forma verificável, quantificável e plena.
Por fim, a materialização deste potencial poderá ainda ser complementada com projectos e iniciativas já em curso, nomeadamente com os projectos de Gás Natural (LNG) – sendo esse um recursos que pode ser elegível para créditos de carbono quando usado para substituir combustíveis fósseis como o carvão -, bem como por via do definição de estratégias e iniciativas semelhantes ao projecto REDD - Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation, onde Moçambique se encontra actualmente a combater activamente a desflorestação por meio de uma estratégia nacional que visa reduzir as emissões de GEE’s provenientes da desflofrestação.
O mercado de créditos de carbono poderá assim constituir mais uma oportunidade valiosa para o desenvolvimento de Moçambique de um ponto de vista ambiental, económico e social, representando igualmente uma nova fonte de captação de moeda estrangeira e de investimento estrangeiro para o País. A importância de todos estes benefícios apresenta-se como muito relevante não apenas para o actual contexto que o País atravessa, mas sobretudo como crucial para permitir aspirar a um futuro mais promissor. Mais do que uma opção desejável, poderá representar uma oportunidade muito positiva para apoiar a construção, com responsabilidade e visão, de um futuro verdadeiramente sustentável e inclusivo.