Formalizar não devia ser um fim. Devia ser um começo.
Em Moçambique, quase todas as empresas são pequenas. Mais de 98% são micro, pequenas ou médias empresas. Mas a maioria continua na informalidade — e não é por preguiça ou falta de visão. Muitas vezes é uma questão de sobrevivência. De responder ao que o sistema não oferece.
A informalidade, para muitos, é a única forma de existir. O que protege hoje, no entanto, pode estagnar amanhã.
O que proponho é que mudemos a pergunta. Não é "por que não formalizam?". É: "Que estrutura oferecemos para que valha a pena formalizar?"
Algumas coisas que vejo, no terreno, quando trabalho com PMEs?
- Muitos empresários e empresárias que nunca viram um modelo de contrato – e por isso têm dificuldades em apresentar propostas, proteger-se legalmente, ou negociar com confiança.
- Pessoas talentosas a gerir pequenos negócios com intuição e esforço diário — mas sem acesso a ferramentas simples como um modelo em Excel, um registo de caixa ou um plano básico de facturação.
- Negócios com potencial real, que batem à porta de grandes clientes... e voltam para trás porque lhes falta um NUIT activo, capacidade de emitir recibos ou ter uma conta bancária no nome da empresa.
Não falta ambição. Falta estrutura com sentido.
Porque mesmo quando tentam formalizar… vem o susto:
- Taxas,
- Impostos mínimos,
- Contribuições obrigatórias,
- Exigências fiscais que nascem antes do primeiro cliente.
Na prática, muitas vezes formalizar em Moçambique implica começar a pagar antes mesmo de começar a facturar — com taxas, licenças e obrigações fiscais que surgem logo no arranque.
Repensar a carga fiscal: um passo crucial para incentivar a formalização
Nenhuma microempresa deveria ser travada nos primeiros passos por causa de impostos. Muitos empreendedores dão o passo da formalização com esperança, mas recuam diante de um sistema que começa a cobrar antes de apoiar.
Por isso, uma política de promoção da formalização mais eficaz poderia incluir:
- Isenção fiscal parcial ou total nos primeiros 12 a 24 meses de actividade formal;
- Tributação escalonada, ajustada ao volume real de facturação;
- Apoio técnico inicial à gestão fiscal e obrigações mínimas, com acompanhamento através dos Balcões de Atendimento Único (BAUs), do IPEME e, onde possível, por contabilistas certificados ou incubadoras.
Incentivar a formalização é mais do que registar empresas — é criar condições para que elas sobrevivam, cresçam e contribuam para a economia real.
Um modelo possível: formalizar para crescer, não para complicar
1. Formalizar com propósito
Reduzir complexidade nos primeiros passos: simplificar sem infantilizar e comunicar com clareza o que se ganha — não apenas o que se paga.
Se não houver oportunidades ligadas à formalização, ninguém se convence. Não falo só de acesso a concursos públicos. Falo de pequenos contratos com empresas maiores, de feiras com critérios e ganhos mínimos, de linhas de financiamento realistas.
2. Ferramentas simples que ajudam a começar
Um modelo simples de orçamentação. Um modelo de contrato básico. Um registo de vendas a excel (ou até mesmo à mão). Nada de plataformas que exigem wi-fi estável ou inglês técnico. Ferramentas que funcionem mesmo onde ainda não há tudo.
3. Crescer juntos: consórcios que fazem sentido
Já vi empresas pequenas que, juntas, conseguiram responder a uma grande oportunidade. Mas para isso precisam de modelos legais que permitam confiar, colaborar, partilhar. Seja através de consórcios temporários, parcerias formais ou acordos com apoio técnico. O que importa é garantir que colaborar seja possível — e seguro.
4. Medir o que importa
Não é só contar quantas empresas estão registadas. É saber quantas sobreviveram. Quantas cresceram. Quantas passaram de dois, para cinco, vinte empregados. Quantas conseguiram entrar em cadeias de fornecimento estáveis.
E os grandes projectos? E o Governo?
Há aqui um ponto sensível — e estratégico.
Quando uma grande empresa decide comprar local, mas exige requisitos que nenhuma PME formal consegue cumprir, ela está a excluir antes mesmo de começar.
Quando o Governo simplifica o registo, mas não cria incentivos económicos, está apenas a tornar mais fácil algo que continua a não compensar.
A formalização só se torna desejável quando dá acesso. Quando abre portas reais.
O que precisamos é de parcerias tripartidas com objectivos claros.
Grandes empresas + PMEs + entidades facilitadoras.
Com metas, contratos-piloto, mentoria e assistência técnica efectiva.
E, acima de tudo, confiança — construída com transparência.
Portanto, formalizar para escalar não é apenas registar uma empresa.
Deve ajudar a estruturar o que já existe: negócios com clientes, com procura, com potencial — mas ainda sem base legal, fiscal, contratual ou sem um modelo claro de gestão que sustente o crescimento.
Deve permitir que o esforço individual se traduza em acesso a financiamento, a mercados e a contratos reais.
E deve criar caminhos de crescimento com regras claras, contabilidade mínima, e apoio prático — em vez de depender apenas do improviso e da boa vontade de quem empreende.
Moçambique não tem escassez de empreendedores. Tem escassez de sistemas que os levem longe. E é aqui — entre a coragem de quem empreende e a responsabilidade de quem decide — que pode nascer uma nova economia.
Uma economia com raízes locais e asas estruturadas.