Num momento em que o tema da Inteligência Artificial (IA) domina o debate público e empresarial, cresce a distância entre o entusiasmo gerado pelo seu potencial e a realidade vivida por muitas organizações. A promessa da IA como motor de produtividade, eficiência e inovação é real — mas a sua concretização exige mais do que ferramentas tecnológicas: exige estratégia, cultura, liderança e execução disciplinada.
No contexto do Fórum Nacional de Inteligência Artificial 2025, partilhei a visão da EY sobre o que significa adoptar IA de forma sustentável, responsável e com impacto organizacional real. Tentei que a mensagem fosse clara: a IA só entrega valor quando deixar de ser tratada como uma tendência e passar a ser encarada como transformação estrutural.
Os quatro grandes obstáculos
De acordo com a experiência da EY com organizações públicas e privadas a nível global e em África, quatro grandes desafios continuam a marcar o percurso de adopção da IA:
- Qualidade e disponibilidade dos dados: a ausência de dados estruturados, actualizados e confiáveis limita a viabilidade técnica e o retorno dos projectos de IA;
- Escassez de talento especializado: o gap em competências de ciência de dados, engenharia de machine learning e gestão de produtos de IA é crítico e estrutural;
- Infra-estrutura tecnológica limitada: a falta de conectividade, o processamento local e as dificuldades na integração de sistemas legados com tecnologias de IA;
- Barreiras culturais, estratégicas e de governance: receio da substituição por máquinas, ausência de liderança digital clara e, questões éticas e receios de segurança de dados.
Estes desafios não são exclusivos de Angola, mas assumem contornos particulares num ecossistema em fase de consolidação digital e com infra-estruturas institucionais ainda em maturação.
O framework EY.ai: uma abordagem holística
A resposta a estes desafios não passa por soluções pontuais, mas por uma abordagem sistémica. O framework EY.ai que apresentei no referido evento, parte de três eixos fundamentais: Pessoas, Tecnologia e Negócio. A partir destes eixos, definimos seis pilares para adopção estruturada da IA:
- Governança e Estratégia de IA: como alinhar a IA com os objectivos estratégicos da organização;
- Governança e Estratégia de Dados: como estruturar e proteger os dados que alimentam a IA;
- Ética e Responsabilidade: como garantir transparência, inclusão e supervisão contínua;
- Capacitação e Literacia em IA: como preparar líderes e equipas para trabalhar com IA;
- Gestão de Casos de Uso: como priorizar aplicações com impacto real no negócio;
- novação com IA Lab: como criar espaços controlados de experimentação e co-criação.
Este modelo permite guiar a organização desde a fase de exploração até à consolidação da IA no seu modelo operacional, garantindo valor contínuo e mitigando riscos reputacionais, legais e sociais.
Da automação à transformação de mercado
Durante a apresentação, introduzi ainda uma breve perspectiva da matriz de valor da IA, que ajuda a distinguir quatro tipos de aplicação:
- Optimização: melhorias incrementais em processos existentes (ex.: automatização de tarefas administrativas);
- Inovação: novas abordagens em produtos, serviços ou experiências (ex.: chatbots de apoio ao cliente);
- Transformação: redefinição de modelos operacionais (ex.: manutenção preditiva ou gestão de risco baseada em IA);
- Criação de Mercado: disrupção total com novos modelos de negócio baseados em IA (ex.: plataformas de personalização em tempo real ou agentes digitais autónomos).
A maioria das organizações em Angola ainda se encontra entre a Optimização e a Unovação. A ambição deve ser criar as bases para avançar em direcção à Transformação — e, em certos casos, à Criação de (novo) Mercado, especialmente em sectores como finanças, saúde, logística e energia.
Um apelo à acção institucional e empresarial
Para que a IA cumpra o seu papel transformador em Angola, é essencial actuar em várias frentes:
- Desenvolver políticas públicas que incentivem a adopção responsável e a formação técnica;
- Criar incentivos à partilha e interoperabilidade de dados entre sectores;
- Estabelecer centros de excelência e IA Labs com parcerias entre governo, universidades e sector privado;
- Incluir a ética e a governança de IA nas discussões desde o início — e não como “remendo” posterior.
A EY acredita que o verdadeiro valor da IA não está em substituir o ser humano, mas sim em amplificar o seu potencial. As organizações que conseguirem alinhar pessoas, dados, tecnologia e propósito serão as que liderarão a próxima fase de crescimento — além do hype.