Durante décadas, o petróleo foi a força dominante da nossa economia. Mas no século XXI, é hora de uma nova liderança: aquela que transforma dados em decisões, eficiência em vantagem, e o sector de O&G no catalisador da revolução digital nacional. Se o petróleo moldou a Angola económica, a inteligência — artificial, colectiva e estratégica – poderá moldar a Angola digital. E é no upstream que esse futuro pode e deve começar.
Num contexto global de transição energética, pressão por produtividade e exigências ESG crescentes, a competitividade do upstream nacional já não depende apenas de geologia, produção ou logística. Depende da capacidade de integrar tecnologia, dados e talento num ecossistema inteligente. O sector não pode apenas adaptar-se à transformação digital inteligente – deve posicionar-se para liderá-la.
A inauguração do Africa Performance Center, pela SLB em Luanda, pode marcar um ponto de inflexão. É o primeiro centro no continente africano capaz de controlar remotamente operações de exploração e produção, utilizando inteligência artificial (IA) , IoT, automação e análise preditiva. Mais do que uma infra-estrutura, o centro simboliza a ambição de posicionar Angola como um polo tecnológico regional em energia.
No entanto, a tecnologia, por si só, não transforma. A verdadeira vantagem competitiva nasce da integração de dados, do alinhamento entre pessoas e sistemas e da capacidade de decidir com velocidade e precisão. Segundo a EY, até 35% das ineficiências no upstream resultam da fragmentação e má governança dos dados – sistemas isolados, formatos incompatíveis e ausência de cultura analítica impedem decisões críticas e comprometem resultados.
A inteligência artificial aplicada ao sector tem mostrado ganhos mensuráveis. A Petronas, por exemplo, usa IA e modelação de reservatórios digitais para prever a performance de campos offshore marginais na Malásia – aumentando o factor de recuperação em até 10% e reduzindo custos operacionais em 15%. A Equinor, no Mar do Norte, integrou sensores IoT com algoritmos preditivos para antecipar falhas em equipamentos críticos, reduzindo paragens não planeadas em 40%. E a TotalEnergies, em operações no Gabão, recorre a drones e IA para mapear emissões de metano e cumprir metas ambientais com maior precisão.
Estes exemplos são particularmente relevantes para Angola, onde a produção offshore domina a matriz do sector, e muitos blocos estão numa fase de maturidade adiantada. Mas modelos deste género exigem integração tecnológica, alinhamento institucional e normativo.
Mas temos observado avanços importantes. A ANPG utiliza ferramentas de tech-ecologia para monitorar derrames com relatórios georreferenciados em tempo real. E o recente acordo entre a Sonangol e o MIT abre espaço para que o sector nacional absorva know-how de ponta em inteligência artificial, modelação de dados e sistemas inteligentes aplicados à energia.
As oportunidades são claras:
- Redução de custos operacionais via automação e análise preditiva;
- Maior previsibilidade e rastreabilidade ambiental;
- Formação de talento digital local integrados em redes globais;
- Atracção de capital externo e serviços tecnológicos especializados.
Mas as ameaças também exigem atenção imediata. A digitalização amplia a exposição a riscos de cibersegurança. Um survey da EY (2023) revelou que mais de 60% das empresas do mercado angolano ainda não possuem planos robustos de resposta a incidentes. Num sector de infra-estrutura crítica, um ataque pode causar desde perdas financeiras até desastres ambientais.
Além disso, a fraca integração entre sistemas, operadores e reguladores limita a escalabilidade da inovação. Muitos players ainda operam com dados em silos, sem interoperabilidade ou governança clara – o que bloqueia os benefícios da inteligência artificial e mina a eficiência sistémica.
Mas Angola não parte do zero. O sector já conta com capacidade técnica, espírito de colaboração e crescente exposição a redes de inovação global. Para consolidar essa vantagem, dois vectores precisam de atenção imediata para em seguida nos projectarmos para todo o potencial da IA:
- Governação de dados: com interoperabilidade, padronização e uma cultura orientada a decisões baseadas em evidência;
- Resiliência digital: com ciberdefesa proactiva, simulações regulares e capacitação contínua.
Se o sector petrolífero liderar, os demais seguirão. No upstream existe escala, capital, talento técnico e urgência para demonstrar o que a transformação digital inteligente pode fazer por um país inteiro. IA, automação e integração de dados não serão evoluções marginais mas sim alicerces de um novo modelo de competitividade e soberania energética.
O petróleo do futuro será extraído da inteligência, não apenas do subsolo. A Angola 5.0 deve começar aqui: onde o país é mais forte, e onde o mundo começa a ver não só um produtor de energia, mas um arquitecto do seu próprio futuro digital.