Devem os sujeitos passivos atentar apenas no critério quantitativo dos € 10 000 000 para observar o ónus da preparação da documentação em matéria de preços de transferência?
Recentemente, com a publicação da Portaria n.º 268/2021 (“Portaria”), de 26 de novembro, foram introduzidas alterações significativas ao regime de Preços de Transferência o qual, tirando algumas alterações menos profundas – à exceção do acompanhamento permanente pela Unidade dos Grandes Contribuintes para as empresas assinaladas na lista dos Grandes Contribuintes - não assistia a uma alteração substancial desde a sua implementação, no final de 2001.
Uma das alterações que, ao abrigo da presente reflexão, interessa abordar, tem a ver com o ónus de preparação da documentação. A este título, a Portaria vem agora indicar que ficam dispensados da preparação de documentação respeitante à política adotada na determinação dos preços de transferência os sujeitos passivos que, no período a que respeita a obrigação, tenham atingido um montante total anual de rendimentos inferior a € 10 000 000. Adicionalmente, e como critério cumulativo, ainda que ultrapassado este limite, os sujeitos passivos estão dispensados da referida preparação caso a globalidade das suas operações intragrupo não exceda os € 500 000 e, por contraparte, os € 100 000.
Por comparação direta ao anterior regime, e até ao período fiscal de 2020, a obrigação de preparação verificava-se cumprida a partir do patamar de vendas líquidas e outros proveitos, no período anterior ao que respeita a obrigação, de € 3 000 000. Pragmaticamente, e atentando no denominador quantitativo desta nova Portaria, é legítimo afirmar que o pendor é, numa primeira linha interpretativa, de simplificação dos custos de contexto associados à preparação da documentação. Não obstante, e entendendo-se a necessidade de atualizar o volume de negócios definido em 2001 à realidade atual, vem a Portaria determinar que ainda que os sujeitos passivos estejam dispensados da preparação da documentação de preços de transferência nos moldes aí definidos, ficam sujeitos à comprovação de que os termos e condições praticados nas operações vinculadas estão conforme ao princípio de plena, sempre que o sujeito passivo seja notificado para o efeito.
A este título, e ainda que a narrativa desta Portaria nos encaminhe para uma abordagem potencialmente menos complexa, a discricionariedade associada à necessidade de preparação de um modelo de documentação (não concretizado nem estruturado de acordo com indicações específicas) apto a provar a paridade das operações com o princípio de plena concorrência, determina a necessidade de, casuisticamente e assumindo uma graduação interna do nível de risco a que o sujeito passivo possa estar exposto, este tenha de qualificar a sua exposição a um potencial pedido/notificação da Autoridade Tributária que, no cenário mais tradicional, ao abrigo n.º 2 do artigo 23.º do CPPT, presume um período de resposta de 10 dias.
Entende-se assim que a aparente simplificação do ónus que se impõe aos sujeitos passivos não deverá, em todo o caso, ser interpretada de forma cega atentando ao patamar quantitativo, mas, antes, observando os factos e circunstâncias inerentes às suas operações intragrupo e aos resultados que daí podem provir. Entre outros aspetos, à sua materialidade e à sua abrangência geográfica: operações domésticas versus transfronteiriças, existência de ajustamentos aos termos e condições das operações – nomeadamente a frequência com existem alterações aos pricings – que podem, consoante a natureza e dimensão, provocar, porventura, uma erosão da base tributável.
Não obstante o cariz de simplificação desta Portaria no plano das obrigações declarativas, verifica-se ainda assim e inerentemente, alguma incerteza interpretativa, a qual, ainda que transitória, deverá ser gerida de acordo com o conhecimento dos factos e circunstâncias que determinam, caso a caso, as práticas intragrupo de cada um dos Grupos Multinacionais.
Artigo escrito por Pedro Simões Pereira, Director EY, Tax Services