O Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) proferiu recentemente uma decisão no âmbito de um recurso interposto por um contribuinte, a qual vem uniformizar jurisprudência relativamente à aplicação da taxa reduzida de IVA (de 6%) a empreitadas de reabilitação urbana, ao abrigo da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA. Em concreto, o STA foi chamado a pronunciar-se sobre se a aplicação desta verba se basta com a realização de uma empreitada numa Área de Reabilitação Urbana (“ARU”) ou se é ainda necessário que para a ARU em que é executada a intervenção de reabilitação esteja em vigor uma Operação de Reabilitação Urbana (“ORU”).
Para melhor contextualização, uma ORU consiste num instrumento aprovado pelos Municípios que define a respetiva estratégia para as intervenções a promover na ARU a que respeite. A aprovação de uma ORU é da responsabilidade dos Municípios que, nos termos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, o podem fazer em simultâneo com a aprovação da ARU ou em momento posterior (dentro de um prazo de 3 anos, sob pena de caducar a ARU), havendo hoje um número muito significativo de ARU para as quais não foi ainda aprovada uma ORU.
O STA veio concluir que a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da referida verba 2.23 está reservada a “empreitadas de reabilitação urbana”, as quais só podem ser qualificadas como tal caso sejam realizadas não só dentro de uma ARU mas também no âmbito de uma ORU em vigor, dando assim razão àquele que tem sido o entendimento da Autoridade Tributária (“AT”) a este respeito.
Este tema tem vindo a ser o fundamento de um nível de litigância significativo entre a AT e os contribuintes, com uma parte significativa das decisões proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) a refletir uma interpretação da legislação aplicável em sentido contrário à agora sustentada pelo STA, o que faz com que esta decisão venha a ser recebida com perplexidade por parte dos intervenientes nestes processos.
De uma leitura integrada das normas aplicáveis, parece-nos que a decisão do STA encerra uma interpretação formalista e restritiva deste benefício fiscal, com um impacto que se antevê como muito negativo para a reabilitação do parque imobiliário do nosso território, bem como para a estabilização dos preços das casas no mercado da habitação. Com efeito, nos casos de empreitadas em que não possa aplicar-se a taxa reduzida de IVA e passe assim a ser ser sujeita à taxa de 23%, é expectável que o diferencial da tributação (de 17% pontos percentuais) venha a refletir-se integralmente no preço a que as habitações serão colocadas no mercado. Por outro lado, é expectável que se venha a verificar uma retração no desenvolvimento de projetos de reabilitação que fiquem agora excluídos do âmbito de aplicação da taxa reduzida, o que terá igualmente um efeito indesejado, na medida em que o aumento da oferta de habitação tem sido reclamado como uma das condições essenciais à estabilização dos preços no mercado habitacional.
Entendemos no entanto que este pode não ser um ponto final nesta discussão já longa. Com efeito, em termos do que se pode esperar quanto à forma de reação dos contribuintes aos impactos que esta decisão possa ter em processos judiciais e arbitrais em curso, parece-nos que o entendimento subscrito pelo STA poderá suscitar, para além do que já referimos, questões de constitucionalidade. De facto, não existindo qualquer referência à necessidade de aprovação de ORU no texto da verba 2.23, podemos estar, nomeadamente, perante a violação do princípio da legalidade tributária e da reserva de lei, ainda que o STA tenha procurado fazer uma interpretação sistemática e congregada do regime fiscal e do regime jurídico das empreitadas urbanas.
Assim, a reação a esta decisão pode passar pela apresentação de recurso para o Tribunal Constitucional, seja contra as próprias decisões arbitrais do CAAD que venham a seguir este entendimento agora sustentado pelo STA, seja contra decisões do próprio STA.
Por último, ressalvamos que a interpretação agora sustentada pelo STA respeita às regras aplicáveis antes da entrada em vigor do Programa Mais Habitação, designadamente a projetos relativamente aos quais tenham sido submetidos Pedidos de Informação Prévia ou de licenciamento antes de 7 de outubro de 2023. Com efeito, na medida em que o Programa Mais Habitação veio alterar a redação da já referida verba 2.23, no sentido de limitar a sua aplicação à “reabilitação de edifícios”, dela excluindo expressamente a construção nova, deixa de ser condição a verificação de uma empreitada de “reabilitação urbana” mas apenas uma empreitada de reabilitação de um edificado existente localizado numa ARU, sem que, aos olhos da AT, seja necessária a respetiva integração no âmbito de uma ORU em vigor.
Numa ótica preventiva, torna-se hoje ainda mais relevante uma análise prévia acerca da viabilidade da aplicação da taxa reduzida de IVA às empreitadas projetadas, tendo em consideração uma avaliação das diversas condicionantes potencialmente aplicáveis. Este exercício torna-se ainda mais premente quando estejam em causa projetos imobiliários relativamente aos quais o IVA não pode ser deduzido pelo promotor – designadamente, projetos de promoção de edifícios habitacionais – e em que este imposto se torna um custo efetivo do projeto.