3 minutos de leitura 14 jul 2022
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Family offices e criptoativos

por Pedro Paiva

Business Tax Services Leader, Ernst & Young Audit & Associados – SROC, S.A.

Consultor fiscal. Acredita no potencial de equipas que têm por base a confiança entre os seus membros. Casado e pai de dois filhos. Apaixonado por viagens.

3 minutos de leitura 14 jul 2022

Na sequência de diversos casos que têm vindo a ocorrer envolvendo criptomoedas, muitas famílias e family offices começaram a avaliar de uma forma mais rigorosa, para além das oportunidades, os diversos riscos que esta classe de ativos oferece.

Ao contrário do que se possa pensar, vários family offices têm tido uma relação bastante próxima e lucrativa com criptomoedas e estes ativos estão a tornar-se, cada vez mais, relevantes para os respetivos gestores. Vários inquéritos recentes, incluindo alguns efetuados pela EY, revelam que um número significativo de family offices pretende investir em criptomoedas, tendo em atenção um cenário de taxas de inflação mais elevadas, a necessidade de diversificação de investimentos num cenário económico de taxas de rentabilidade potencialmente mais baixas e a possibilidade de investir em modelos financeiros menos tradicionais.

No entanto, é importante salientar que os family offices são especialmente vulneráveis à fraude. O número crescente de pessoas e entidades envolvidas na criptoeconomia, bem como a respetiva estrutura descentralizada e pouco regulada, está a determinar novas oportunidades para diversos tipos de crime. Os family offices estão no topo da lista de alvos, uma vez que a natureza pública da tecnologia blockchain tem permitido aos criminosos identificar e focar os seus ataques, tendo por base o tamanho das carteiras (wallets) de criptoativos.  

Neste contexto, os family offices devem fazer, pelo menos anualmente, uma avaliação formal dos riscos associados à detenção de criptoativos para assegurar a existência de controlos adequados. É importante notar que uma avaliação de risco deve prestar igual atenção à fraude online e offline, uma vez que quaisquer lacunas ou deficiências nas infraestruturas de segurança online acabam por funcionar como uma porta de entrada para as formas tradicionais de fraude.

Apesar de uma menor regulamentação associada à criptoeconomia ter facilitado diversos casos de fraude, esse é um paradigma que começa a mudar, mas de uma forma que não é consistente nos diversos países. Os requisitos presentes em algumas jurisdições associados à regulamentação de branqueamento de capitais (AML) e Know Your Client (KYC), começam a colocar exigências administrativas pesadas aos family offices que detêm carteiras de criptoativos.  Alguns reguladores começam a pedir registos históricos cada vez mais detalhados sobre os criptoativos.

Existe uma ideia preconcebida entre os detentores daqueles ativos que os registos são armazenados na blockchain ou pelas corretoras e plataformas de troca de criptoativos. No entanto, estes registos, de facto, não existem, em muitos casos, ou são difíceis de obter e, por outro lado, o nível de segurança através da tecnologia blockchain não se tem revelado tão fiável quanto seria de esperar. Nesse sentido, e apesar de a regulamentação ter tendência a aumentar, o nível de risco subjacente continua a ser bastante elevado e há inconsistências significativas entre as diversas jurisdições.

Desta forma, os family offices que tenham este tipo de ativos devem estabelecer procedimentos de AML e KYC, de comprovação e documentação de históricos de transações, de prova de propriedade de criptoativos e de revisão da propriedade anterior desses ativos.

Por outro lado, a tributação das operações é atualmente um aspeto muito relevante a ter em conta na negociação de criptoativos, porque as regras fiscais variam significativamente em cada jurisdição. Assim, as carteiras de criptoativos, o mercado de troca, os servidores e o beneficiário efetivo, podem estar localizados em jurisdições diferentes e determinar factos tributários distintos. Por exemplo, em algumas jurisdições se um token representar um ativo subjacente, esse criptoativo está localizado, para efeitos fiscais, onde o ativo subjacente se encontra. Se não houver nenhum ativo subjacente, tendencialmente a tributação ocorrerá na residência fiscal do beneficiário efetivo. De um ponto de vista português, é importante, por exemplo, ter em atenção operações envolvendo regimes fiscais privilegiados que tendem a ter uma tributação e requisitos de documentação mais agravados. Desta forma, e como não existe um acordo comum sobre a tributação de criptoativos, a litigância, de um ponto de vista fiscal, tenderá a ser cada vez mais frequente.

Resumo

Os family offices investem cada vez mais em operações com criptoativos que, em última análise, não diferem das formas tradicionais de investimento na medida em que a assunção de maiores riscos determina rentabilidades potenciais mais elevadas.  No entanto, os family offices devem ter estratégias de mitigação desses riscos, designadamente no que respeita à prevenção da fraude, à organização do registo das operações e ao cumprimento de regras fiscais e regulatórias.

Sobre este artigo

por Pedro Paiva

Business Tax Services Leader, Ernst & Young Audit & Associados – SROC, S.A.

Consultor fiscal. Acredita no potencial de equipas que têm por base a confiança entre os seus membros. Casado e pai de dois filhos. Apaixonado por viagens.