Quando os cidadãos estão a dirigir a mobilidade, qual é o papel da cidade?

por George Atalla

EY Global Government & Public Sector Leader

Working with governments to address complex issues and build a better working world.

8 minutos de leitura 24 mar 2020

A mobilidade urbana está a transformar-se e, graças a megatendências como a digitalização e a urbanização, os cidadãos estão ao volante.

As redes de mobilidade urbana são, tradicionalmente, a força económica e social vital de uma cidade. Estes transportam milhões de pessoas para o trabalho, eventos sociais e eventos culturais. Transportam mercadorias e resíduos. E se forem rápidos, eficientes e acessíveis a todos, afetam positivamente a qualidade e a equidade da vida urbana.

À medida que as cidades crescem, aumentam também as necessidades e expetativas dos seus habitantes – e as redes e infraestruturas de mobilidade estão a debater-se para tentar acompanhar este crescimento. Como resultado, as pessoas que vivem na periferia das cidades poderão não ter acesso às mesmas oportunidades económicas que as pessoas que vivem no centro. E os sistemas de mobilidade estão a tornar-se mais um custo que um benefício.

Por todo o mundo, as cidades estão a enfrentar este desafio. Carros e autocarros a diesel estão a dar lugar a veículos autónomos e scooters conectados. E transportes públicos como os elétricos ou serviços de ride sharing estão a começar a melhorar os serviços de mobilidade nas áreas periféricas. 

As cidades têm de fazer muito mais para poderem oferecer mobilidade adequada às próximas décadas.

Mas estas melhorias não são suficientes para atender à procura. As cidades têm de fazer muito mais para poderem oferecer mobilidade adequada às próximas décadas.

Forças que moldam a mobilidade urbana

Existem quatro fatores que estão a impulsionar a revolução da mobilidade nas cidades – e a aumentar as expetativas dos seus cidadãos.

1. A evolução de megacidades e das mega regiões

Em 1950, haviam duas cidades no mundo com mais de 10 milhões de pessoas. Segundo as estimativas, até 2030, haverá 53.

Estas megacidades estão também a fundir-se em mega regiões. A região Pearl River Delta na China (região que inclui Hong Kong-Shenzhen-Guangzhou) tem uma população total de 120 milhões de pessoas. E cidades como Tóquio, Istambul, São Paulo, Nova Deli e Nova Iorque são as âncoras de mega regiões com populações na casa das dezenas de milhões.

Este crescimento traz desafios como a expansão urbana. As áreas periféricas tendem a ser mais baratas, como tal, as pessoas que aí residem tendem a ter rendimentos mais baixos. Porém, o transporte limitado pode dificultar o acesso a empregos nos centros das cidades – aumentando assim a desigualdade nos rendimentos. No entanto, mais pessoas também significa mais transportes e mais poluição, fator que torna as cidades menos habitáveis.

2. Conectividade digital

Tecnologias como o 4G e a Internet das Coisas trouxeram uma enorme mudança na forma como movemos pessoas, bens, recursos e conhecimentos. Como resultado, a conectividade digital agora sustenta as cidades – e o seu papel só poderá aumentar.

A próxima fase nesta evolução envolverá redes 5G, inteligência artificial e telemática (dados de geolocalização e tracking de veículos). Estes irão originar veículos autónomos conectados e logística suportada por drones, todos apoiados por infraestruturas conectadas e inteligentes. Algumas cidades já fazem parte deste projeto, tais como Xangai, uma das primeiras a usar o 5G na sua rede de veículos inteligentes, que cobrirá 100 quilómetros até 2020.

Esta hiper-conectividade irá permitir que os residentes se desloquem sem interrupções pela cidade (assumindo que todos conseguem aceder às novas redes).

3. O impulso para nos tornarmos sustentáveis

As cidades consomem mais de dois terços da energia do mundo e representam mais de 70% das emissões globais de CO2. E, à medida que a população aumenta, também estes números aumentam.

As mudanças climáticas também estão a tornar as cidades cada vez mais vulneráveis a fortes choques, como terremotos e cheias. Tanto presidentes de Câmaras como outros executivos das cidades estão a responder a estas ameaças, juntamente com os acordos globais sobre clima e desenvolvimento, dando prioridade à mobilidade nos seus planos de sustentabilidade.

As cidades também estão a adotar metas de neutralidade de carbono e de energias renováveis. Copenhaga está a caminho de ser a primeira capital neutra em carbono até 2025, por exemplo. Para consegui-lo, a capital dinamarquesa implementou uma combinação de iniciativas de mobilidade, incluindo transporte público neutro em carbono e infraestruturas para micro-mobilidade. (por exemplo, scooters e bicicletas.)

4. Veículos verdes, conectados, partilhados e autónomos

Carros e autocarros movidos a gasolina ou diesel têm sido tradicionalmente o pilar da mobilidade urbana. Mas a inovação tecnológica, as mudanças climáticas, e as preferências dos consumidores trouxeram veículos e autocarros elétricos com baixas emissões de carbono ao mercado de massas. (Presidentes de Câmara de 26 grandes cidades comprometeram-se a adquirir comprar e operar frotas de autocarros com zero emissões a partir de 2025, por exemplo.)

Veículos elétricos autónomos conectados também estão no horizonte. Em setembro de 2018, 46 organizações estavam a desenvolver veículos autónomos. E a economia de partilha, a micro-mobilidade e os novos modelos de negócios para seguros permitiram que as pessoas abandonassem os seus carros pela procura de alternativas confiáveis. Estas mudanças podem levar a um futuro com poucos ou nenhuns carros, onde os transeuntes recuperam os centros das cidades e os espaços de estacionamento se tornam espaços para a comunidade.

O mobility-as-a-service (MaaS) está a emergir como abordagem principal

A abordagem mobility-as-a-Service (MaaS) permite que os cidadãos analisem e escolham qualquer uma das combinações de opções disponíveis on-demand, incluindo ride-sharing, ride-hailing e micro-mobilidade.

Helsínquia elevou a fasquia. Para ajudar a tornar os carros particulares obsoletos até 2025, a capital finlandesa integrou todas as suas opções de transporte, incluindo táxis, bicicletas e aluguer de carros, num único serviço MaaS. Assim, além de poder observar as opções disponíveis, os cidadãos podem também fazer reservas e pagamentos através da aplicação móvel Whim.

As cidades estão também a utilizar tecnologias MaaS para fornecer acesso a oportunidades económicas. Em Los Angeles, nos EUA, o Metro fez uma parceria com a Via para oferecer a cidadãos e idosos de baixo rendimento acessos acessíveis às três principais estações. Estes acedem ao serviço subsidiado de partilha de boleias através de uma aplicação ou utilizando um cartão recarregável grátis caso não tenham telefone.

Quatro formas como as cidades podem mudar para a mobilidade da próxima geração

De forma a enfrentarem as forças que moldam a mobilidade urbana, acreditamos que os líderes devem fazer quatro coisas.

1. Melhorar o acesso e a experiência do cidadão para todos

As cidades precisam que a mobilidade funcione para oferecerem o máximo valor aos seus cidadãos. Como as tecnologias digitais frequentemente reduzem os custos, este valor assume cada vez mais a forma de uma experiência do cidadão ótima.

Para o conseguir, as cidades têm de oferecer aos seus cidadãos um conjunto de opções rápidas, seguras, sustentáveis e personalizadas. Estas precisam também de expandir o acesso para que pessoas marginalizadas ou com baixo rendimento, e idosos possam aceder a empregos, educação e atividades.  

Sydney, na Austrália, reinventou a experiência de trânsito para os passageiros, oferecendo informações em tempo real e utilizando análises para melhorar o seu desempenho. A cidade também usou a economia comportamental para melhorar a experiência do cidadão – permitindo, por exemplo, que os passageiros façam pagamentos através de uma aplicação nos seus smartphones. E na Indonésia, Jacarta usa dados e análises em tempo real dos seus sistemas de trânsito de autocarros rápidos, o TransJakarta, para descobrir quais as rotas mais eficientes. Assim, utilizam esta informação para melhorar o desempenho e a satisfação dos seus passageiros.

Entretanto, na cidade de Medellín, na Colômbia, foram construídas linhas para elétricos de forma a conectar as favelas nos morros a empregos no centro da cidade. O sistema de elétricos está integrado com outros modos de transporte, incluindo linhas de metro, sistema de metropolitano ligeiro e autocarros.

Uma ideia outrora radical – sistemas de tarifas gratuitas ou reduzidas – também se está a tornar mais comum. A capital da Estónia, Tallinn, é a maior cidade do mundo a ter um sistema de tráfego totalmente gratuito.

2. Regulamentar sem prejudicar a inovação

Sistemas modernos de mobilidade urbana envolvem muitos operadores diferentes, públicos e privados. Para aproveitar ao máximo as opções disponíveis, as cidades precisam de uma estrutura governamental e regulação que lhes permita desenvolver e manobrar novos modelos de negócios e modos de transporte promissores. Tudo isso enquanto se garante a segurança pública. Os primeiros anos de partilha de viagens também lhes ensinaram a necessidade de desenvolver uma regulamentação proativa, e não reativa. Isto significa disponibilizar "sandboxes" reguladoras: regras flexíveis que evoluem ao longo do tempo para ajudar no desenvolvimento de novos empreendimentos.

Um exemplo de como a regulamentação pode funcionar é a Greater Washington DC Partnership nos EUA, na qual os líderes empresariais desenvolveram uma framework regulatória baseada no desempenho. Isto incentiva os participantes na gestão de dados e integração de boas práticas e padrões comuns de mobilidade. Pode não ser a solução completa, mas é um passo em direção à regulamentação sensata que ainda deixa espaço para a inovação.

3. Estabelecer uma parceria com o setor privado no desenvolvimento da próxima geração de sistemas de mobilidade

De autocarros conectados a veículos autónomos, as novas opções de mobilidade estão sempre a surgir. E nenhuma entidade, seja o Governo, empresa ou operador de transportes, será capaz de fazê-lo sozinho.

As cidades precisam de trabalhar lado a lado com o setor privado para explorarem e desenvolverem estas opções. No Reino Unido, a Transport for London fez uma parceria com a Bosch para executar um piloto de mobilidade de 18 meses. Projeto este que combina dados e conhecimento técnico para ajudar pequenas empresas e start-ups a desenvolver soluções inovadoras de transporte para a região.

Por fim, o papel da cidade irá alterar do modelo tradicional de "comando e controlo", em que responsabilidade da cidade incluía o planeamento, financiamento e operação. Em vez disso, o papel da cidade será o de um gestor de operações, focado na concorrência, tecnologia, regulamentação e no estabelecimento de padrões. Em resposta a esta mudança, cidades como Los Angeles, Munique e Estocolmo estão a utilizar laboratórios de mobilidade para testar novas formas de desenvolver e gerir a mobilidade urbana.

4. Integrar a mobilidade em políticas urbanas mais amplas

As recentes manifestações em Paris provaram que a mobilidade não existe no vácuo. O Governo tinha como objetivo louvável – incentivar as pessoas a afastarem-se da utilização de transportes privados, aumentando os impostos sobre o diesel e as emissões de carbono. Mas não teve em conta o impacto que esta política teria sobre as pessoas.

Para evitar este tipo de cenário, as cidades precisam de coordenar a mobilidade com outras abordagens políticas, incluindo crescimento inclusivo, sustentabilidade, mercado laboral, e habitação. E precisam de garantir que estas políticas são socialmente fundamentadas e inclusivas.

Isto significa determinar o esquema de financiamento destas e que impacto poderá ter. Significa ainda definição e medição de resultados. Por exemplo, Bogotá, Joanesburgo e dezenas de outras cidades lançaram planos de sustentabilidade que alinham a redução de emissões de transportes com outras prioridades da cidade.

Uma escolha inteligente para o futuro

As cidades precisam de iniciativas fortes em mobilidade para superarem os desafios que enfrentam. Mas também precisam deles para evitar piorar uma situação já difícil. Por exemplo, a incapacidade de enfrentar as “zonas mortas” dos transportes, à medida que a cidade cresce, irá aumentar os níveis de desigualdade.

Por outro lado, as cidades que seguem o conselho acima terão mais hipóteses de responder à procura por mobilidade de uma forma sustentável e escalável. O que significa que estes podem crescer de uma forma que inclua todos – tornando-se mais atraentes para cidadãos, investidores e negócios.

Felizmente, existem muitas novas tecnologias que podem ajudar. Para desbloquear o seu poder, as cidades precisam de experimentar o novo enquanto gerem o antigo. E precisam de passar do planeamento e fornecimento de serviços para a criação de um ecossistema no qual a mobilidade inteligente e inclusiva possa prosperar.

As cidades que continuam a evoluir este papel vão manter as suas populações em movimento – e enfrentarão um dos maiores desafios urbanos do século XXI.

Resumo

As redes de mobilidade urbana estão a lutar para acompanhar o crescente número de utilizadores – e o tipo de serviço que estas esperam. Para enfrentar estes desafios, as cidades precisam de desenvolver o seu papel e prepararem-se para um futuro complexo. 

Sobre este artigo

por George Atalla

EY Global Government & Public Sector Leader

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