Transcrição do podcast EY Talk the Tax - Episódio 11 – Preços de Transferência

Aproximadamente 7 minutos de leitura | 28 de fevereiro de 2022

Introdução

Olá, seja bem-vindo ao EY Talk The Tax, um podcast do Jornal Económico em parceria com a EY, onde temos ao longo dos últimos episódios explorado os principais temas de fiscalidade que marcaram e que continuarão a marcar a atualidade, com a ajuda de várias figuras da EY Portugal.

Neste último episódio do EY Talk the Tax, encerramos a primeira temporada a falar de preços de transferência. Temos connosco Nelson Pereira, Associate Partner da EY, International Tax & Transaction Services.

Moderador

Nelson, muito bem-vindo ao Jornal Económico e obrigado por se juntar a nós.

Esta área dos preços de transferência continua conotada como uma das áreas de maior risco fiscal. A legislação portuguesa foi recentemente alterada, quais é que foram os objetivos que nortearam estas revisões ao regime dos preços de transferência?

Nelson Pereira

Antes de mais, obrigado pela oportunidade de estar aqui a falar convosco sobre este tema.

De facto, foram publicadas recentemente duas portarias que procedem à revisão da regulamentação dos acordos prévios sobre os preços de transferência (APPTs) e da regulamentação geral desta matéria. Estas portarias revogam as anteriores e introduzem alterações importantes, tendo em conta as alterações na legislação interna, os desenvolvimentos internacionais ao nível da OCDE e do Fórum Conjunto sobre os Preços de Transferência da União Europeia e, como seria de esperar, a experiência adquirida com a aplicação do princípio de plena concorrência. Se por um lado estas revisões acompanham as alterações e desenvolvimentos referidos, parecem também ter como objetivos principais a simplificação, a oferta de mais proteção jurídica aos contribuintes e claro, o combate à evasão fiscal.

Moderador

Nelson, das alterações ao regime dos acordos prévios sobre preços de transferência quais é que gostaria de destacar?

Nelson Pereira

Mais de 10 anos depois de termos acolhidos a nossa legislação com esse instrumento, que no fundo visa proporcionar às empresas uma base de segurança jurídica e de certeza, foi importante não só acompanhar as alterações já introduzidas no Código de IRC como também proceder à clara definição das várias fases do processo da sua celebração. Eu destacaria como uma das principais novidades passar a existir a possibilidade de APPTs abrangerem períodos tributação anteriores – passam a ser assim não tão prévios quanto isso. Ou seja, quando digo períodos de tributação anteriores são aqueles períodos que já tenha sido entregue a declaração de rendimentos da Modelo 22, isto desde que os factos e as circunstâncias concretas e relevantes desses períodos sejam idênticos ou similares e, à data de celebração do acordo, não tenham decorrido mais de dois anos após o prazo previsto para a respetiva entrega. Tendo em conta a recente evolução positiva verificada na utilização neste tipo de instrumento em Portugal, em conjunto com a intenção por parte da Autoridade Tributária (AT) em intensificar a sua utilização, é no mínimo positivo que esta possibilidade esteja agora prevista na legislação portuguesa. 

Moderador

Adivinham-se melhorias nestes processos?

Nelson Pereira

Sem dúvida.

Moderador

Quais é que são as principais novidades quanto à regulamentação geral desta matéria dos preços de transferência?

Nelson Pereira

Existiram modificações substanciais à regulamentação geral desta matéria. Para além de acompanhar as alterações já introduzidas ao código de IRC, esta revisão acolhe os desenvolvimentos recentes dos trabalhos da OCDE nas várias vertentes deste domínio, nomeadamente a delineação das operações vinculadas, o conceito, termos e condições, a seleção e aplicação dos métodos de preços de transferência, a análise de comparabilidade e também, e muito relevante, a previsão de regras específicas para algumas operações que envolvam intangíveis de reestruturação. Ao mesmo tempo, a nova portaria recomenda e reitera de forma expressa a utilização das várias orientações nesta matéria, por exemplo no que respeita às operações financeiras, à imputação de lucros a estabelecimentos estáveis, etc.

Relativamente às obrigações de documentação dos preços de transferência destacam-se as três principais alterações que são: a revisão dos critérios de dispensa de organização de documentação de preços de transferência, a reestruturação da documentação dos preços de transferência e a densificação dos requisitos de documentação associados a acordos partidos de custos e acordos de prestação de serviços intra grupo. 

Quanto à revisão dos critérios de dispensa, a partir do período de tributação de 2021 passa a existir um duplo critério, isto é, o montante anual de rendimentos, e cumulativamente, os montantes das operações vinculadas dos sujeitos passivos – são dispensados os sujeitos passivos que registem um montante total de rendimentos inferior a 10 milhões quando na regulamentação anterior eram 3 milhões e isto no período a que se refere a obrigação em vez do período de tributação anterior conforme portaria anterior. Ainda que ultrapassado este limite, aplicar-se-á a dispensa as operações vinculadas a um montante inferior a 100.000€ por contraparte, e na sua globalidade de 500.000€. Note-se que para os períodos de tributação anteriores a 2021 aplicam-se as regras anteriores, nomeadamente o critério de 3 milhões de euros.

No que se refere à reestruturação da documentação dos preços de transferência são criados dois modelos de documentação distintos: o standard e o simplificado. O modelo standard inclui um dossier principal chamado master file e um dossier específico chamado local file. No fundo, adota a estrutura de documentação de preços de transferência prevista na ação 13 do BEPS. O dossier simplificado é como que uma medida de simplificação da documentação para as pequenas e médias empresas: simplificadas pelo decreto-lei e estando sujeitas também a alguns requisitos.

Moderador

Porque este também é um processo envolto em grande burocracia não?

Nelson Pereira

Sim. De facto, envolve a preparação de muita documentação e isso inclusivamente está mais claro nesta última alteração que eu queria destacar que é a densificação dos requisitos de documentação associados a duas figuras: os acordos partidos de custos e os acordos de prestação de serviços. São elencados em anexos específicos da portaria os requisitos extensivos relativamente a essas duas figuras.

Moderador

Nelson, porque é que acha que a área dos preços de transferência continua conotada como uma das maiores de risco fiscal?

Nelson Pereira

Como referi anteriormente, existiram modificações substanciais desta regulamentação dos preços de transferência e noto que fiz aqui apenas um enquadramento sucinto de algumas dessas alterações sem entrar em detalhe, mesmo que para isso acho que seriam precisos mais podcasts. O que importa aqui reter é que o regime português dos preços de transferência atingiu agora uma nova fase de maturidade. Depois da implementação da obrigatoriedade de entrega da documentação à AT por parte de alguns sujeitos passivos, da introdução de coimas específicas, as mais recentes alterações legislativas e o amplo alinhamento que os desenvolvimentos internacionais denotam que a AT reserva particular atenção a esta temática, ou não fosse esta de resto, como disse e bem, uma das áreas de maior risco fiscal, mas não só: permite antecipar o aumento do escrutínio de temas de preços de transferência e agora respaldar uma regulamentação que deixou de ser eminentemente teórica para passar a ser específica, detalhada e com aplicação prática. Uma importante novidade importante a este respeito é a determinação da mediana como valor de referência no âmbito de potenciais ajustamentos a serem efetuados pela AT. Diria que a aplicação destas medidas deverá ser incentivo suficiente para as empresas se prepararem de forma apropriada agora não apenas, mas também, numa perspetiva de compliance mas sobretudo antes sequer de realizarem quaisquer transações intra grupo. 

Apesar de ainda permanecerem algumas interrogações no ar quanto a alguns aspetos concretos, esta é a altura de adotar as melhores práticas em matérias de preços de transferência. Adicionalmente, e tendo em conta que se aproxima a passos largos o prazo para a preparação para alguns contribuintes e para a entrega para outros da documentação de preços de transferência, em que esta já está abrangida pela nova regulamentação, os contribuintes devem desde já preparar-se através de uma análise cuidada e transversal da sua situação em termos de preços de transferência.

Moderador

E tendo em conta todo este enquadramento que nos esteve a contar, que recomendações é que gostaria de fazer a este respeito? Estamos em 2022, esta legislação foi recentemente alterada… há possibilidade de, por exemplo, de virmos a assistir a uma revisão destes estatutos ao longo deste ano ou no próximo?

Nelson Pereira

O que terá de existir é uma clarificação de alguns temas que ainda estão em aberto. Nós também estamos a avaliar esta legislação e existem alguns pontos em aberto, mas acaba por ser necessário que os contribuintes se preparem e adotem as melhores práticas nesta matéria porque só assim é que estarão preparados. Mais do que pensar nisto de uma perspetiva de compliance, importa ter sempre presente que antes dos contribuintes entrarem numa nova transação intra grupo, convém refletir o que há a fazer tendo em conta as ditas melhores práticas.

Moderador

Nelson Pereira, muito obrigado por se ter juntado a nós. Chegámos ao fim deste episódio e desta temporada do EY Talk the Tax. Obrigado a si que nos ouve e por ter estado desse lado ao longo destes meses. Pode sempre ouvir novamente e sempre que quiser na sua app de podcasts preferida e, claro, no Jornal Económico ou no EasyTax. Fique bem e até a uma próxima.