Transcrição do podcast EY Talk the Tax - Episódio 8 – IVA na Hotelaria

Aproximadamente 9 minutos de leitura | 07 de fevereiro de 2022

Introdução

Olá, seja bem-vindo ao EY Talk The Tax, um podcast do Jornal Económico em parceria com a EY. Ao longo deste e dos próximos episódios vamos continuar a explorar os principais temas de fiscalidade que marcaram e continuarão a marcar a atualidade, com a ajuda de várias figuras da EY Portugal.

Para que não perca nenhum episódio no futuro, pode já hoje subscrever o EY Talk The Tax no Spotify, ou na Apple Podcasts – e, claro, poderá sempre ouvir os episódios no EasyTax e no Jornal Económico.

Moderador

Neste episódio vamos falar do IVA na hotelaria e na restauração e para isso temos connosco Amilcar Nunes, Associate Partner, Indirect Tax da EY.

Amilcar, bem-vindo e obrigado por se juntar a este podcast. Gostaria de começar por falar sobre a taxa intermédia. Faz ou não faz sentido?

Amilcar Nunes

Bom dia João, obrigada pelo convite. A taxa intermédia na hotelaria e na restauração faz sentido. A taxa de IVA aplicável ao setor de serviços de restauração até 2011 era de 13%, ou seja, apenas com o início do processo de ajustamento da troika é que tivemos de passar essa taxa de 13% para 23%, sendo que depois só em 2016 se voltou a reduzir a taxa dos 23% para os 13%, numa lógica de monitorização por parte de um grupo de trabalho que foi criado para acompanhar o setor relativamente à criação de emprego. A redução da taxa faz todo o sentido até porque estamos a falar de um setor de mão de obra intensiva. E foi precisamente para estes setores que o legislador comunitário previu a aplicação de taxas reduzidas ou intermédias sobre o Imposto de Valor Acrescentado (IVA). 

Moderador

E foi útil nesta fase de pandemia ou não?

Amilcar Nunes

Sem dúvida. Repare, nós não temos uma taxa intermédia aplicável a todo o enquadramento de serviços de alimentação e bebidas. Em 2016, passámos novamente a aplicar a taxa de 13%, mas excluindo as bebidas que também são servidas no âmbito da alimentação e prestação de serviços. Temos toda aqui uma fileira agroindustrial que deixa de poder aproveitar deste desagravamento de fiscalidade indireta.

Moderador

Amilcar, estamos numa fase de composição de um novo Governo. Quais são as suas expetativas para um novo Orçamento do Estado (OE)? Acha que vão ser introduzidas alterações nesta matéria?

Amilcar Nunes

É uma excelente pergunta até porque para lhe responder vou dar um passo ligeiramente atrás. Se aplicarmos uma taxa que não uma taxa intermédia ou reduzida a um setor de mão de obra intensiva, estamos a privilegiar uma lógica de arrecadação fiscal de receita e não um desagravamento legítimo daquilo que é a aplicação de uma taxa de imposto num setor de mão de mão de obra intensiva, ou seja, em que o custo associado à prestação de serviços é muito alto e para tal, não encarecer a prestação de serviços final ao consumidor aplica-se uma taxa intermédia ou reduzida. Na medida em que possa haver um enquadramento naquilo que é o anexo 3 da diretiva de IVA, a taxa intermédia neste tipo de setores faz todo o sentido e tem todo o interesse.

Para lhe responder à sua questão, até 2021 – até à Lei do OE para 2021 - tínhamos uma alteração legislativa em sede de orçamento que permitia ao Executivo legislar no sentido de enquadrar parte das bebidas no âmbito da prestação de serviços de alimentação e bebidas como sendo sujeita à taxa intermédia. É expectável que não só voltasse essa alteração legislativa como também fosse prevista em sede do OE para 2022 já uma redução da taxa, até por força daquilo que tem sido a posição dos vários setores de hotelaria e da restauração no âmbito do impacto nos seus associados em contexto de pandemia.

Moderador

Esse impacto fez-se sentir e podemos dizer que foi um dos setores mais afetados por esta crise pandémica que se arrasta há quase dois anos. Acha que faria sentido uma taxa mínima? E de que forma é que essa podia ser essencial para a recuperação?

Amilcar Nunes

Sem dúvida, João. Uma taxa mínima naquilo que era a taxa aplicável para a realidade do setor pré troika, ou seja, uma taxa intermédia ou reduzida que fosse aplicável à generalidade da prestação de serviços e das entregas de bens e não apenas de forma compartimentada nalguns serviços ou bens. De acordo com dados da ARESP e do INE em termos dos inquéritos rápidos às empresas, estima-se que em 2021 vão encerrar entre 30% a 35%/36% dos cerca de 90.000 estabelecimentos do setor do alojamento.

A recuperação do setor tem de se fazer por duas vias: pelo aumento do rendimento disponível das famílias para consumir serviços de hotelaria e restauração; e pela recuperação e aumento dos fluxos turísticos. Enquanto uma e outra não recuperam, temos de conseguir desagravar a carga fiscal junto dos operadores, nomeadamente no que diz respeito ao IVA. 

Moderador

Como é que se avaliam estas questões quando essas duas variáveis da equação estão sujeitas a uma enorme incerteza?

Amilcar Nunes

Costumo dizer que a fiscalidade tem de acompanhar a economia e não o contrário, isto é, os negócios não podem correr atrás da fiscalidade. Neste momento, em termos daquilo que é a possibilidade de fixação de taxas de IVA sobre um cabaz de determinados bens e serviços, o legislador tem muita flexibilidade de manobra para utilizar a fiscalidade como instrumento de resiliência e de combate a estes efeitos negativos da pandemia.

Moderador

Essa flexibilidade de que fala ficou um pouco constrangida no ano passado quando o OE acaba por ser chumbado, o que levou à dissolvência do parlamento. Afinal o legislador também tem as mãos e os pés atados na hora de decidir fiscalidade. O que é que aconteceu neste setor especificamente que o Amilcar está focado com esse chumbo do OE?

Amilcar Nunes

Também me recordo que o diploma que não foi aprovado também continua nenhuma norma de redução de taxa de IVA na restauração. Portanto, é um alívio que se faz por outra via nomeadamente no âmbito de políticas que já estão previstas no PRR ou em programas de apoio ao setor da restauração. 

Moderador

E um alívio temporário no IVA para ajudar à recuperação deste setor? Fale-me desse alívio temporário, se é que ele pode existir ou se é que já existe.

Amilcar Nunes

Ao nível da restauração e da hotelaria temos um problema muito grande relativo à diferença das taxas. Geralmente a fiscalidade indireta que incide sobre os inputs (i.e., a aquisições de bens e serviços) são sujeitos a taxas intermédias ou reduzidas, mas depois os outputs (i.e. a prestação do serviço em si ao consumidor final) estão sujeitos a taxa intermédia ou normal. Desta forma, gera-se uma arbitragem de taxa que tem reflexos naquilo que é a repercussão económica e fiscal do encargo associado ao imposto. Muitas vezes os operadores para não aumentar o preço de venda ao público de um serviço de restauração de alimentação e bebidas, internalizam, de forma parcial ou total, esse aumento da carga tributária. A evidencia empírica tem demonstrado que essa internalização da carga fiscal ultrapassa muitas vezes o valor acrescentado gerado naquela prestação de bens ou serviços. Este tema da arbitragem fiscal entre taxas tem de ser visto com muita cautela. Aqui um alívio temporário passaria, sem dúvida, por esta redução de taxa.

Moderador

Uma das medidas mais faladas talvez do ano passado, no âmbito do IVA e relacionado com a restauração e hotelaria, foi a questão do IVAucher mas uma medida que beneficiou talvez mais os consumidores do que propriamente os comerciantes, não?

Amilcar Nunes

Sou uma pessoa cética desde a origem do programa por um simples motivo: sempre achei que a dotação orçamental, 200 milhões de euros associados ao programa, ficariam aquém daquilo que seria necessário para revitalizar o setor. Esse valor a dividir pela quantidade de agregados familiares que existem em Portugal daria uma quantia a rondar os 50€ por agregado familiar. Seria uma “mini bazuca” ou um programa com um alcance muito limitado para a dinamização do setor.

Moderador

Até porque aquilo que vimos na prática, houve muitos comerciantes que não aderiram ao programa porque não havia um benefício imediato nem a longo prazo nas suas contas.

Amilcar Nunes
Esta questão do IVAucher, os consumidores têm de gastar para depois usufruir. Esta situação também impacta em termos daquilo que é a despesa pública e aquilo que está consagrado em termos de rubricas no OE, portanto também tem outros contornos.
Moderador

É quase como uma política fiscal inversa: primeiro gasta-se para depois se ter.

Amilcar Nunes

Mas também faz recurso aquela técnica legislativa: se o contribuinte quer ter um benefício primeiro tem de pagar. E muitas vezes a mecânica associada ao benefício faz com que o contribuinte também não queira usufruir.

No caso dos restaurantes, foi talvez o exemplo mais paradigmático, porventura por terem que disponibilizar muita informação relativamente à adesão do programa terá sido, eventualmente, um fator dissuasor de utilização.

Moderador

Até porque houve questões em torno deste programa que fizeram “torcer alguns narizes”, nomeadamente a entidade que esteve a cargo deste programa e os diversos erros de cibersegurança que depois foram associados à mesma.

Voltando ao tema do IVA, quais é que serão os efeitos se a taxa se mantiver inalterada?

Amilcar Nunes

A fazer a fé aquilo que são as projeções das associações do setor, ou seja, não acontecendo nada em termos de taxa, eventualmente irão encerrar mais estabelecimentos da hotelaria e restauração.

Moderador

Mais ainda do que aqueles que se prevê?

Amilcar Nunes

Se vão encerrar mais ou menos não lhe sei dizer… Isto se encerrarem. Uma coisa é certa: se não houver qualquer tipo de incentivo ou de estímulo, os operadores vão reduzir a capacidade instalada e a qualidade do serviço – sendo que estas duas variáveis são fundamentais para uma retoma sustentável quer dos fluxos turísticos quer do aumento do rendimento disponível das famílias. Por isso, é urgente trabalhar neste sentido.

Moderador

Vamos ver como é que corre 2022…

Amilcar Nunes, muito obrigado por se ter juntado a nós. Este foi o oitavo episódio do EY Talk the Tax. Obrigado por ter estado desse lado e já sabe: guarde o EY Talk The Tax na sua app de podcasts para que seja notificado sempre que sair um novo episódio. Não perca.