As empresas de serviços públicos do Médio Oriente vão reagir à disrupção ou ajudar a criá-la?

por Serge Colle

EY Global Power & Utilities Leader

Global energy advisor. Connecting clients with EY services, assets and experience.

9 minutos de leitura 1 jul 2019

Consumo crescente, preços de petróleo voláteis e renováveis estão a impulsionar a transição do carbono para as energias limpas. Eis como as empresas de serviços públicos podem preparar-se para agir.

Estão a ocorrer profundas mudanças no setor da energia do Médio Oriente. Na verdade, a EY e uma instituição global de análise identificaram três pontos críticos no momento da viragem total.

Estes pontos de viragem marcam uma viragem radical, para longe do tradicional status quo deste setor. Nos seis países da Cooperação na Costa do Golfo (GCC) — Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrain e Omã — a eletricidade barata é considerada quase como um direito nato e o consumo per capita de eletricidade foi um dos mais elevados do mundo. O consumo de energia per capita no Qatar é quatro vezes superior ao do Reino Unido e 20 vezes ao da Índia, por exemplo.

Impulsionadores da mudança

Mas afinal o que está a impulsionar esta mudança? Cinco principais fatores estão a reconfigurar as bases do setor energético da GCC:

  • O consumo de energia cresce paralelamente com o crescimento da população, os rendimentos crescem, a industrialização e a urbanização crescem, e as centrais de dessalinização de água contribuem para o aumento do uso da eletricidade. O consumo de eletricidade em toda a GCC tem registado um aumento de 5% ao ano desde 2000 e continuará a aumentar a uma média de 2,1% entre 2015 e 2050.1
  • Os preços do petróleo são voláteis mas, apesar da recente melhoria nos preços do crude, os preços estão longe dos picos antes atingidos. Isto representa uma pressão sobre as receitas dos governos e está a instar os líderes de toda a região a reavaliarem o equilíbrio entre consumo interno de crude e a afetação de recursos para uma exportação rentável. Estamos também a testemunhar níveis sem precedentes de investimento em produtos petrolíferos de valor acrescentado, tais como petroquímicos, plásticos, petróleo e gasóleo.
  • A produção dispendiosa de gás na região e a incerteza quanto ao timing e aos volumes encorajam um consumo maior de crude e combustíveis líquidos na geração de energia. Um maior uso de renováveis de baixo custo reduzirá, no entanto, a necessidade de combustíveis dispendiosos na geração de energia e aumenta a capacidade de produção de petróleo para a exportação.
  • Os custos das energias renováveis baixaram nos últimos anos e o potencial solar abundante da região tornou o custo da energia solar competitivo face às tecnologias de energia convencionais. A região tem beneficiado de alguns dos preços de energia renovável mais baixos a nível global.
  • Desafios fiscais fizeram com que os governos deixassem de apoiar o abastecimento de energia barata. Muitos países aumentaram recentemente os preços de eletricidade e estão a acelerar os seus planos de reforma dos preços, com o objetivo de liberalizarem os preços a curto prazo. Apesar do objetivo destes programas ser a redução da carga fiscal aos governos, irão no entanto ajudar a reduzir o crescimento da procura.
  • Metodologia do ponto de inflexão

    A indústria da energia está no limiar de um período de mudanças sem precedentes que mudarão o mercado (apresentando novos desafios, mas também novas oportunidades). Três pontos de inflexão marcarão a emergência de um novo sistema energético.

    • Ponto de viragem 1: quando a auto-geração atinge a paridade dos custos com a eletricidade fornecida na rede. Para determinar esse dados, calculámos o consumo previsto de eletricidade, o mix de geração futura e o custo de fornecimento da eletricidade através de uma rede central entre 2015 e 2050, e comparámos depois o custo previsto da eletricidade auto-gerada usando painéis solares fotovoltaicos (PV) e armazenamento em baterias.

      Para ajudar determinar a data em que estes custos atingirão a paridade, trabalhámos com uma instituição global de análise para determinar a adoção prevista e os impactos interativos no consume de eletricidade e os custos de 10 tecnologias chave de energia distribuída e de informação: PV solares; armazenamento em bateria; veículos elétricos; microredes; sistemas de gestão de energia doméstica e de edifícios; troca de eletricidade P2P; contadores inteligentes; inteligência artificial; tecnologia de ponta de rede; e por fim a cloud.
    • Ponto de viragem 2: quando o preço dos veículos elétricos com bateria atingirem a paridade custo/desempenho das viaturas tradicionais com motores de combustão interna.
    • Ponto de viragem 3: quando o mero custo de abastecimento de eletricidade (i.e., o custo unitário da transmissão e distribuição de eletricidade) é superior ao custo de eletricidade auto-gerada.

    Uma vez que os impulsionadores variam conforme os mercados, os pontos de inflexão atingirão as várias regiões diferentes em períodos diferentes. 

Uma cultura de inovação energética

Ao longo da última década, alguns países da GCC anunciaram objetivos ambiciosos em termos de energias renováveis. Com o aumento dos requisitos em termos de capacidade energética expectável a uma taxa anual superior a 6% até 2022,2 países da GCC estão a adiantar-se rapidamente na adaptação do seu mix energético. As energias renováveis estão a crescer rapidamente, apoiadas por um forte apoio dos governos que reconhecem a urgência na resolução da procura crescente de energias. Cresce o investimento na exploração de uma maior adoção de tecnologias energéticas, incluindo fotovoltaico solar (PV) e energia solar concentrada (CSP). Esta procura deve-se à vasta disponibilidade na região de recursos solares e acesso a financiamento e leilões que permitiram baixar os preços. O Mercado de rede inteligente da GCC está também a ganhar proeminência, com o armazenamento em bateria a constituir um componente crucial na integração da energia renovável na rede.

Estas iniciativas refletem também o sólido historial da GCC em matéria de inovação e adoção de novas tecnologias — os contadores inteligentes chegaram relativamente tarde à região, mas a sua velocidade de implementação e aceitação pelos clientes foi muito mais rápida do que a registada noutras regiões. E, quem visitou o Dubai recentemente pode confirmar que a adoção de viaturas elétrica (EV) está a acelerar na região — uma tendência impulsionada sobretudo pela ânsia dos consumidores por novas tecnologias do que qualquer benefício económico.

Em particular, a energia solar tem um potencial indubitável na GCC. A região possui algumas das exposições solares mais elevadas do mundo, desfrutando de mais de 300 dias de sol por ano. As centrais de energia solar podem, regra geral, operar cerca de 1.900 horas por ano, o dobro dos níveis típicos na Europa. A vantagem adicional reside no facto de produção solar tender adaptar-se às variações diárias da procura, especialmente relacionadas com elevado uso de ar condicionado. Mais, a região possui terra abundante e um vasto pool de talentos a quem recorrer. Em todos os países da GCC, o investimento em novo solar está, por conseguinte, a aumentar em dimensão e âmbito:


  • Os preços da energia solar na GCC estão a seguir a tendência internacional. Projetos PV solar em grande escala diminuíram de 5,98 cêntimos de dólares norte-americano/kWh em 2014 para 2,4 cêntimos de dólar norte-americano/kWh em 2018, tornando-a na fonte de geração de eletricidade mais eficiente em termos de custo de toda a GCC.
  • Os Emirados Árabes Unidos (EAU) anunciaram uma estratégia energética para atingir 50% de energias limpas até 2050, prevendo que a energia solar contribua para 25% do seu mix de geração de energia. O Parque Solar Mohammed bin Rashid Al Maktoum, nos Emirados gerará 1.000 MW até 2020 e 5.000 MW até 2030.
  • O Bahrein aumentou a sua meta em matéria de energias renováveis de 5% para 10% até 2035 e instou a ordenou a instalação de painéis solares em novos edifícios.
  • As instalações solares em telhados estão a ganhar popularidade nos EUA, no seguimento da introdução de planos de contagem líquidas. Esta medida permite aos clientes usarem a energia solar para gerarem eletricidade para uso pessoal, reencaminhando o excesso de volta para a rede.
  • Kuwait estabeleceu o target de ter energias renováveis contribuindo em 15% do total da mistura energética até 2030.
  • As energias renováveis oferecem uma oportunidade para reduzir a água usada na geração de energia em até 15%, enquanto as fontes de energia limpa oferecem uma opção mais custo-efetivo em projetos de dessalinização da água.

  • Em finais de 2018, a região tinha 146 GW de capacidade energética instalada, sendo que as energias renováveis contribuíram para menos de 1%.Não obstante a grande capacidade, investimentos significativos serão necessários para a geração adicional e a transmissão e distribuição nos anos próximos.4 Nos próximos cinco anos, por exemplo, espera-se que a região invista 55 mil milhões de dólares norte-americanos para conseguir uma capacidade de geração adicional de 43 GW e 34 bilhões de dólares norte-americanos para que a transmissão e distribuição consiga responder à procura crescente.5 A partir desse período, espera-se que o uso de energias renováveis acelere, e prevê-se cerca de 7 GW de capacidade renovável online em princípios de 2020s. A nossa análise sugere que as renováveis podem contribuir para um terço do mix energético da região até 2050, com os PV solares e o CSP solares a contribuírem para 20% destes números, se o ritmo de investimento e compromisso regulamentar se mantiver.

    Conseguirão as empresas da GCC adaptar-se a tempo?

    A mudança em setores energéticos da GCC está à porta, prevendo-se que as energias renováveis venham a ter um papel vital nos planos de diversificação económica na região. A questão é — será que as empresas de serviços públicos detidas pelo Estado, verticalmente integradas conseguirão adaptar-se a tempo? Os sinais são positivos. Aqui, as empresas de serviços públicos são diferentes: não se enquadram no estereótipo típico de uma empresa de serviços públicos em crescimento lento. As mesmas operam numa cultura em rápida mutação moldada pela inovação, rápido crescimento e vontade em investir em infraestrutura de elevada qualidade.

    Mesmo assim, o sucesso num mercado de novas energias exigirão uma ação decisiva por parte das empresas públicas, com apoio por parte dos governos e reguladores.

    Os pontos de ação de empresas de serviços públicos incluem:

  • Construir os modelos de operação e negócio certos:  Reformular para o sucesso num mundo de energia muito diferente exigirá modelos transformados semelhantes que preparem estas empresas para novas funções. O tempo para implementar tudo isto é curto, especialmente se tivermos em conta que o ponto de inflexão pode afetar primeiro certos segmentos de clientes, como é o caso da grande indústria. Isto gera oportunidades para os serviços desempenharem um papel de parceiro enquanto as grandes empresas do Golfo exploram autossuficiência e opções fora da rede.
  • Desenvolver novas aptidões e competências: Um mercado de energia equipado digitalmente, centrado nas renováveis exigirá serviços para desenvolver uma parcela inteiramente nova de aptidões e competências. Alguns poderão desenvolvê-las internamente enquanto outros usarão colaborações estratégicas ou joint ventures para aceder aos talentos que necessitam. Serviços GCC têm a sorte de ter acesso à grande pool de talentos de alta qualidade e população crescente.
  • Centrar-se no cliente: Desenvolver um novo foco no cliente poderá ser um desafio ainda maior. Em certos países existem indicações de que as reformas no setor da energia poderão ser um desafio ainda maior. Em alguns países, há indicações que as reformas de energia poderão incluir o mercado de energia a agentes privados. Isto criará uma necessidade urgente de colocar o cliente no centro do negócio. Desenvolver novas formas de criar valor para os diferentes segmentos de clientes será crítico para aumentar os receitas e manter a competitividade continuada na região, quando o combustível barato deixar de ser uma vantagem inerente.
  • Reconsiderar as estratégias de investimento: À medida que os pontos de inflexão se aproximam, os serviços terão de considerar as implicações para o retorno do projeto. Terão de ser tomadas decisões relativamente à continuação de projetos de infraestrutura existentes como planeado, adotar modelos financeiros ou até adiar ou descontinuar por completo.

  • Dois pontos de ação para governos e reguladores de modo a permitir uma transição energética suave são:

  • Alargar o alcance dos mecanismos de financiamento: Ao longo das duas últimas décadas, o modelo de parcerias público-privada (PPP) tornou-se no mecanismo de financiamento mais atrativo para o mercado de energia da GCC, com a região a ter o maior nível de investimento em infraestruturas de energia (pública e privada) de qualquer outro grupo de países. Os governos estão cada vez mais a depender de produtores de energia independentes (IPPs) para partilharem, o fardo, tendo acrescentado capacidade significativa nos últimos anos. Com um défice orçamental desde o declínio do preço do petróleo, os governos têm de enfrentar a procura crescente, enquanto adotam uma estrutura mais orientada para o mercado que encoraje o setor privado a investir no fornecimento fiável de energia a preços competitivos. 
  • Considerar como introduzir a concorrência: À medida que alguns governos consideram abrir os mercados de eletricidade a investidores privados, os políticos terão de atentar na melhor forma de introduzir a competição. Abrir mercados a agentes privados aceleraria a inovação e possivelmente aproximaria os pontos de inflexão, mas os governos terão de se certificar que as reformas não prejudicam a capacidade dos serviços já estabelecidos para cumprirem o seu papel vital na dessalinização da água.

  • Ação arrojada é necessária agora

    A contagem decrescente já começou para um novo mercado de energia na GCC — um mercado redesenhado a pensar nas renováveis, tecnologias digitais, infraestrutura de rede inteligente e evolução da procura do consumidor. Para os serviços da região, a adaptação a condições muito diferente exigirá ultrapassar alguns desafios significativos, assim como políticas concertadas por parte de governos e reguladores.

    Mantenha-se atualizado

    Receba os nossos últimos artigos no seu email. 

    Subscreva

    Resumo

    As empresas de serviços públicos devem decidir agora o papel que desempenharão neste novo mercado energético, e que estratégias de capital e modelos operacionais desenvolverão para enfrentarem as condições em constante mudança. À medida que decisões arrojadas são tomadas sobre a estratégia futura a seguir, o maior risco poderá ser mudar demasiado lentamente — os pontos de inflexão da mudança estão próximos.

    Sobre este artigo

    por Serge Colle

    EY Global Power & Utilities Leader

    Global energy advisor. Connecting clients with EY services, assets and experience.