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O caminho para a sustentabilidade: como transformar desafios em oportunidades na circularidade da economia?

Apesar dos crescentes investimentos em iniciativas circulares, Portugal tem ainda muito espaço para evoluir neste objetivo. 


As alterações climáticas, a escassez de recursos naturais críticos e as crescentes preocupações em matéria de biodiversidade vêm reforçar a imperatividade de uma mudança de paradigma que reformule o binómio produção-consumo.

A manutenção do ritmo global de consumo vigente implica atualmente uma necessidade de recursos equivalentes a 2,3 planetas. O Earth Overshoot Day, que marca o dia de esgotamento do orçamento anual de recursos naturais do planeta, tem ocorrido cada vez mais cedo, antecipando-se de dezembro para agosto entre 1975 e 2023, o que indica um aumento do déficit ecológico.

Projeções indicam que, até 2050, a população mundial aumentará cerca de 20% em relação a 2022 e o PIB mundial deverá superar o dobro do valor registado em 2022, impondo (ou agravando) o desafio de conciliar as crescentes necessidades da sociedade com os desafios emergentes do planeta.

Neste enquadramento, economia circular apresenta-se como um modelo económico alternativo ao linear, procurando manter produtos, componentes e materiais no seu mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo, fazendo a distinção entre ciclos técnicos e biológicos.

Ao permitir o desligamento entre o crescimento económico e o consumo de recursos naturais (“decoupling”), é claro o contributo da transição circular em matéria ambiental, assumindo-se como um elemento central para evitar os danos irreversíveis causados pela utilização de recursos a um ritmo que excede a capacidade da Terra para os renovar.

A EY-Parthenon identificou um conjunto de dez megatendências que determinam os principais triggers da transição para uma economia circular.

Megatendências e triggers em matéria de economia circular

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A ambição de promover a transição para uma economia linear para uma economia circular tem assumido uma posição central no contexto político europeu nos últimos anos. A centralidade desta temática levou a Comissão Europeia a apresentar, em 2020, um novo Plano de Ação para a Economia Circular, em alinhamento com o Pacto Ecológico Europeu.

Pese embora a existência de um conjunto de diretivas europeias comuns e harmonizadoras, as particularidades de cada país, associadas a condições de contexto distintas e a perfis de especialização produtiva específicos, aconselham uma abordagem nacional diferenciada. Em Portugal, o Plano de Ação para a Economia Circular, o Compromisso para o Crescimento Verde, o Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 e o Programa Nacional para as Alterações Climáticas são importantes manifestações de compromisso com a temática em análise.

Apesar do enquadramento político e regulamentar cada vez mais alinhado com os princípios da circularidade, Portugal evidencia um amplo espaço de progressão, sobretudo quando comparado com outros países europeus. 

 Indicadores de circularidade: Portugal no contexto europeu

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De facto, os indicadores oficiais demonstram que Portugal segue um modelo de consumo de recursos ainda ineficiente, com uma forte dependência de matérias-primas virgens e fraco reaproveitamento de materiais. Este desequilíbrio sugere não apenas uma perda significativa de valor económico, mas também maior exposição a riscos ambientais e geopolíticos. O contraste com outros países da UE mostra que a eficiência material depende, em larga medida, de padrões de especialização produtiva, políticas públicas eficazes, infraestruturas adequadas e estratégias de economia circular, tendo Portugal ainda um longo caminho a percorrer nestes domínios.

Por outro lado, ainda que o investimento privado português nos setores da economia circular se aproxime da média da UE-27, este diminuiu ligeiramente nos últimos 5 anos, pondo em evidência a necessidade de fomentar o envolvimento efetivo e duradouro do tecido produtivo no processo de transição. 

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Principais barreiras à economia circular em Portugal

Fonte: Análise EY-Parthenon a partir de dados do Inquérito E+C realizado para a CIP a empresas pertencentes a diferentes setores de atividade

De facto, apesar de urgente, a adoção de estratégias de circularidade pelas empresas levanta desafios relevantes – o Projeto Economia +Circular, promovido pela CIP com o apoio da EY, permitiu um mapeamento aprofundado das principais barreiras à circularidade, com base num inquérito dirigido a empresas de vários setores de atividade.

Desafios relacionados com a legislação e enquadramento regulamentar, bem como com questões económicas e financeiras destacam-se entre os principais limitadores da transição circular nas empresas. A superação destas barreiras e a promoção efetiva dos princípios de circularidade exigirão a colaboração estreita entre governos, academia, empresas e entidades de suporte.

A promoção da economia circular deverá estruturar-se em diferentes níveis de atuação – macro, meso e micro -, garantindo uma abordagem global e conciliadora e, em simultâneo, específica às particularidades de cada agente económico.

Do ponto de vista macro, deverão ser consideradas ações de âmbito estrutural, que produzam efeitos transversais e sistémicos, potenciadores da apropriação de princípios da Economia Circular pela sociedade. Nesta esfera de atuação, destacamos as seguintes estratégias:

  • Abordagem setorial (meso) – Definição de iniciativas concertadas e assumidas pelo conjunto de intervenientes na cadeia de valor de setores relevantes para o aumento da produtividade e utilização eficiente de recursos do país.
  • Abordagem regional – Elaboração de estratégias regionais adaptadas às particularidades de cada geografia.
  • Acordos circulares (ou Green Deals) – Estabelecimento de acordos circulares e voluntários, isto é, convénios entre empresas, organizações da sociedade civil e governos que definem ações concretas para remover barreiras à transição para a economia circular. 
  • Fomento ao envolvimento de stakeholders – Estabelecimento de diversos mecanismos de estímulo à participação de diversos intervenientes, tais como comunidades e redes online, plataformas para auscultação de legislações, eventos interativos e parcerias industriais.
  • Mecanismos de responsabilidade alargada do produtor – O fortalecimento da responsabilidade alargada do produtor (RAP) para a prevenção de resíduos.
  • Educação e consciencialização da população – A disseminação de informação acerca da transição para a economia circular assume uma posição central em várias abordagens nacionais, existindo diversas ferramentas informativas e plataformas de apoio às empresas na transição.
  • Mobilização de instrumentos fiscais – Os principais instrumentos fiscais mobilizados relacionam-se com a redução do IVA para empresas alinhadas com os princípios de circularidade ou incentivos ao investimento através de benefícios fiscais.
  • Financiamento e apoio à inovação – O financiamento da transição e o apoio à inovação são prioridades transversais do plano de ação europeu, materializando-se em iniciativas referentes à mobilização de apoio financeiro, desenvolvimento de laboratórios colaborativos e de plataformas dedicadas a apoiar empresas a obter financiamento, entre outro

Do ponto de vista micro, a unicidade de cada empresa deve refletir-se no seu modo de atuação na economia circular. Encontrar o modelo de negócio sustentável adequado é um dos grandes desafios enfrentados pelas empresas da atualidade e requer uma nova mentalidade entre executivos. Neste enquadramento, são várias as estratégias circulares adotadas já por algumas empresas, destacando-se as simbioses industriais e o estabelecimento de parcerias com outros agentes económicos, introdução de mecanismos indutores eficiência energética e redução de emissões, a extensão do ciclo de vida de produtos por via do combate à obsolescência programada e recondicionamento e manutenção preditiva, entre outros, conforme destacado no diagrama.

Recomendações micro para a promoção da circularidade na economia em Portugal

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Fonte: Análise EY-Parthenon a partir de dados do Inquérito E+C realizado para a CIP a empresas pertencentes a diferentes setores de atividade

Ao permitir uma desassociação entre crescimento económico e consumo de recursos naturais, é claro o contributo da transição circular em matéria ambiental, assumindo-se como um elemento central para evitar os danos irreversíveis causados pela utilização de recursos a um ritmo que excede a capacidade da Terra para os renovar. Paralelamente, a transição circular está associada a um claro benefício económico, sendo apontada pelo Comissão Europeia como uma importante fonte de competitividade para setor produtivo europeu.

Pese embora o caminho já percorrido, quando comparado com outros países europeus exemplares no que à transição circular diz respeito, Portugal evidencia um amplo espaço para progredir, sobretudo em termos de iniciativas políticas dirigidas às empresas, incluindo as relacionadas com o fomento ao envolvimento de stakeholders no processo de transição e no estabelecimento de dinâmicas cooperativas entre diferentes agentes económicos potenciadores de abordagens circulares.

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Resumo

A transição para uma economia mais circular impõe-se, exigindo a ação concertada do tecido institucional, empresarial e científico de cada país, em alinhamento com as diretrizes globais e europeias de sustentabilidade. Portugal tem dado passos firmes nesta transição, mas o caminho para a circularidade é ainda longo e exige um compromisso e reforço contínuos de apostas estratégicas, baseadas numa visão integrada e abordagem colaborativa.

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