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Evolução regulatória ESG na indústria de fundos: desafios e oportunidades na norma CVM 175

Como o mercado vem evoluindo

Por Fernando Siedschlag, Consultor de ESG para Serviços Financeiros na EY

Osetor financeiro nacional vem passando por um fortalecimento da agenda de finanças sustentáveis, seja por influência do arcabouço regulatório das diversas entidades que regulam o mercado, seja pelo posicionamento estratégico das instituições. Na agenda de riscos, a incorporação de aspectos sociais, ambientais, climáticos e de governança nas decisões de investimento e financiamento ganha força, envolvendo temas como precificação de crédito, recomendações de compra e venda de ativos e processo decisório ESG nos comitês de gestão de riscos, crédito e ativos sob gestão. Na agenda de oportunidades, vêm sendo fortalecidos os investimentos em atividades com impacto social, ambiental e climático positivo, visando alocação efetiva de capital para a transformação sustentável.

A indústria de fundos está inserida nesse contexto e vem observando um interesse crescente de investidores globais em busca de oportunidades sustentáveis em um contexto de forte estímulo para a transição para uma economia de baixo carbono, bem como elevada adesão a compromissos voluntários globais. Neste quadro, diversos stakeholders do mercado - reguladores e associações de mercado, gestores de ativos e intermediação, investidores, certificadores e consultores – vêm discutindo mecanismos para o aprimoramento da indústria, capazes de combater o greenwashing e canalizar capital de forma efetiva para fundos comprometidos com a geração de impacto positivo.

Evolução ESG na indústria global de fundos

A indústria vem observando um avanço de práticas e de ativos sob gestão. Segundo a Global Sustainable Investment Alliance, havia globalmente US$ 35,3 tri de ativos ESG sob gestão em 2020, o que representou um aumento de 15% em relação a 2018. Em 2020, a classificação de ativos ESG como proporção dos ativos totais atingiu 62% no Canadá, 42% na Europa e 33% nos Estados Unidos. O Japão registrou 24% de ativos ESG e obteve a maior taxa de crescimento no período: 168%[1]. Em termos de práticas, observa-se uma tendência crescente da incorporação de fatores ESG nos processos de análise e decisão de investimentos. O Principle for Responsible Investment (PRI), que é o principal compromisso voluntário global de sustentabilidade desta indústria, atingiu 4.902 signatários em março de 2022, sendo 4.395 investidores e 507 provedores de serviços, um crescimento de 28% sobre 2021, com cerca de US$ 121 tri sob gestão[2].

Evolução ESG na indústria brasileira de fundos

O mercado brasileiro também vem observando uma expansão na incorporação de práticas e em ativos sob gestão.  Segundo pesquisa da ANBIMA[3], 49% das instituições consideram fatores ESG em mais de 50% dos ativos sob gestão, contra 27% em 2018. Além disso, 71% das instituições relataram ter alguma estrutura (exclusiva ou não) para tratar questões ESG em 2021, contra 34% em 2018. Vale observar também que 125 instituições brasileiras são signatárias do PRI, sendo que 9 fizeram a adesão em 2022[4]. Por outro lado, em 2021, apenas R$ 2 bi de ativos estavam diretamente vinculados a aspectos ESG (fundos 555 – Sustentabilidade/Governança), o que representa um valor ainda pouco relevante diante do patrimônio total de fundos da indústria.

Considerando, contudo, outras nomenclaturas, políticas de investimento e outras classes, pode-se identificar diversos produtos com terminologia ligada a ESG, levando-se a estimar que o tamanho desse mercado seja maior do que o que está atualmente mapeado[5].

Fortalecimento de regras para orientar o mercado

Em função desses aspectos, percebe-se uma característica interessante no mercado brasileiro, que é justamente a existência de uma série de fundos relacionados a uma ampla gama de termos associados a finanças sustentáveis, sem que haja uma padronização metodológica que possa assegurar uma clara identificação destes fundos, seus respectivos volumes financeiros e impactos em termos de resultados socioambientais, tornando mais complexas as decisões de clientes e investidores. É neste cenário difuso que as práticas vêm evoluindo e que agora, oportunamente, a Comissão de Valores Mobiliários - CVM lança suas regras para contribuir com a organização e supervisão do mercado.

CVM lança política de finanças sustentáveis em jan/23

  • Fomentar as finanças sustentáveis no âmbito do mercado de capitais, reconhecendo seu papel fundamental na atração de investimentos e no alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS.
  • Fortalecer a transparência das informações ESG no mercado, de modo a propiciar sua incorporação para a tomada de decisão de investimento, o que contribui para uma formação mais eficiente de preços de ativos e para proteger o investidor.
  • Construção de uma taxonomia voltada ao tema das finanças sustentáveis.
  • Ações de supervisão, que busquem coibir o "greenwashing" no âmbito do mercado de valores mobiliários.
  • Plano de Ação bianual, com monitoramento da execução.

A resolução CVM 175 e os aspectos ESG

A resolução foi publicada em dez/22 [6], pouco antes do lançamento da política de finanças sustentáveis da CVM, sendo bastante aguardada pelo mercado, uma vez que a ANBIMA já havia lançado uma autorregulação envolvendo aspectos ESG no final de 2021, que estabelecia uma série de regras para determinar os critérios, requisitos e procedimentos a serem observados tanto pelo gestor de recursos quanto pelo fundo, para que os fundos de investimento pudessem receber a identificação de fundos sustentáveis (IS). A autorregulação da ANBIMA está em vigor desde janeiro de 2022 e vários de seus aspectos estão contemplados na resolução da CVM, de modo que o mercado já vem trilhando esforços no sentido de buscar essa adequação.

  • Abrangência: aplicáveis a todas as categorias de fundos disciplinadas na resolução.
  • Prazo: em vigor a partir de abril de 2023.
  • Principais obrigações: regras para adoção de terminologia ligada a finanças sustentáveis e equiparação de créditos de descarbonização a ativos financeiros.

O que muda?

  • Procedimentos para adotar terminologia ligada a aspectos de finanças sustentáveis

O regulamento do fundo e o anexo descritivo com referência a fatores ambientais, sociais e de governança (“ESG”, “ASG”, “ambiental”, “verde”, “social”, “sustentável” ou quaisquer outros termos correlatos às finanças sustentáveis) deve estabelecer benefícios ambientais, sociais ou de governança esperados e como a política de investimento busca originá-los. Dessa forma, somente fundos que busquem tais benefícios poderão utilizar essa denominação.

  • Metodologia

Devem ser apresentadas as metodologias, princípios ou diretrizes seguidos para a qualificação do fundo ou da classe, conforme a denominação do fundo.

  • Certificação ou parecer de segunda opinião

Deve ser apresentada a entidade responsável por certificar ou emitir parecer de segunda opinião sobre a qualificação do fundo, se houver, bem como informações sobre a sua independência em relação ao fundo. Ou seja, não é obrigatório ter uma certificadora ou segunda opinião, mas caso exista, esta deve ser apresentada.

  • Divulgação, monitoramento e transparência

Devem ser especificadas a forma, conteúdo e a periodicidade de divulgação de relatório sobre os resultados ambientais, sociais e de governança alcançados pela política de investimento no período, bem como a identificação do agente responsável pelo relatório. Nesse sentido, passa a ser exigida a divulgação de um relatório com resultados ESG da política de investimentos, assim como da entidade responsável por sua elaboração.

  • Integração ESG

Caso a política de investimento integre fatores ambientais, sociais e de governança às atividades relacionadas à gestão da carteira, mas não busque originar benefícios socioambientais, fica vedada a utilização dos termos. Essa regra impõe uma mudança bastante importante, uma vez que se consolidava no mercado o lançamento de fundos com integração ESG não vinculados diretamente a benefícios ambientais, sociais e governança, o que não será mais permitido.

  • Créditos de descarbonização e ativos financeiros

Créditos de descarbonização como créditos de biocombustíveis (CBIO) e créditos de carbono foram equiparados a ativos financeiros, podendo ser objeto de investimento dos fundos. Para tanto, devem ser registrados em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizada pela CVM ou pelo Banco Central do Brasil negociados em mercado administrado por entidade administradora de mercado organizado autorizado pela CVM. Dessa maneira, essa equiparação é válida para os mercados regulados, ficando de fora o mercado voluntário de carbono.

Impactos no mercado

Como a resolução CVM acompanha vários aspectos presentes na autorregulação da ANBIMA, parte do mercado já se encontra em fase de adaptação, o que certamente tomará impulso em função da adoção das regras pela CVM. 

Nesse sentido, espera-se que a rotulagem ESG leve a uma padronização e reclassificação de fundos ligados a aspectos de finanças sustentáveis, possivelmente reduzindo, em um primeiro momento, a quantidade de fundos enquadrados nessa categoria, de modo similar ao que foi observado no mercado europeu, em função da sua adaptação às regras em curso da taxonomia europeia para finanças sustentáveis.

A integração ESG fica estimulada e direcionada para análise de risco e a política de investimento, ao mesmo tempo em que é requisito para criação de fundos sustentáveis.

Com maior rigor e seletividade para classificação como fundo sustentável, bem como com estímulo para mecanismos de certificação e second opinion, o enquadramento sustentável de fundos fica mais criterioso e especializado, exigindo maior conhecimento por parte das gestoras de recursos e stakeholders.


Resumo

O pilar regulatório vem exercendo um papel fundamental no estabelecimento de regras, limites e procedimentos para avanços em finanças sustentáveis no setor financeiro nacional. Com a rotulagem e transparência de dados ESG, a CVM fomenta a padronização, transparência e avanço na taxonomia para identificação de investimentos sustentáveis, assim como objetiva combater o greenwashing. É uma tendência internacional que era aguardada no mercado brasileiro, fundamental para a criação e consolidação de um mercado robusto de fundos sustentáveis. 

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