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Última chamada para adequação às normas ESG emitidas pelo Banco Central

Em julho de 2022, entrou em vigor um conjunto de normas ESG emitidas pelo Banco Central, trazendo diversos desafios, em especial no que diz respeito ao processo de Gestão Integrada de Riscos e reporte para o Banco Central, exigindo um maior detalhamento de riscos sociais, ambientais e climáticos. Além do seu papel relevante no processo de adaptação regulatória, o Conselho de Administração pode aproveitar esse período para redimensionar, do ponto de vista estratégico, o posicionamento ESG da organização. 

Por Regis Borges, Gerente Sênior de Serviços Financeiros na EY .

Nos últimos anos, o tema ESG (termo em inglês para Ambiental, Social e Governança) e a transição para uma economia de baixo carbono têm entrado na pauta das principais agendas corporativas e ganhado cada vez mais destaque na indústria bancária.

Entre todos os interessados em uma nova economia sustentável, a percepção é que a indústria bancária tem um papel fundamental nessa transição, pela possibilidade de direcionar recursos para a descarbonização e para financiamentos que considerem as questões ESG no processo de concessão de crédito.

Esse poder pode auxiliar não apenas no aumento de recursos destinados ao desenvolvimento de uma economia sustentável, como também incentivar as entidades não financeiras a colocarem o desenvolvimento de práticas ESG, de vez, em suas agendas de negócios.

O regulador na jogada

Ciente do papel que o setor bancário passa a ter, o Banco Central do Brasil, em linha com as recomendações da Task-Force on Climate related Financial Disclouseres (TCFD) e com os papers do Comitê de Basiléia sobre o tema, emitiu, no final de 2021, uma série de novas exigências de práticas ESG para os bancos.

Na tabela abaixo, destacamos as principais regulamentações:

Dentre as normas publicadas, uma das mais desafiadoras é a Resolução 4.943/21, que altera a Resolução nº 4.557/17 e dispõe sobre a estrutura de gerenciamento de riscos, a estrutura de gerenciamento de capital e a política de divulgação de informações. A partir de agora, os riscos social, ambiental e climáticos deverão estar integrados ao processo de gestão de riscos, exigindo o desenvolvimento de novos mecanismos que permitam realizar essas atividades.

Cabe mencionar que além dos impactos na estrutura de gestão integrada de riscos, o arcabouço normativo do BACEN traz outros desafios importantes, como por exemplo, o envio de informações relacionadas aos riscos social, ambiental e climático pelo documento PRSAC (resolução 4.945), que deverá ser elaborado por meio de um layout determinado pelo regulador, com um alto nível de detalhamento sobre os fatores de riscos considerados pela Instituição, abarcando avaliação sobre os clientes, setores econômicos e operações. Um segundo documento será o relatório de riscos e oportunidades sociais, ambientais e climáticas, o GRSAC (IN BCB 151), que deverá ser divulgado ao mercado apresentando informações sobre a governança e os processos relacionados ao gerenciamento dos riscos social, ambiental e climático, além de informações sobre estratégias usadas pela Instituição, para o tratamento desses riscos.

É importante mencionar que toda a estrutura de gerenciamento de riscos, bem como as diretrizes e metodologias a serem consideradas para atender as normas, devem estar refletidas na Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), que deverá ser elaborada pelos bancos para atendimento à Resolução 4.945/21.

Neste artigo, abordamos com mais detalhes as exigências relacionadas à gestão integrada de riscos apresentada na resolução nº 4.943/21, que passou a vigorar em julho de 2022.

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Capítulo 1

Definições atualizadas para os riscos social, ambiental e climático

Até a emissão da resolução 4.943/21, o Banco Central apresentava somente o conceito de risco socioambiental e, agora, passa a apresentar definições sobre riscos social, ambiental e climático (acrescentado), de forma segregada e com exemplos que ajudam a elucidar a visão do regula

Risco social: define-se o risco social como a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados à violação de direitos e garantias fundamentais ou a atos lesivos a interesse comum. Dentre outros, o Banco Central apresenta os seguintes exemplos:

  • Ato de assédio, de discriminação ou de preconceito com base em atributos pessoais, tais como etnia, raça, cor, condição socioeconômica, situação familiar, nacionalidade, idade, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, religião, crença, deficiência, condição genética ou de saúde e posicionamento ideológico ou político;
  • Prática relacionada ao trabalho em condições análogas à escravidão;
  • Não observância da legislação previdenciária ou trabalhista, incluindo a legislação referente à saúde e segurança do trabalho;
  • Ato irregular, ilegal ou criminoso que impacte negativamente povos ou comunidades tradicionais, entre eles indígenas e quilombolas, incluindo a invasão ou a exploração irregular, ilegal ou criminosa de suas terras.

 

Risco ambiental: define-se o risco ambiental como a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados à degradação do meio ambiente, incluindo o uso excessivo de recursos naturais. Dentre outros, o Banco Central apresenta os seguintes exemplos:

  • Conduta ou atividade irregular, ilegal ou criminosa contra a fauna ou a flora, incluindo desmatamento, provocação de incêndio em mata ou floresta, degradação de biomas ou da biodiversidade e prática associada a tráfico, crueldade, abuso ou maus-tratos contra animais;
  • Poluição irregular, ilegal ou criminosa do ar, das águas ou do solo;
  • Descumprimento de condicionantes do licenciamento ambiental.

Risco climático: define-se o risco climático, em suas vertentes de risco de transição e de risco físico, como:

1)    Risco climático de transição: possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados ao processo de transição para uma economia de baixo carbono, em que a emissão de gases do efeito estufa é reduzida ou compensada e os mecanismos naturais de captura desses gases são preservados. Dentre outros, o Banco Central apresenta os seguintes exemplos:

  • Alteração em legislação, em regulamentação ou em atuação de instâncias governamentais, associada à transição para uma economia de baixo carbono, que impacte negativamente a instituição;
  • Inovação tecnológica associada à transição para uma economia de baixo carbono que impacte negativamente a instituição;

2)   Risco climático físico:  possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados a intempéries frequentes e severas ou a alterações ambientais de longo prazo, que possam ser relacionadas a mudanças em padrões climáticos. O Banco Central apresenta os seguintes exemplos:

  • Condição climática extrema, incluindo seca, inundação, enchente, tempestade, ciclone, geada e incêndio florestal; e
  • Alteração ambiental permanente, incluindo aumento do nível do mar, escassez de recursos naturais, desertificação e mudança em padrão pluvial ou de temperatura.
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Capítulo 2

Impactos na estrutura de gestão de riscos nos Bancos

A nova regulamentação leva aos bancos um nível de detalhamento muito superior sobre como devem atuar, adicionando o risco climático no processo de gestão de riscos integrado, que não era citado pelo regulador até então.

Destacamos alguns dos desafios que os bancos estão enfrentando para se adequarem à norma:

Mecanismos de identificação e monitoramento

A estrutura de gestão de risco deve considerar, assim como já ocorre para os demais riscos monitorados pelos bancos, mecanismos que permitam à instituição identificar, avaliar, classificar e mensurar os riscos social, ambiental e climático.

Isso inclui também a avaliação em decorrência da prestação de seus serviços, além das atividades desempenhadas por terceiros, considerando por exemplo, as contrapartes, entidades controladas e os fornecedores/prestadores de serviços.

O desafio é desenvolver uma metodologia que permita o atendimento da norma, contemplando, por exemplo, atualização de biblioteca de riscos, atualização de declaração de apetite a risco (RAS), processo de avaliação dos riscos, programa de análise de sensibilidade, testes de estresse, análise de concentração da carteira, entre outros.

Inventário de perdas

A nova regulamentação deverá exigir dos Bancos um maior nível de controle sobre a base de dados de perdas operacionais, até então considerados apenas no risco de crédito.

Agora, as instituições passam a ter que manter a distinção dos riscos social, ambiental e climático, exigindo o desenvolvimento de novos processos e controles que permitam à instituição armazenar, de forma íntegra e estruturada, as informações com esse nível de abertura e posterior integração dos dados na gestão dos riscos associados.

Obtenção de dados confiáveis

A necessidade de avaliação dos riscos relacionados às atividades de terceiros, por exemplo junto aos seus clientes (contrapartes), abre um capítulo à parte quanto aos desafios a serem enfrentados.

Muitas instituições já se valem de mecanismos para obtenção de informações junto aos seus clientes sobre as questões socioambientais, mas na maioria das vezes não são informações completas ou não abarcam todos os temas necessários para uma gestão eficiente dos riscos social, ambiental e climático, como exige a nova norma.

Outro fator importante é a confiabilidade dos dados obtidos. De forma geral, parte importante das informações é obtida por meio de questionários auto declaratórios preenchidos pelos clientes, que afirmam possuir ou não determinada estrutura ou monitoramento sobre os riscos ESG. Os bancos, por sua vez, não possuem mecanismos que permitam avaliar ou validar a integridade dos dados obtidos. Considerando que tais informações devem fazer parte do processo de gestão de riscos ESG, inclusive na sua integração com os demais riscos, é fundamental que as instituições desenvolvam alternativas para garantir que as informações utilizadas estejam corretas.

Outros dados relevantes também deverão ser considerados. Por exemplo, a instituição deverá manter o detalhamento dos valores, da natureza dos eventos, região geográfica (definida com base em critérios claros e passíveis de verificação) e do setor econômico associado à exposição para cada tipo de risco e para perdas identificadas, e com isso monitorar suas concentrações por exposição a setores econômicos ou a regiões geográficas.

Por fim, a nova regulamentação exige que as instituições possuam mecanismos para a identificação tempestiva de mudanças políticas, legais, regulamentares, tecnológicas ou de mercado, incluindo alterações significativas nas preferências de consumo, que possam impactar de maneira relevante o risco social, ambiental ou climático incorrido pela instituição, bem como procedimentos para a mitigação desses impactos. É um desafio novo para muitas instituições que não possuem estruturas específicas para tratar dos temas ESG e que deverão desenvolver métodos para atender esses requisitos.

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Capítulo 3

Interação dos riscos ESG com os demais riscos

A instituição deverá, para os riscos social, ambiental e climático, considerar a interação com os demais riscos, como crédito, mercado, liquidez e operacional.

Isso porque um evento de perda vinculada a um aspecto social, ambiental ou climático pode se materializar, por exemplo, por meio de perdas em operações de crédito. Ou seja, nenhum risco deve ser monitorado e avaliado de forma isolada e, sim, considerando sua interação com os demais riscos.

A norma aborda com bastante detalhe esse tema, exigindo dos bancos ações de monitoramento dessa interação e seus impactos.

Do ponto de vista do risco de crédito, a norma exige que as instituições avaliem os riscos ESG no processo de concessão, classificação e monitoramento das operações sujeitas a risco de crédito. Essa avaliação deve contemplar, pelo menos:

  • Diligência na identificação da contraparte;
  • Definição de indicadores para a qualificação e a classificação periódica da contraparte (como setor econômico e região geográfica);
  • Avaliação e monitoramento de possíveis impactos na qualidade creditícia da contraparte;
  • Critérios para a avaliação periódica do grau de suficiência de garantias, colaterais e outros mitigadores do risco de crédito.

Além desses itens, poderão fazer parte da avaliação pela instituição a capacidade de gerenciamento por seu cliente, do risco social, ambiental e climático por ela incorridos, histórico de cumprimento de legislações específicas aplicáveis às atividades do cliente, além de relatório elaborado por empresa de auditoria contratada pela contraparte, abordando seus procedimentos e controles relativos a aspectos sociais, ambientais e climáticos.

Nesse cenário, é esperado que a avaliação dos riscos ESG nas instituições financeiras impacte o processo de concessão de crédito já que irá considerar informações relativas à atuação da cadeia de valor como um todo, atuando como incentivo às empresas a colocarem o tema ESG no centro de suas estratégias.

Do ponto de vista do risco de mercado, a norma exige que as instituições avaliem sua interação com os riscos ESG, considerando seu impacto nas posições sujeitas ao risco de mercado e ao IRRBB, com base em critérios estabelecidos pela instituição.

Para o risco operacional, os bancos deverão considerar em suas políticas, estratégias e procedimentos:

  • Estabelecimento de condições mínimas nos contratos firmados pela instituição para mitigar o risco legal; e
  • Definição de critérios de decisão quanto à terceirização de serviços e de seleção de seus prestadores.

Para o atendimento desses requisitos, os bancos deverão reavaliar seus contratos junto a fornecedores, de forma a garantir contratualmente que seus fornecedores atendam a aspectos ESG, em linha com as políticas da instituição.

Devem também implementar processos e controles que permitam o monitoramento de seus fornecedores quanto aos critérios definidos nos contratos.

Já para o risco de liquidez, os bancos deverão considerar, pelo menos, os seguintes tópicos:

  • Avaliação do impacto do risco social, do risco ambiental e do risco climático no estoque de ativos líquidos e nas fontes de captação de recursos; e
  • No âmbito do plano de contingência de liquidez, estabelecimento de responsabilidades, estratégias e procedimentos para enfrentar situações de estresse associadas à possibilidade de ocorrência de eventos de risco social, de risco ambiental ou de risco climático.
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Capítulo 4

Reporte

O reporte de informações tem sido também identificado como um desafio relevante pelas instituições financeiras, que procuram responder as demandas regulatórias de forma eficiente, mitigando um acréscimo de custo relevante.

Para isso, têm sido estudadas soluções que permitam a automação do reporte dessas informações, que muitas vezes têm várias áreas envolvidas, como de crédito, sustentabilidade, risco e finanças.

A criação de processos claros, com responsabilidades bem definidas e alavancadas em soluções de automação têm sido entendidas como fatores críticos de sucesso para essa frente.

Considerações finais

O conjunto de normas ESG emitidas pelo Banco Central trouxe diversos desafios, em especial no gerenciamento de riscos, com novas exigências e necessidade de maior detalhamento sobre o processo de identificação, avaliação, classificação e mensuração desses riscos.

Essa maior robustez no gerenciamento integrado de riscos exige dos bancos o desenvolvimento de novos processos e metodologias, além da obtenção de um volume cada vez maior de dados confiáveis e de qualidade relacionados aos aspectos ESG, para que possam ser utilizados nas tomadas de decisão.

Apesar de todas as exigências e mudanças previstas no curto prazo, esse processo deverá beneficiar a jornada de amadurecimento dos bancos frente às demandas do mercado e dos consumidores sobre o tema.

É também um momento bastante oportuno para que bancos com diferentes níveis de maturidade no tema possam aproveitar esse período de adaptação regulatória para refletirem sobre sua estratégia e posicionamento ESG.



Resumo

O conjunto de normas ESG emitidas pelo Banco Central trouxe diversos desafios, em especial no gerenciamento de riscos, com novas exigências e necessidade de maior detalhamento sobre o processo de identificação, avaliação, classificação e mensuração desses riscos.

Essa maior robustez no gerenciamento integrado de riscos exige dos bancos o desenvolvimento de novos processos e metodologias, além da obtenção de um volume cada vez maior de dados confiáveis e de qualidade relacionados aos aspectos ESG, para que possam ser utilizados nas tomadas de decisão. 

Este é um momento bastante oportuno para que bancos com diferentes níveis de maturidade no tema possam aproveitar o período de adaptação regulatória para refletirem sobre sua estratégia e posicionamento ESG.

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