Areforma visa a simplificar o sistema tributário atual, criando um regime de creditamento amplo e de tributação no “destino”, buscando com isso reduzir os custos de conformidade e o elevado contencioso tributário.
Na esfera dos serviços financeiros, as atenções se voltam para a substituição do ISS/PIS/Cofins, já que essas atividades atualmente não se sujeitam ao ICMS/IPI.
O detalhamento do novo sistema será trazido por lei complementar (LC), sendo natural que os efeitos práticos e financeiros da reforma ainda tenham algum grau de incerteza. Contudo, já é possível traçar pontos que podem causar impactos relevantes para esses contribuintes.
Criação de regime específico para serviços financeiros
A reforma estabelece um regime de creditamento amplo, incidente sobre o montante cobrado em todas as operações nas quais o contribuinte seja adquirente de bem (material ou imaterial) ou serviço, excetuados aqueles considerados de uso ou consumo pessoal, definidos em LC, e aqueles vedados na própria Constituição.
A reforma prevê a instituição de regime específico de tributação para os serviços financeiros (artigo 156-A, § 6º, II) a ser estabelecido via LC, com possibilidade de mudanças nas alíquotas, regras de creditamento (incluindo a não aplicabilidade) e hipóteses de tributação com base na receita ou faturamento (artigo 156-A, § 6º, a e b).
A reforma define serviços financeiros, para fins de enquadramento no regime específico, como:
- Operações de crédito, câmbio, seguro, resseguro, consórcio, arrendamento mercantil, faturização, securitização, previdência privada, capitalização, arranjos de pagamento, operações com títulos e valores mobiliários, inclusive negociação e corretagem, e outras que impliquem captação, repasse, intermediação, gestão ou administração de recursos; e
- Outros serviços prestados por entidades administradoras de mercados organizados, infraestruturas de mercado e depositárias centrais, e por instituições autorizadas a funcionarem pelo Banco Central do Brasil (BCB), na forma de lei complementar.
Aqui, há uma importante mudança: a definição do regime tributário aplicável passa a ser baseada em critério objetivo (o que é prestado), e não mais em critério subjetivo (quem presta), como ocorria para determinação da aplicação do regime de PIS/Cofins das instituições financeiras e equiparadas.
Atualmente, há no mercado financeiro e de capitais participantes obrigados ao regime cumulativo (ex., bancos e seguradoras) e outros tipicamente sujeitos ao regime não cumulativo (ex., credenciadoras, instituições de pagamento, gestores de recursos), por vezes desempenhando atividades similares, gerando uma assimetria de tributação que deve ser parcialmente solucionada com a reforma.
A assimetria não será integralmente solucionada porque apenas os bancos estarão sujeitos a um regime híbrido, onde serviços remunerados por tarifas reguladas serão sujeitos ao regime geral, enquanto suas demais atividades estarão sujeitas ao regime específico.
Ainda será necessário esclarecer o regime aplicável paras as novas entidades reguladas pelo Bacen que não atingiram os limites regulatórios mínimos para solicitação da autorização de funcionamento (ex., instituições de pagamento com volumes transacionados inferiores a R$ 500 milhões).
Possível majoração da carga tributária sobre operações de seguros e extinção do IOF-Seguros
As seguradoras foram equiparadas a instituições financeiras para fins de aplicação do regime específico, sendo tributadas pelo IBS/CBS. A depender da alíquota a ser estabelecida, é possível que vejamos uma majoração da carga tributária incidente sobre as operações de seguros, especialmente porque as receitas decorrentes de prêmios de seguro não eram alcançadas por tributos municipais. Em contrapartida, e como forma de atenuar o impacto da possível majoração de tributos na formação dos preços, a reforma alterou o texto do artigo 153, V da CF, extinguindo o IOF-Seguros.
Não tributação de determinadas receitas financeiras sob o regime específico
Embora a definição dos serviços financeiros na reforma seja ampla, compreendendo diversos serviços prestados no mercado financeiro e de capitais, não nos parece que alcance toda e qualquer receita financeira.
Isso porque, a despeito da previsão de sua aplicação às operações de crédito e às operações com títulos e valores mobiliários, há diversas hipóteses em que as receitas financeiras não derivam direta ou indiretamente de qualquer serviço prestado por esses contribuintes, a exemplo das aplicações de recursos do caixa próprio, da atualização de depósitos judiciais e variações cambiais.
Apesar disso, o artigo 156-A, § 8º, da reforma dispõe que LC pode estabelecer o conceito de operações com serviços, “admitida essa definição para qualquer operação que não seja classificada como operação com bens”, abrindo uma brecha para que a LC, ignorando o artigo 110 do CTN, defina como serviço algo que claramente não o é, potencialmente alcançando algumas das receitas que citamos anteriormente.
Possível responsabilização dos intermediários de pagamento
O CTN, ao tratar das hipóteses de responsabilização tributária (artigo 128), exigia uma conexão direta com a realização do fato gerador, o que excluía, ao nosso ver, aqueles contribuintes relacionados diretamente com a transação, mas não propriamente com a realização do fato gerador — como classicamente ocorre com os bancos, credenciadoras, agentes de câmbio, entre outros, que atuam exclusivamente no pagamento da transação.
Nesse ponto, a reforma apresenta uma novidade preocupante e que vai em linha com movimentos anteriores dos estados (ex. Convênio ICMS 106/2017). Isso pois o introduzido artigo 156-A, § 3º, abre a possibilidade de definição, como sujeito passivo, da pessoa que concorrer para o pagamento da operação, ainda que residente ou domiciliada no exterior.
Possível necessidade de emissão de documentos fiscais para fins de creditamento
Em vista do atual conceito de insumos de PIS/Cofins, é incomum que os contribuintes visem se creditar de tarifas bancárias ou comissões. Logo, não há maiores prejuízos na instituição, por parte dos municípios, de regimes especiais dispensando a emissão de notas fiscais de serviços.
Com a instituição de um regime de creditamento amplo e, especialmente, com a determinação de que os serviços prestados pelas instituições bancárias remunerados por tarifas ou comissões estarão sujeitos ao regime geral, salvo limitação posterior, não há justificativas para o não creditamento dessas despesas pelos contribuintes, o que pode forçar as instituições financeiras a emitir documento fiscal em que conste o valor do IBS/CBS.
Tributação pelo destino da operação
A reforma determina, como regra geral, a tributação pelo destino da operação. Trata-se, portanto, de uma mudança sensível em relação ao que é fixado pela LC 116/2003. Embora a regra geral seja pelo destino da operação, a LC deverá estabelecer os critérios para a definição do ente de destino da operação, podendo ser este, inclusive, o local da prestação ou da disponibilização do serviço.
Visando a superar possíveis complexidades operacionais para o recolhimento descentralizado do IBS, vimos que o inciso II do arigo. 156-B da PEC atribuiu competência de arrecadação ao Conselho Federativo do IBS, ente criado nos termos da lei complementar e gerido conjuntamente por Estados, Distrito Federal e Municípios.
Não elevação do custo de crédito
O inciso II do artigo 10 da reforma orienta que o regime específico aplicável aos serviços financeiros não deve elevar o custo de operações de crédito por um período de cinco anos contados da entrada em vigor da reforma, autorizando a instituição de alíquotas e de base de cálculo diversas para atingir esse propósito.
A base comparativa utilizada será a tributação desses serviços da data de sua promulgação, atingindo, principalmente, prestadores de serviços financeiros de crédito, como bancos, sociedades de crédito direto e sociedades de crédito, financiamento e investimento.