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EY entrevista: Betania Tanure

Especialista em comportamento organizacional, gestão e liderança, a professora, consultora e conselheira de administração, Betania Tanure destaca as competências que diferenciam bons membros de Conselhos e fala sobre a crise na alta gestão das empresas pós-pandemia.

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outora em Comportamento Organizacional pela Universidade Brunel em Londres, pós-graduada em Consultoria de Gestão também na Inglaterra, e psicóloga formada pela PUC Minas, Betania Tanure tem uma carreira tridimensional, atuando na academia, como consultora e empresária, e como conselheira. Essa mistura permite compreender as perspectivas de negócio, bem como as perspectivas psíquicas de quem toca os negócios – seja no dia a dia da empresa, seja em Conselhos de Administração.

Natural de Sete Lagoas, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, ela mora na capital mineira desde os 13 anos de idade, e também tem uma casa em São Paulo. Desde criança já demonstrava habilidade para liderança. Seu pai era governador do Lions Clubs International, uma organização de causas humanitárias e voluntariado em comunidades locais, e aos nove anos de idade ela se tornou presidente do primeiro “Mini Lions”.

Depois participou de iniciativas de grupos de jovens e associações de empresários. “Ainda hoje integro alguns grupos pró-Brasil, sem articulação política partidária, mas para o bem do país e para uma sociedade mais justa”, afirma Betania.

Casada, tem dois filhos e muitos amigos. Conta que é apaixonada por seu trabalho, que a maternidade mudou sua vida de forma extraordinária, e que busca manter um razoável equilíbrio entre as áreas da vida.

Como conselheira, Betania atuou em empresas como a de vestuário Marisol, a Medial Saúde e o conglomerado de mídia Grupo RBS, Instituto Ruth Cardoso, entre outras. Atualmente está no Conselho de Administração da construtora MRV, da varejista Magalu e do Instituto Inhotim, este pro bono. Como professora convidada, lecionou em escolas de negócios internacionais como a Insead, na França, e a London Business School, na Inglaterra.

Além de ter publicado 13 livros sobre gestão, fusões e aquisições, e governança corporativa, escreveu artigos para instituições como Harvard Business Review. Além da carreira em RH, trabalhou na Fundação Dom Cabral por mais de 20 anos, como diretora de desenvolvimento de executivos, empresas e parcerias empresariais, participando do processo de internacionalização da escola de negócios.

Como consultora, atuou em diversos processos de fusões e aquisições e viu na cultura organizacional o principal desafio destas transações. “Para fazer um processo de mudança e evolução cultural é preciso entender a história da empresa e a essência da sua cultura, sob o risco de destruir as suas vantagens competitivas.” Leia na entrevista a seguir. 

1. Como foi a sua jornada até se tornar membro de Conselho de Administração?

Eu me tornei conselheira há praticamente 20 anos, numa época em que ainda não era comum a carreira de conselheira, como é hoje. Eu fui convidada porque a família referência da organização julgou que eu tinha algumas competências que poderiam agregar no Conselho naquele momento. Desde a primeira vez foi uma surpresa, eu nem imaginava, mas achei que era interessante. Porque eu tenho uma carreira acadêmica sólida, com doutorado, aula em instituições internacionais, pesquisas, publicações de livros e artigos. E outra dimensão da minha carreira é a gestão, seja como empresária ou diretora, mas especialmente na consultoria, que é pragmática, conhece com profundidade e intervém em diversas organizações por meio das pessoas nos seus mais diversos níveis hierárquicos, do Conselho ao C-level, aos gerentes, até a operação. E, quando você está no Conselho, você está em outro lugar de poder. Essa carreira com três pilares – academia, consultoria/empresarial e Conselho – a mim parece que se alimentam mutuamente de forma positiva. Participo de Conselhos tanto de empresas de capital aberto, como de capital fechado, como de ONGs e institutos, e também de Conselhos pro bono.

2. Quais as características mais importantes de um membro de Conselho, seja ele ou ela independente ou não?

Todos eles, estejam nessa categoria ou não, na minha visão, têm o desafio de serem independentes. A independência, que é imprescindível, tem três condições fundamentais. A primeira é ter as competências técnicas para compreender a estratégia do negócio, as famosas soft skills e as competências políticas – sem confundir com politicagem, ter consciência das redes de influência e estabelecer redes de colaboração de intencionalidade positiva. Se não tiver isso, fica refém das informações das pessoas que conhecem o negócio. A segunda condição, na minha avaliação, é a independência financeira. Se um profissional depender da sua remuneração como membro de Conselho, ele pode ter, consciente ou inconscientemente, dificuldade de contrapor o poder, de discordar dos acionistas, das presidências do Conselho e da empresa. Portanto, perde a sua independência. A terceira condição é não ter amarras de poder, de status. Se a pessoa depender do cartão de visita de ser conselheira da empresa X ou Y, se isso for fundamental para a sua identidade, para ser apresentada ou participar de algum fórum, a independência também está comprometida.

3. Hoje em dia, quais os temas que você dedica a maior parte do tempo enquanto conselheira?

Eu busco compreender o negócio, o setor como um todo e o seu entorno, a lógica organizacional, a cultura, a essência, as pessoas. E no momento, sobre como lidar com uma incerteza radical que a gente está vivendo no pós-pandemia. O Conselho de Administração tem um papel muito importante de ajudar a alta gestão a ter a serenidade suficiente para enfrentar desafios desconhecidos. Minha área de expertise é relacionada à cultura, gestão, pessoas, organização – como que elas engendram uma teia organizacional capaz de responder aos desafios de um mundo tão incerto.

4. Como o Conselho pode ajudar executivos e executivas a ter mais serenidade?

As nossas últimas pesquisas mostram que 78% dos executivos estão em um nível de estresse considerado insuportável. Isso é uma crise gigante. As pessoas estão tomando mais álcool, mais remédio, drogas, não dormem bem. É uma crise afetiva, inclusive. A pandemia gerou uma crise antropológica mudando as lógicas de muitos modelos de negócio e da gestão. O papel de liderança tem dois eixos fundamentais:

  1. Ao compreender com profundidade esse processo, o Conselho consegue mapear o fluxo natural do negócio e da gestão. Se a direção estiver correta, deve acelerar e se não estiver tem de mudar.
  2. Compreender o nível de ansiedade individual e organizacional e ser um calibrador disso. Se o nível de ansiedade está baixo, a empresa ou a pessoa está na zona de conforto e é preciso aumentar o nível de desafio. O Conselho aqui tem um importante papel. Mas nessa fase pós-pandêmica, a maioria está ao contrário, com o nível de ansiedade muito alto. Então, o Conselho precisa atuar para calibrar com serenidade essa tensão da liderança, para que ela encontre seu estado ótimo para performar. É preciso especialmente calibrar o nível de desafio da pessoa com seu nível de competência: uma das maiores causas da ansiedade é a percepção da competência individual e organizacional serem muito menores do que o desafio.

5. O que mudou ou continua mudando na cultura das empresas neste período em que estamos, do pós-pandemia?

Essa incerteza do mundo faz com que as previsões típicas, cenário A, cenário B, cenário C, não existam mais, esquece! Nesse momento de pós-pandemia, com reflexos durante muitos anos ainda pela frente, nós vamos precisar desenvolver muito mais as habilidades das pessoas para lidar com incertezas. Nós estamos errando quando as empresas focam o conjunto de competências hard e não o conjunto de habilidades necessárias. As receitas anteriores não funcionam mais. Essa é uma mudança profunda e pouco perceptível.

Um segundo ponto é a cultura brasileira, mega relacional, na qual o presencial, a presença física faz enorme diferença, a visão de coletivo sempre foi maior do que a visão individual, diferentemente dos Estados Unidos, que é um país mais individualista. Pela primeira vez, as organizações estão se deparando com as pessoas olhando mais para elas do que para a organização. O impacto do home office na vida das pessoas e das organizações é muito mais profundo do que a conveniência de não enfrentar o trânsito cotidianamente ou de almoçar em casa com a família. A cultura das empresas está em xeque, muitas delas desmanchando e com grande impacto em suas vantagens competitivas.

6. Como readequar a cultura sem perder a essência?

É uma mistura de arte e método. Um dos principais erros é tratar a cultura de forma superficial. Isso pode destruir uma empresa. Muitas consultorias prometem uma mudança de cultura em 6 meses: impossível! O segundo erro é achar que porque cultura virou moda, todo mundo fala sobre isso, é possível fazer sem a experiência necessária e uma consistência de conhecimento.

A essência da cultura corporativa em alguns momentos precisa ser revigorada ou precisa mudar. O primeiro desafio é identificar qual das duas situações é a da sua empresa. Por quê? Porque o método e as ferramentas são diferentes nos dois casos.

Para fazer um processo de mudança ou evolução cultural é preciso entender a história da empresa e a essência da sua cultura. Até para que você possa identificar o que você muda, o que você reforça. Nós temos uma metodologia que denominamos 5 R's, que é super bacana. Ela contribui para compreender quais os movimentos que se precisa fazer considerando a essência da organização, a estratégia de negócio, as mudanças sociais e a construção do futuro.

7. Está ocorrendo uma onda de fusões e aquisições em diversos setores. O que os membros de Conselhos de Administração precisam ter em mente para fazerem contribuições importantes nesse tema?

A onda de fusões e aquisições, muitas vezes, analisa a dimensão objetiva dos dois negócios, mas esquece de analisar a cultura e as pessoas, para além da parte mais de passivos. As nossas pesquisas mostram que 68% de presidentes de empresas que fazem aquisições dizem assim: “a empresa não atingiu o objetivo que tinha porque houve um desencontro cultural, não se cuidou da cultura da forma e da profundidade certa”. Os erros se repetem. Para além da perspectiva objetiva do negócio, analise a essência da organização e das pessoas, para ver se tem match e, se não tem, qual esforço terá de fazer para dar certo. Isso precisa ser precificado.

8. Você teria indicações culturais ou fonte de conteúdo que julgue relevante para auxiliar seus pares a refletir acerca dos desafios da posição de conselheiro(a)?

Meu último livro, “Você e Seu Barco” (publicado em 2022 pela ‎Qualitymark Editora), traz esses desafios do ponto de vista individual, do ponto de vista dos times e do ponto de vista da organização, da cultura. Talvez a melhor dica que eu posso dar é o exercício de autoconhecimento, cada um encontra a sua forma, para que possa fazer as opções corretas. Não tem jeito de ganhar tudo o tempo inteiro, mas você tem de escolher o que é mais importante. E essa escolha é individual, considerando seus valores, a sua essência, as suas competências, as suas habilidades e o que você quer deixar de legado na vida. Então, talvez a maior dica seja, procure a sua forma de ampliar o seu autoconhecimento.

Outro livro genial é “Outlive: A arte e a ciência de viver mais e melhor”, do Peter Attia com o Bill Gifford, que todas as pessoas deveriam ler.

Resumo

 

O EY Center for Board Matters (CBM) entrevistou Betania Tanure, conselheira de administração da construtora MRV, da varejista Magalu e do Instituto Inhotim (este pro bono). Experiente consultora de empresas, com foco em cultura, gestão e liderança, além de doutora em comportamento organizacional e professora, Betania falou sobre o nível de estresse considerado insuportável para quase 8 em cada 10 presidentes de empresas, e o papel do Conselho de Administração em criar a serenidade necessária para a tomada de decisões, diante das incertezas generalizadas do mundo pós-pandemia e as mudanças culturais no mercado de trabalho brasileiro.

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