EY entrevista: Francisco Petros

EY entrevista: Francisco Petros

Para o economista e advogado, conselheiro independente da Petrobras, apesar dos avanços normativos e formais da governança corporativa, sua eficácia está em crise porque depende das pessoas, suas condutas e ações concretas – passíveis de falhas e fraudes que podem se tornar riscos macroeconômicos.   

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dvogado formado pela Universidade Mackenzie e Economista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com MBA em Finanças pelo Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec), Francisco Petros se especializou em governança corporativa, compliance, direito societário, fusões e aquisições, e investigações forenses. Em meados dos anos 90, foi diretor e depois presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), e no início dos anos 2000 participou da comissão do Novo Mercado, da B3.

Integrou Conselhos Consultivos de diversas empresas, como o banco holandês ABN AMRO, antes de ser adquirido pelo espanhol Santander. Em 2015, tornou-se conselheiro de administração da Petrobras, eleito como membro independente pelos acionistas minoritários, onde está até hoje, participando também dos Comitês de Remuneração e Sucessão, Auditoria, e Finanças. Em paralelo, foi vice-presidente do Conselho de Administração da BRF, indústria de alimentos.

Hoje, além do trabalho como conselheiro, atua como árbitro da Câmara de Arbitragem do Mercado (B3), um foro para tratar de eventuais conflitos no Mercado de Capitais entre partes interessadas. Também é membro do Comitê de Ética da Vivest e do Comitê de Auditoria da Mapfre, além de sócio de escritório de advocacia, como especialista em estruturação de áreas de compliance e de integridade corporativa.

Nascido em Fortaleza há 58 anos, de mãe também cearense, pai grego e avós holandeses, reside em São Paulo, com sua esposa, médica pediatra. Tem uma filha, de 32 anos, e um filho de 34 anos e é apaixonado por cinema, arte e literatura. “São formas de reavivar o espírito crítico diante da coisa óbvia”, diz Petros, que acredita no poder de transformação social das diferentes profissões. “Nós precisamos de gente que diga mais não para o status quo. Mas não como um processo meramente revolucionário, mas como um processo de alteração e de mudanças estruturais”. Petros publicou livros sobre política e economia, e até um livro de poesias, e também atua como colunista.

1.    Como foi a sua jornada até se tornar membro de Conselho de Administração?

Eu tenho uma formação relativamente holística, trabalhei em quase todas as áreas de análise de investimento, participei de privatizações e fui consultor financeiro. Depois me tornei vice-presidente e diretor de investimentos de um dos maiores grupos seguradores do Brasil, fui diretor de banco, até me tornar advogado e iniciar a carreira jurídica. Com a união dessas experiências, fui convidado para participar do Conselho Independente da Petrobras em 2015, que foi criado para resolver os problemas decorrentes da operação Lava Jato. Fui indicado por analistas de acionistas privados, compondo um grupo de pessoas com experiência na área financeira, de análise do setor de petróleo, e com conhecimento jurídico. Foi um Conselho muito importante no revigoramento da empresa. Gosto de atuar nas áreas relacionadas a governança corporativa e compliance, as minhas especialidades na área jurídica. Fui de Conselhos Fiscais de empresas menores, pouco conhecidas, algumas nem existem mais porque na área de venture capital uma grande parte do portfólio se dissolve. Exerci funções mais complexas de governança também em associações. Fui presidente, vice-presidente e membro do Conselho da Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais (Apimec), onde integrei também o Conselho de Supervisão dos analistas do mercado de capitais, um órgão instalado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para supervisionar as atividades dos analistas de investimento. Nessas posições há funções de governança bastantes relevantes porque o Conselho é o organizador funcional das atividades dessas entidades. Esse foi um excelente aprendizado.
 

2.    Quais temas você dedica a maior parte do seu tempo enquanto conselheiro?

Participo da governança de uma grande seguradora, de uma empresa de investimentos e do Conselho da Petrobras, que é um Conselho extremamente demandante. Então eu me dedico bastante ao Comitê de Auditoria, onde os temas são muito variados e as responsabilidades bastantes extensivas e específicas, pois é também um Comitê Estatutário. O setor do petróleo é muito contestado por ser produtor de combustíveis fósseis. Então os temas ambientais, sociais e de governança (ESG), transição energética e aprovação de projetos demandam um grande tempo. Os temas de garantia e análise das demonstrações financeiras, dos controles das políticas da companhia, campanhas, estratégias, preços, investimentos, são várias temáticas relevantes. O Conselho da Petrobras é como uma mistura de vários Conselhos, porque as temáticas são muito grandes. Além dos riscos políticos dos temas.
 

3.    Você teria indicações culturais e de fontes de conteúdo relevantes para auxiliar seus pares a refletir acerca dos desafios no Conselho?

Existem duas formas de se criar referências para o papel de conselheiro de administração. A primeira é a formal, das normativas importantes, da Lei da Sociedade Anônima, da jurisprudência e regulamentação da CVM e de toda literatura existente sobre o assunto – que tem relação com alguns cursos e alguma literatura originada no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Fazer um curso de formação, portanto, auxilia nos aspectos mais formais. Outra forma é estudar sobre grandes cases de governança corporativa, ler artigos e livros sobre eles, especialmente nos quais houve rupturas relevantes de governança corporativa, como foi o da Enron (descoberto em 2001), e casos mais recentes relacionados à crise bancária de 2008 e assim por diante. No fracasso da governança corporativa encontramos os elementos mais relevantes para as suas fortalezas. Por isso, eu diria que o grande aprendizado está no estudo de casos concretos. Grandes universidades têm centros de governança corporativa e núcleos de pesquisa muito bem desenvolvidos. Lembrando sempre que esses aprendizados têm caráter holístico, devem ser analisados sob inúmeros fatores.
 

4.   Como árbitro da Câmera do Mercado da B3, quais são os tipos de casos mais frequentes envolvendo falhas por parte das empresas e qual seu impacto?

Casos relacionados com infringências de normas no mercado de capitais. Nos Estados Unidos a jurisdição obriga que os temas sejam arbitrados de forma pública. No Brasil não, os processos na Câmara de Arbitragem são confidenciais. Do meu ponto de vista isso é um paradoxo inclusive para o próprio mercado. Então, o impacto de imagem muitas vezes não existe. Os conselheiros devem evitar esses casos, cuidando do bom funcionamento do sistema de governança corporativa, que deriva de um conjunto de estruturas corporativas que devem funcionar de uma forma harmônica, com pesos e contrapesos. Assim como na Aeronáutica, um avião normalmente só cai quando existem múltiplas falhas a influenciar seu desempenho, problemas graves de governança corporativa normalmente ocorrem porque várias instâncias desse sistema acabaram por falhar. Por exemplo, se o Comitê de Auditoria funciona com rigor em relação às demonstrações financeiras, isso evita que elas sejam aprovadas pelo Conselho de forma inadequada e o Comitê de Auditoria tem mais confiança nas demonstrações financeiras, e então os controles, procedimentos e padrões e políticas da empresa são mais efetivas. Governança corporativa é uma atividade sistêmica. Ela não é uma função operacional.
 

5.    De que forma os Conselhos podem trabalhar na prevenção de falhas?

Em geral, são três categorias de grandes problemas de governança corporativa: fraudes, fracassos societários e crises de macroprocessos. As fraudes normalmente são ou de natureza financeira e contábil, ou de atividades operacionais, como fraudes sanitárias, de produtos e da operação. Também os canais de denúncia têm um papel relevante porque permitem uma ligação direta entre a alta administração, representada pelo Conselho e os seus Comitês, e o denunciante. Esses canais são muito mais efetivos do que se imagina porque um número importante de denúncias acabam por serem investigadas e maiores problemas são evitados. Já os fracassos societários ou de fusões resultam em grandes turbulências e perdas de mercado. Normalmente a governança corporativa tende a contribuir através da discussão e avaliação estratégicas de riscos. Por fim, existem crises inusitadas e desconhecidas, que resultam de macroprocessos, como os desastres naturais e os desastres que podem fazer uma modificação estrutural em certas empresas. Como a explosão na plataforma de petróleo no Golfo do México, tem até um filme sobre isso. Ou o vazamento da usina nuclear nos Estados Unidos. O caso da Boeing com o lançamento de um jato que tinha um problema operacional que resultou em várias quedas de aeronaves, e também existe um documentário a respeito. Aqui no Brasil nós tivemos a crise de Brumadinho e a de Mariana. Nestes casos, a governança corporativa normalmente tem um papel mais de repressão e de investigação. São muito importantes também os Comitês de Crise, com estruturas que levem em consideração as situações de riscos muito graves. As matrizes de risco são construídas com base em dados probabilísticos. No entanto, existem riscos que têm baixa probabilidade de acontecer, mas se acontecerem eles têm um peso muito grande. Esses riscos deveriam ter um tratamento separado e a governança pode contribuir para isso.
 

6. Como você vê hoje o ritmo e a qualidade de evolução das diretrizes de governança corporativa e compliance e sua efetividade?

A governança corporativa está passando por uma crise muito profunda e séria, porque a despeito de ter havido uma grande evolução das suas formalidades e dos ingredientes mais normativos, ela se trata de um sistema não científico, que depende das pessoas. Para ilustrar, eu diria que há pelo menos três fatores que geram essa crise. O primeiro é um certo financismo na visão da condução dos negócios corporativos. As empresas são avaliadas com base em resultados trimestrais e anuais, quando se sabe que grande parte da realização das estratégias depende de uma evolução mais longa para ser possível reconhecer o sucesso, ou o fracasso. O segundo conjunto de fatores diz respeito ao fato de que a separação entre os detentores da propriedade e os detentores da gestão é muito problemática, porque a dispersão de capital torna os interesses difusos, o que leva a uma tendência de que os gestores acabem tendo um baixo nível de supervisão. Por exemplo, nos Estados Unidos é muito comum que os cargos de CEO e de presidente do Conselho sejam ocupados pela mesma pessoa, o que tira um pouco do equilíbrio, desse check and balance das empresas, principalmente nas corporations. E o terceiro aspecto é a remuneração dos administradores, porque se junta ao financismo e gera a minimização de certos riscos na tentativa de se conseguir resultados maiores no curto prazo. Muitas das fraudes contábeis que existem no mundo resultam inclusive disso. No curto prazo, a recompensa desses administradores, muitas vezes até conselheiros, acaba sendo muito relevante. Então há uma tendência de reduzir os controles para minimizar custos e aumentar os resultados. Com isso os colapsos financeiros acabam sendo muito grandes. Na biografia do Obama, ele conta que na crise de 2008 os banqueiros iam à Casa Branca pedir a salvação dos bancos, ao mesmo tempo em que não abriam mão dos próprios bônus. Então, veja o paradoxo. Quem provocou a anarquia do sistema financeiro acabou sendo protegido, e quem estava querendo comprar a sua casa própria não – um claro e evidente efeito da governança corporativa em desfavor da sociedade. A governança corporativa hoje, se bem exercida, é uma espécie de garantia social para minimizar possíveis riscos macroeconômicos. Na Lei das S.A., os artigos relacionados aos deveres dos administradores preconizam normas abertas de forma que possam ser avaliadas para casos concretos. Então o que define um administrador diligente? Em termos teóricos não se pode fazer essa conceituação, ela só pode ser observada diante de um caso concreto. Por exemplo, diante de uma fraude, quais são os atos do administrador para que a fraude seja saneada, mitigada, eliminada?

Resumo

O EY Center for Board Matters (CBM) entrevistou Francisco Petros, economista e advogado, especialista em governança corporativa e compliance, direito societário, fusões e aquisições, e investigações forenses. Nordestino, de sobrenome grego, radicado em São Paulo, foi presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), diretor de banco e seguradora. Hoje atua como advogado, árbitro na Câmara de Arbitragem do Mercado (B3), e conselheiro independente da Petrobras. É também membro do Comitê de Ética da Vivest e do Comitê de Auditoria da Mapfre. 

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