O Brasil é o sexto país das Américas mais bem posicionado na última edição do ranking da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre governos digitais (E-Government Survey), aparecendo na 49ª colocação, atrás de Estados Unidos (10ª posição), Canadá (32ª), Uruguai (35ª), Chile (36ª) e Argentina (41ª). De 2020 para 2022, foi quem apresentou nessa região o maior crescimento, avançando cinco posições. Também melhorou sua classificação no indicador de serviços oferecidos online, saindo da 21ª colocação para a 11ª. Além disso, São Paulo ocupa a 17ª posição globalmente no ranking de serviços online locais. Contribuiu para esses resultados uma série de iniciativas do governo, como a plataforma Gov.br, que fornece acesso centralizado a diversos serviços públicos por meio de uma identificação digital única com senha.
Há, no entanto, um contraste entre esse avanço observado nos últimos anos e as percepções dos cidadãos sobre a maturidade digital do Brasil, incluindo seu potencial de evolução no futuro, conforme demonstra a nova edição do Connected Citizens, estudo global realizado periodicamente pela EY em parceria com a Ipsos Mori. Isso porque apenas 42% dos brasileiros se sentem confortáveis com o compartilhamento dos seus dados pessoais no ambiente online para acessar serviços do governo, e somente 32% têm essa percepção em relação a seus dados sendo compartilhados pelos órgãos governamentais.
O objetivo do Connected Citizens é compreender as atitudes dos cidadãos em relação à tecnologia e ao compartilhamento dos seus dados, além de suas considerações sobre os serviços públicos e suas expectativas referentes ao relacionamento com o governo. Neste ano, foram realizados dez workshops em cinco países – Austrália, Brasil, Índia, Reino Unido e EUA – para ouvir cidadãos, de diferentes perfis, sobre assuntos diversos, como sua opinião sobre os serviços digitais oferecidos pelo governo e como se dá essa interação, facilidade de acesso à internet, conhecimento digital, assim como oportunidades criadas pelo desenvolvimento da inteligência artificial e da tecnologia 5G.
O estudo traz, ainda, como as soluções digitais podem ajudar os governos a melhorar os serviços públicos e preparar sua população para um futuro que será cada vez mais digital. Para isso, o primeiro passo é aumentar a maturidade digital do país, por meio das seguintes ações principais:
1) Garantir a cobertura da infraestrutura digital para todo o país
Esse é um dos principais pontos de atenção para o Brasil, que ainda sofre com sinal insatisfatório de internet em diversas localidades, especialmente fora das regiões Sul e Sudeste. A cobertura irregular dessa infraestrutura é um dos fatores de exclusão digital, que é muito prejudicial para quem sofre dela por privar esse grupo do acesso à internet e, por consequência, de todas as suas possibilidades. Dois a cada dez brasileiros (23%) não tiveram acesso à internet em 2022.
“Alguns dos cidadãos entrevistados no Connected Citizens consideram que essa desigualdade é ampliada pela falta de educação sobre como usar a tecnologia, bem como pelos altos custos de assinatura e para aquisição dos devices utilizados, como smartphones. Para três em cada dez entrevistados, a tecnologia levará a uma maior desigualdade na sociedade, e esse número é preocupante", diz Luiz Sales, sócio da EY.
2) Aumentar a confiança da população no governo
Apenas 36% dos brasileiros confiam no governo, bem abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que está em 51%. Esse índice dialoga com as porcentagens mencionadas sobre a população não se sentir confortável com o compartilhamento de dados para acessar serviços públicos.
Os brasileiros ouvidos pelo Connected Citizens consideram ser necessário primeiro que o governo melhore os serviços públicos, como saúde, segurança e educação, antes de priorizar a digitalização. A qualidade do serviço público, aliás, é um índice que costuma interferir na percepção de confiança dos cidadãos em relação ao governo.
3) Estar em conformidade com a legislação de proteção de dados
Para contornar a desconfiança da população com a utilização dos seus dados pessoais, o governo deve promover campanhas sobre os benefícios do compartilhamento dessas informações, além de adotar altos padrões de segurança e privacidade. Para isso, o uso responsável e ético dos dados é imprescindível, assim como a inserção da autenticação multifatorial, como forma de proteção contra ameaças cibernéticas.
Ainda segundo a pesquisa, esse tratamento de dados deve estar em conformidade com uma estrutura regulatória consistente que conte com uma autoridade reguladora independente. O Brasil tem ambos, com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que se aplica inclusive ao Poder Público, e a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados). Apesar dessa regulação, os brasileiros têm a percepção de que “a internet é uma terra de ninguém”, conforme as entrevistas do Connected Citizens demonstram.
O receio se aplica inclusive em relação à identificação digital única porque há quem se sinta vulnerável com tantas informações pessoais reunidas em apenas um lugar e compartilhadas entre os órgãos públicos. Nos workshops, houve quem dissesse no Reino Unido não enxergar benefício nenhum na ID única a não ser para “os órgãos do governo que podem obrigar com que façamos coisas ou, ainda, nos controlar de alguma forma”. De fato, no Brasil, a percepção parece ser a mesma ou semelhante, já que 32% dizem que não se sentem confortáveis em ter uma única ID digital.