Quem investe em criptomoedas deve tomar cuidado para não cair em fraudes financeiras, especialmente se esse investimento for feito por meio de exchanges, que são pessoas jurídicas prestadoras de serviços referentes a operações com criptoativos, inclusive intermediação, negociação e custódia. Como essas empresas ainda não precisam se submeter à aprovação de órgãos reguladores, cumprindo por consequência uma série de obrigações legais, elas exigem do investidor um olhar mais apurado em termos de risco e confiabilidade. “É preciso analisar o histórico dos sócios dessas empresas para verificar sua trajetória e reputação, que podem ou não contribuir para a credibilidade da exchange. Há no mercado exchanges que mantêm boas práticas de negócio, reportando, por exemplo, suas transações para o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão fiscalizatório responsável por combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao crime organizado e ao terrorismo”, diz Thamilla Talarico, sócia-líder de blockchain e ativos digitais da EY Brasil.
O Marco Legal dos Criptoativos, sancionado em dezembro de 2022 e que entra em vigor em junho deste ano, obriga as exchanges a manter registro de operações no Coaf. No entanto, ele não define o órgão que regulará esse mercado. “A expectativa agora é pela publicação do decreto que definirá a autoridade responsável por esse trabalho. Ainda neste ano, outras normas infralegais serão publicadas para dar efetividade ao Marco Legal dos Criptoativos, uma legislação essencialmente principiológica que necessita, portanto, desses normativos para que tenha efetividade”, afirma Talarico.
Essas regras devem estabelecer, entre outras obrigações, que os diretores ou administradores da exchange não podem ter processos judiciais e administrativos contra eles e que, para determinado valor de ativos custodiados por ela, é preciso ter outro tanto na carteira em moeda corrente, por exemplo, criando assim uma segurança maior para o investidor de que terá seu dinheiro de volta no caso do pedido de resgate.
Nos Estados Unidos, a SEC (Securities and Exchange Commission), o equivalente à nossa CVM (Comissão de Valores Mobiliários), considera que praticamente todos os criptoativos são valores mobiliários, devendo assim ser regulados por ela. O presidente da SEC, Gary Gensler, disse recentemente que os tokens de prova de participação (proof-of-stake), que representam muitas das principais criptomoedas, deveriam ser regulamentados como valores mobiliários. “Ambos os órgãos – SEC e CVM – têm como dever proteger o investidor, a poupança popular, o que significa que, caso esse entendimento seja adotado no Brasil ou nos EUA, as exchanges serão submetidas a regras mais rígidas, oferecendo maior segurança para o investidor”, destaca Talarico.
Enquanto essas definições não ocorrem, a recomendação é tomar os cuidados abaixo.
1) Faça uma pesquisa minuciosa sobre a exchange, incluindo sócios
O investidor deve analisar a trajetória dos sócios e dos fundadores da exchange e, tão importante quanto isso, verificar se existem processos administrativos e/ou judiciais contra eles e contra a exchange. Uma indicação positiva é se os sócios e fundadores têm uma carreira em corretoras e outras instituições financeiras, o que pode indicar que gozam de credibilidade no mercado. Além disso, a orientação é checar se a exchange segue boas práticas de gestão e de prestação de contas, ainda que não exista regulação consolidada para essas empresas. Como escrevemos anteriormente, o fato de reportar suas transações ao Coaf é uma das práticas positivas e bem-vindas para o investidor.
2) Saiba que não há retorno alto e fixo no mercado de criptomoedas
Um retorno elevado fixo ao mês, como de 5%, é impossível em um mercado volátil como o de criptomoedas. “Como o bitcoin teve um período de valorização exorbitante, saindo do valor equivalente a uma pizza para chegar a dezenas de milhares de dólares em determinado momento, os investidores ainda têm essa memória, o que pode induzi-los a erro”, esclarece Talarico. “É importante considerar como parâmetro não essa fase de ouro do bitcoin, mas a média de rentabilidade de outros investimentos, inclusive variáveis, que fica muito abaixo de 5% ao mês”, observa.
3) Analise quem está recomendando o investimento em criptoativos
A sugestão da especialista da EY é fazer a si mesmo três perguntas: quem está recomendando o investimento conhece o mercado de forma geral? Além de conhecer o mercado, ele tem conhecimento sobre o mercado de criptoativos? Qual empresa é essa que estou fechando contrato para transferir meu dinheiro? Há exemplos de investidores que confiaram na recomendação de amigos ou familiares, que, na realidade, pouco ou nada conheciam sobre as particularidades do investimento em criptoativos.
4) Tenha em mente que não há mecanismos para proteger o investidor
No mercado de investimento tradicional, há todo um arcabouço regulatório com mecanismos para proteger o investidor de fraudes financeiras – ou até mesmo garantir determinado valor aplicado no caso de falência/colapso de alguma instituição. O FGC (Fundo Garantidor de Crédito), uma instituição privada e sem fins lucrativos, assegura aos clientes das instituições financeiras associadas a recuperação de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ em cada conglomerado financeiro (limite válido para a soma de produtos financeiros cobertos pelo FGC), nos casos de decretação de regime de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência.
“O mercado regulado prevê algum tipo de proteção ao investidor ou correntista, como a garantia dos seus depósitos, ainda que o banco entre em colapso. Nos Estados Unidos, vimos recentemente que o Federal Reserve [Banco Central americano] garantiu os depósitos da instituição bancária que fechou as portas. No mercado de criptoativos, não existe essa base de auxílio mantida pelo regulador, o que significa dizer que o investidor não terá qualquer amparo em casos como esse”, finaliza Talarico.