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Instituições Financeiras Brasileiras: avanços e desafios no reporte de sustentabilidade

Pesquisa Long Term Value (LTV) 2024 apresenta fortalezas e lacunas na divulgação de sustentabilidade das IFs no Brasil e América Latina

Por Rafael Schur, Sócio da EY e Líder do Segmento de Mercado de Serviços Financeiros  para o Brasil, e Fernando Silas Siedschlag, Consultor de ESG para Serviços Financeiros na EY.


Em Resumo

  • Edição 2024 atualiza e expande escopo de pesquisa anterior realizada pela EY sobre o reporte de indicadores de sustentabilidade por instituições de serviços financeiros (IFs), abrangendo agora não apenas o Brasil, mas também a América Latina, totalizando 33 instituições financeiras, entre bancos, seguradoras e gestores de ativos.
  • Utilizando metodologia proprietária Long Term Value (LTV) da EY, o estudo avalia como as entidades pesquisadas reportam informações cruciais para a geração de valor a longo prazo.
  • A pesquisa aponta pontos fortes e oportunidades de melhoria para os relatos das instituições financeiras (IFs) e destaca os principais dilemas e desafios para sua evolução.

A agenda de sustentabilidade das IFs e seu modelo de relatos baseado em indicadores financeiros e não-financeiros vêm sendo bastante desafiados pelo avanço dos debates nacionais e internacionais em torno da divulgação de sustentabilidade e mudanças climáticas, da materialidade e da influência de regulações ESG, que vêm se expandindo globalmente e particularmente no Brasil.

Os resultados da pesquisa LTV 2024, realizada pela EY, reforçam percepções do estudo anterior e identificam oportunidades de melhoria, fornecendo parâmetros para análise das divulgações de sustentabilidade na região, especialmente do Brasil.

O estudo destaca as principais métricas, os resultados por tipo de indústria/segmento e as percepções acerca da evolução em relação aos paradoxos destacados na edição da pesquisa anterior (Emissões de Carbono x Biodiversidade e Uso da Terra; Diversidade e Composição da Força de Trabalho x Saúde e Bem-estar do Funcionário; Confiança do Consumidor x Saúde Financeira do Consumidor; Fatores ESG na Tomada de Decisão x Inclusão Financeira).

As IFs podem se valer dessas descobertas para aprimorar suas práticas de sustentabilidade, fortalecer a confiança dos stakeholders e impulsionar o desempenho a longo prazo, alinhando-se com tendências globais de divulgação de sustentabilidade, atendendo às expectativas crescentes por transparência nos reportes e integração da sustentabilidade ao negócio.

Principais métricas para a amostra brasileira

Nos relatórios publicados em 2023 (ano base 2022), as métricas recomendadas pela SASB aparecem bem classificadas na pontuação geral, destacando Dados e Informação (#2), Fatores ESG na Tomada de Decisão (#3) e Ética nos Negócios (#4) com maior e melhor cobertura. Uma nova métrica adotada, Cadeia de Suprimentos (#9), já aparece com destaque, e outra nova métrica, Finanças Sustentáveis, aparece em posição intermediária (#13), destacando que essa é uma métrica de divulgação analisada exclusivamente para os bancos da amostra.

Interessante notar que as métricas que lideraram o estudo em 2021 perderam algumas posições neste ano: Emissão de Carbono (#6), Diversidade e Composição da Força de Trabalho (#7) e Confiança do Consumidor (#18), o que pode sugerir que avanços nessas temáticas demandam melhorias mais desafiadoras nos processos que as sustentam. Importante notar que Confiança do Consumidor foi a única métrica deste trio que teve uma redução de pontuação. Por outro lado, as métricas com pior performance de reporte em 2021 seguiram mal reportadas em 2022: Saúde Financeira dos Consumidores (#25) e Biodiversidade e Uso da Terra (#24), confirmando o pouco destaque que têm recebido nos reportes.

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Vale destacar que a evolução dos relatórios para as 11 instituições brasileiras analisadas na pesquisa deste ano, e que estavam na pesquisa do ano anterior, indica que métricas “padronizadas” (aquelas que sofrem influência pela regulação ou padrões de reporte de sustentabilidade) foram justamente as que tiveram maiores variações positivas, sugerindo que a regulação e/ou o padrão contribui para melhorar a cobertura e efetividade das divulgações.

Por outro lado, temas não regulados e/ou não padronizados com discussões em andamento têm menos destaque. Nesse sentido, temas como Fatores ESG na Tomada de Decisão e Gestão de Riscos são impulsionados positivamente, ao passo que Biodiversidade e Saúde Financeira do Consumidor não apresentam tendência definida, sendo mais suscetíveis às preferências de reporte de cada instituição.

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Resultados por indústrias

As indústrias analisadas são reguladas por diferentes entidades, cujas normas ESG vêm sendo implementadas com enfoques e cronogramas distintos ao longo do tempo. Por exemplo, em bancos, a exigência de uma política de responsabilidade socioambiental aconteceu em 2014, com a reformulação e o lançamento de novas normas pelo BACEN em 2021. Já no mercado segurador, a SUSEP instituiu a circular 666 em 2022, a primeira norma sobre o tema, com implementação faseada até 2025.

Assim, faz sentido que em termos de resultados por perfil de indústria (bancos, entidades de pagamentos e seguradoras), o setor bancário tenha divulgado melhor as métricas em relação aos demais, com resultados mais elevados, porém com uma maior dispersão. Já as entidades de pagamentos registram resultado um pouco menor e maior dispersão. As seguradoras, por outro lado, possuem menor divulgação relativa das métricas, mas com a menor dispersão, sinalizando um desempenho mais homogêneo do segmento.

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É importante observar que apesar de o setor bancário ter a melhor divulgação das métricas, esse desempenho é desigual quando se compara o porte das instituições. As grandes instituições bancárias brasileiras S1 têm melhor divulgação do que os outros segmentos analisados, o que é possivelmente influenciado pela maior quantidade de requisitos regulatórios a que estão obrigadas e pelo maior nível de maturidade nas práticas de sustentabilidade e gestão de riscos sociais, ambientais e climáticos.

Para o setor segurador, as métricas com maior destaque na divulgação em 2022 são as mesmas destacadas pelo estudo LTV em 2021. Diversidade e Composição da Força de Trabalho (#7), Fatores ESG na Tomada de Decisão (#3) e Emissão de Carbono (#6) são as métricas com maior e melhor cobertura para o setor segurador, respectivamente na primeira, segunda e terceira colocação. Já as métricas mais mal reportadas para a amostra total em 2022 também são as métricas pior reportadas para o setor segurador: Saúde Financeira dos Consumidores (#25) e Biodiversidade e Uso da Terra (#24). Vale destacar que Saúde Financeira do Consumidor, Biodiversidade e Uso da Terra, Confiança do Consumidor e Gestão de Resíduos e Reciclagem são métricas com divulgação melhor nas seguradoras do que nas outras instituições financeiras.

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Além disso, observa-se que as instituições bancárias brasileiras apresentam, respectivamente, a melhor e a pior divulgação das métricas analisadas na amostra total das instituições na América Latina. Das melhores 10 instituições analisadas, 5 são brasileiras, 2 são chilenas, 1 é colombiana, 1 é peruana e 1 é mexicana. Das piores 10 instituições analisadas, 9 são brasileiras e 1 é chilena. De forma geral, há pouca variação no ranking das dimensões por setor ou por pais.

Os resultados sugerem que as melhores divulgações são impulsionadas pelas maiores instituições de cada segmento nos países e que os grandes bancos brasileiros se destacam nessa agenda. Por outro lado, isso também indica que há ampla oportunidade de melhoria para o reporte de sustentabilidade das instituições financeiras bancárias não S1 e demais segmentos da indústria financeira no Brasil.

 

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Paradoxos

Principais resultados

Em resumo, a pesquisa LTV 2024 com amostra ampliada abrangendo instituições brasileiras e latino-americanas, aponta que:

  • Métricas reguladas e padronizadas (SASB) tiveram o maior crescimento em suas pontuações entre 2023 (ref. 2021) e 2024 (ref. 2022), e aparecem como as principais métricas de sustentabilidade divulgadas. Não há mudança substantiva no resultado dessas métricas quando são incluídas novas IFs brasileiras e latinas em relação à amostra original da pesquisa do ano anterior.
  • As métricas que lideraram o ranking de 2023 (ref. 2021) tiveram uma pequena melhora nas pontuações em 2024 (ref. 2022), mas não o suficiente para manter essas métricas liderando o ranking de tópicos mais bem divulgados nos relatórios integrados das IFs, aparecendo nas posições #6 e #7..
  • As duas novas dimensões adicionadas, Cadeia de Suprimentos e Finanças Sustentáveis, entraram  bem posicionadas no ranking de 2024 (ref. 2022). É importante notar que o tema Cadeia de Suprimentos é difundido para todo o setor financeiro enquanto Finanças Sustentáveis é um tema restrito às instituições bancárias.
  • As dimensões menos divulgadas, Biodiversidade e Uso da Terra e Saúde Financeira do Consumidor, permaneceram as mesmas de 2023 (ref. 2021) a 2024 (ref. 2022). Elas também permanecem nas piores posições com a adição de novas instituições financeiras do Brasil e América Latina na amostra.
  • Com exceção de três métricas, a adição de IFs brasileiras à amostra original piora as pontuações médias, demonstrando que vários participantes do setor financeiro brasileiro devem melhorar sua divulgação. A adição de IFs latino-americanas melhora as pontuações médias.
  • O setor financeiro tem muito espaço para melhorias em sua divulgação de sustentabilidade na América Latina, apesar do aumento nas pontuações LTV.

O que devemos esperar no futuro como evolução do reporte de sustentabilidade em instituições financeiras?

À medida que o setor financeiro aprofunda o entendimento e a integração de temas cruciais de sustentabilidade no negócio, as instituições financeiras veem-se à beira de uma transformação significativa em seus reportes de sustentabilidade. Os novos padrões do International Sustainability Standards Board (ISSB) - IFRS S1 e S2, os possíveis aprimoramentos na regulação nacional, como sugerem as consultas públicas do Banco Central do Brasil (BACEN) e da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), o trabalho em andamento sobre uma taxonomia sustentável brasileiro, os progressos da TNFD, entre outros fatores são forças que impulsionam um avanço relevante das práticas de sustentabilidade e que certamente exigirão a preparação das instituições para uma era de maior transparência e efetividade da comunicação de sustentabilidade.

Com a adoção obrigatória dos padrões do ISSB em companhias abertas no Brasil a partir de 2026 (afetando diretamente algumas IFs brasileiras), espera-se o espelhamento de tendências que se reflitam amplamente no mercado nacional, promovendo o alinhamento dos relatórios de sustentabilidade do setor com práticas internacionais, gerando maior comparabilidade e transparência, especialmente no que se refere à divulgação de impactos financeiros de sustentabilidade. Os padrões IFRS S1 e S2 focam na divulgação de informações sobre como questões de sustentabilidade afetam o desempenho financeiro das empresas. Isso significa que as instituições financeiras terão que reportar não apenas seus impactos sociais, ambientais e climáticos, mas também como esses impactos influenciam seus resultados e geração de valor.

Do ponto de vista da regulação, o setor bancário pode vir a ser impactado por maiores exigências em relação ao seu reporte no gerenciamento de riscos e oportunidades socioambientais (GRSAC). A consulta pública promovida pelo BACEN[1] pode resultar em aprimoramentos normativos em 2025, trazendo desafios importantes para o setor. Entre diversos aspectos, a consulta discute a possibilidade de incorporar diversas métricas qualitativas e quantitativas para risco climático (incluindo emissões financiadas e planos de transição), bem como adotar o padrão ISSB de forma obrigatória para o setor. Já a SUSEP[2] colocou em consulta pública a possibilidade de vir a estabelecer parâmetros para que produtos de seguro e de previdência complementar aberta possam ser considerados sustentáveis, contribuindo para uma padronização do mercado na classificação dos produtos, de forma a aumentar a transparência sobre os impactos do setor, bem como contribuir para direcionar a alocação de recursos do setor, de forma a alavancar o desenvolvimento econômico e social, sob o conceito de seguros sustentáveis, no âmbito da discussão sobre uma taxonomia sustentável nacional.

A taxonomia sustentável brasileira[3], iniciativa do Ministério da Fazenda, está em processo de desenvolvimento, devendo ser publicada até o final de 2024 e tornada obrigatória a partir de 2026, podendo se tornar referência para definição de setores e atividades econômicas sustentáveis no Brasil, o que tem potencial para influenciar métricas cruciais para o setor financeiro, como fatores ESG nas decisões de negócio e finanças sustentáveis, o que certamente será refletido nos relatórios de sustentabilidade.

A emergência da Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD)[4], como uma iniciativa global que visa fornecer um framework para que as empresas e instituições financeiras possam reportar e agir sobre impactos e riscos relacionados à natureza em suas atividades, é um tema que pode impactar as práticas de negócios e influenciar os reportes de sustentabilidade. No Brasil, o processo de implementação da TNFD ainda está em estágios iniciais, com poucas instituições signatárias, entre elas duas instituições financeiras. No entanto, outras instituições financeiras brasileiras estão participando de fases piloto da TNFD, buscando entender melhor como integrar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos em suas análises de risco e tomada de decisão. As regulações de BACEN, SUSEP e CVM ainda não preveem a integração dos riscos de natureza à estrutura de gerenciamente de riscos das instituições, mas podem fazê-lo no futuro próximo, a exemplo do NGFS, que divulgou recentemente framework sobre o tema, delineando caminhos para supervisão bancária e integração desse tema nas instituições.

À despeito da relevância dos temas ambientais e climáticos, e da percepção de que estes temas têm obtido maior destaque nos reportes – tendência que inclusive pode aumentar, considerando os desdobramentos acima apresentados – as IFs serão desafiadas a desenvolver indicadores mais claros e relatórios mais detalhados sobre temas ligados ao pilar do Consumidor, como confiança e saúde financeira dos consumidores, integrando-os mais profundamente em suas estratégias de comunicação de sustentabilidade, sob risco de desequilíbrio entre os principais temas de reporte para geração de valor a longo prazo, com prejuízos para transparência e percepção da criação de valor junto aos stakeholders em um tema tão caro ao core business das instituições.

A expectativa é que essa pesquisa possa ser de grande valor para as instituições financeiras, investidores, reguladores e outras partes interessadas que buscam entender melhor como as práticas de sustentabilidade estão sendo integradas nas estratégias de negócios e comunicação de sustentabilidade nas IFs brasileiras, de modo que o setor financeiro brasileiro possa fortalecer suas alavancas para geração de valor e contribuir para o desenvolvimento sustentável.


Resumo

A pesquisa LTV 2024 da EY revela avanços e desafios no reporte de sustentabilidade das Instituições Financeiras (IFs), utilizando a metodologia Long Term Value para avaliar a divulgação informações essenciais para a geração de valor de longo prazo.

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