Duas mãos com um papel

O impacto das variáveis climáticas na concessão de crédito

Tópicos relacionados

As instituições financeiras estão avançando em modelos de concessão de crédito que considerem as variáveis climáticas. 


As instituições financeiras têm tido dificuldade em avaliar a capacidade adaptativa e de mitigação de clientes e potenciais clientes em relação às mudanças climáticas, pela falta de acesso a informações confiáveis sobre riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade nos negócios.

Este será um dos assuntos da COP30, tendo em vista que os modelos de concessão de crédito são instrumentos poderosos para impulsionar negócios mais preparados para os efeitos das mudanças climáticas e voltados para uma economia de baixo carbono.

O Brasil vem se movimentando nesse sentido. Com a Resolução CVM 193, que recepcionou as normas IFRS S1 e S2 do ISSB (International Sustainability Standards Board), as companhias de capital aberto estarão obrigadas, a partir do próximo ano, a divulgar o relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade.

No caso do agronegócio, por exemplo, é muito relevante que as IFs comecem a olhar para as variáveis climáticas nos modelos de concessão de crédito. “O pagamento do crédito contratado está, em grande parte, ligado ao sucesso da safra, motivo pelo qual devem ser asseguradas as melhores práticas de cultivo e colheita considerando as particularidades das mudanças climáticas, como temperaturas mais altas e maior probabilidade de eventos extremos”, explica Rui Cabral, sócio-líder de risco e finanças para o setor financeiro da EY Brasil.

Como as instituições financeiras estão avaliando o risco de crédito no contexto atual de mudanças climáticas

A não obrigatoriedade de as empresas reportarem riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade é um entrave para as IFs. Ainda que a Resolução CVM 193 tenha recepcionado as normas IFRS S1 e S2 do ISSB, obrigando que as companhias de capital aberto divulguem, a partir de 2026, o relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, essas empresas são minoria no mercado, cujo predomínio pertence às pequenas e médias empresas, que não estão em grande parte listadas na B3. Em comparação com os EUA, o Brasil possui um número muito menor de empresas com capital aberto.

Sem informações suficientes sobre a adaptação de processos produtivos para reduzir os níveis de emissão, por exemplo, os bancos não podem avaliar se a empresa A está mais preparada do que a B em relação à mitigação das emissões de gases de efeito estufa.

Apesar desse cenário adverso, as instituições financeiras estão avançando em seus modelos de concessão de crédito, considerando as variáveis climáticas especialmente nos setores econômicos mais relevantes. O agronegócio está entre eles, já que o sucesso da safra depende das condições climáticas.

As IFs precisam definir os setores mais suscetíveis à inadimplência derivada das variáveis climáticas, para, então, incorporar essa nova forma de avaliação do risco de crédito. Os bancos têm, inclusive, a oportunidade de integrar o risco climático ao PDD (Provisão para Devedores Duvidosos), mensurando de forma mais efetiva os devedores que estão mais sujeitos aos efeitos das mudanças climáticas.

O ideal seria uma harmonização global do ambiente regulatório, por meio da unificação das regras ou do alinhamento de entendimentos dos países sobre modelos de concessão de crédito que adotem as variáveis de mudanças climáticas. Essa discussão pode ser realizada – ou ao menos iniciada – na COP30.

Tendência de reporte para o mercado como um todo

Com a obrigatoriedade do reporte de riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade pelas companhias abertas, a tendência é que esse tipo de análise de crédito se desenvolva, o que talvez impulsione o mercado como um todo para esse caminho.

O propósito das normas IFRS S1 e S2 é integrar os relatórios financeiro e de sustentabilidade, estabelecendo que os objetivos de sustentabilidade com impacto financeiro sejam contemplados no reporte, com a descrição de como serão viabilizados financeiramente pela empresa. Isso significa dizer que os objetivos de sustentabilidade traçados pela empresa que tenham impacto financeiro precisam ser considerados ou justificados no reporte financeiro.

A IFRS S1 traz diretrizes para o reporte de sustentabilidade por meio dos pilares: governança; estratégia; gestão de riscos; e métricas e objetivos. Já a IFRS S2 detalha como deve ser o reporte de riscos e de oportunidades relacionados ao clima para possibilitar ao investidor avaliar o impacto das mudanças climáticas sobre a operação da empresa.

Como o mercado financeiro pode impulsionar a migração para uma economia de baixo carbono

Em decorrência dos modelos de análise de crédito que utilizam variáveis climáticas, o crédito pode ficar mais barato para quem estiver mais preparado para responder às mudanças climáticas. Isso criará uma corrida das empresas no sentido da adaptação e, mais do que isso, mitigação dos efeitos de suas atividades. Esse financiamento servirá, portanto, para impulsionar tanto a resiliência aos efeitos climáticos como a transição para um ambiente de baixo carbono.

No momento, a maior parte desses recursos provém de programas de incentivo governamentais, mas a tendência é que o capital privado se insira fortemente nessa agenda. O financiamento climático foi pauta nas últimas COPs e não será diferente agora. Na COP 30, a nova meta de financiamento climático estará na casa do trilhão de dólares, e diversas perguntas deverão ser respondidas, como de onde virão os recursos e como eles serão aplicados nas iniciativas de combate às mudanças climáticas. O financiamento privado será essencial para atingir a capilaridade necessária no estímulo a projetos de energia renovável, de restauração florestal e de adaptação aos impactos das mudanças climáticas.

Resumo

Modelos de concessão de crédito que consideram os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade serão pauta na COP30, tendo em vista a nova meta de financiamento climático e o papel das instituições financeiras para impulsionar negócios mais preparados para os efeitos das mudanças climáticas e voltados para uma economia de baixo carbono. 

Sobre este artigo