Com a centralidade das APIs (Application Programming Interface), os ERPs (Enterprise Resource Planning) passam a ser peças-chave. Baseado num panorama claro — e ao mesmo tempo preocupante — sobre o estágio atual de preparação das empresas brasileiras frente à Reforma Tributária, a pesquisa mostra que a média geral de maturidade nas três dimensões avaliadas (Negócios, Projeções Financeiras e Sistêmico) gira em torno de 1,6 em uma escala que vai de 1 (não iniciado) a 5 (concluído). Isso indica que, embora o tema esteja na pauta diária das empresas, a execução prática ainda está em fase embrionária.
Com médias variando entre 1,47 e 1,83, a dimensão de Negócios é a que apresenta os sinais mais evidentes de baixa maturidade. O dado mais crítico está no redesenho dos footprints logísticos (1,47), o que sugere que as empresas ainda não estão integrando tempestivamente o olhar tributário às decisões estratégicas de cadeia de suprimentos e ao fim dos incentivos fiscais regionais.
Outro ponto de atenção é a análise de contratos com clientes e fornecedores (1,57), que permanece pouco explorada, apesar de ser uma frente sensível à adaptação dos negócios ao novo ambiente tributário. A preparação da função fiscal (1,77), por outro lado, aparece como uma das iniciativas mais adiantadas dentre as dimensões, refletindo o esforço das áreas técnicas de tax em se antecipar às exigências operacionais da transição.
A dimensão de Projeções Financeiras apresenta médias entre 1,37 e 1,63, demonstrando um avanço tímido no uso de dados para modelagens, projeções e planejamento. A avaliação de preços no pós-reforma (1,37) é o item com menor maturidade entre todos os avaliados, o que pode comprometer decisões de precificação, margem e competitividade. A modelagem tributária (1,50 a 1,63) e a revisão de créditos tributários (1,50) também estão em estágio inicial, o que representa um risco direto ao fluxo de caixa e à capacidade de monetização de ativos fiscais, como créditos acumulados de ICMS e PIS/COFINS.
Curiosamente, a dimensão Sistêmica apresenta os maiores índices de maturidade, com destaque para o mapeamento das operações sujeitas aos novos tributos (1,87) e os requisitos da NF-e (1,83). Isso demonstra que as empresas estão priorizando a conformidade técnica, muitas vezes impulsionadas por fornecedores de ERP e obrigações acessórias. Entretanto, o saneamento de cadastros (1,33) e o plano de transição sistêmico (1,70) ainda carecem de atenção. A falta de dados limpos e estruturados pode comprometer a qualidade das entregas fiscais e gerar retrabalho no momento da virada de chave.
Tendências e desafios: o que os dados revelam sobre o futuro da gestão tributária
Bem aproveitada, a Reforma Tributária pode catalisar a transformação empresarial em modelos de negócio mais rentáveis, mas os dados da pesquisa indicam que, embora o tema esteja ganhando espaço nas discussões internas, ainda há uma distância significativa entre intenção e execução.
Um dos achados mais contundentes é que a Reforma Tributária ainda é tratada por muitas empresas como um “projeto paralelo”, conduzido por áreas técnicas e desconectado da estratégia corporativa. A baixa maturidade média na dimensão de Negócios (1,47 a 1,83) evidencia essa desconexão.
A dimensão Sistêmica mostra que há maior atenção à conformidade técnica, com médias acima de 1,83 em mapeamento de operações e requisitos da NF-e. No entanto, esse foco ainda é reativo. A ausência de planos robustos de transição sistêmica e o baixo índice de saneamento de cadastros (1,33) mostram que a automação tributária ainda não está sendo usada como ferramenta de inteligência em maior escala.
Por fim, a baixa maturidade na revisão de contratos (1,57) e na avaliação de preços pós-reforma (1,37) aponta para um risco silencioso: contingências fiscais e comerciais que podem emergir da falta de alinhamento entre cláusulas contratuais e nova estrutura tributária.
Oportunidades: da adaptação à vantagem competitiva
Se os desafios da RT são evidentes, as oportunidades são igualmente significativas — e podem ser decisivas para empresas que enxergam a transição não como um obstáculo, mas como uma alavanca positiva de transformação.
A função fiscal, historicamente reativa, pode se tornar um centro de inteligência estratégica. A automação de cálculos, a integração com ERPs e o uso de inteligência artificial para simulações tributárias em tempo real permitem decisões mais rápidas e embasadas.
O fim dos incentivos ficais e a mudança da tributação da origem para o destino exigem agilidade para se moldar o futuro. A baixa maturidade nas projeções financeiras (média de 1,5) aponta um gap que pode ser preenchido com ferramentas de análise preditiva de dados, capazes de simular diferentes combinações de carga tributária, regimes e créditos.
A nova lógica de tributação sobre o consumo exige uma revisão das cadeias de suprimento, especialmente em relação a incentivos fiscais regionais e regimes especiais. O redesenho dos footprints logísticos, com média de maturidade de apenas 1,47, é uma das maiores oportunidades de ganho operacional e fiscal.
Sua complexidade exige governança multidisciplinar. Criar comitês internos que reúnam áreas como fiscal, jurídico, financeiro, operações e tecnologia é essencial para garantir alinhamento, velocidade e consistência nas decisões.
Recomendações práticas: um roadmap para a maturidade tributária
A Reforma Tributária representa uma mudança estrutural profunda no modelo de tributação sobre o consumo no Brasil. Para que essa transição não seja apenas uma adequação técnica, mas uma oportunidade de evolução estratégica, é essencial que as empresas adotem uma abordagem estruturada, com ações distribuídas ao longo do tempo.
No curto prazo, o foco deve estar em um diagnóstico detalhado dos impactos da Reforma Tributária na operação e no fluxo de caixa. Isso inclui simulações de créditos e débitos, revisão de contratos, mapeamento de operações e saneamento de cadastros.
No médio prazo, deve-se implementar sistemas integrados e automação de cálculos e relatórios.
A integração com ERPs, uso de IA para simulações e criação de comitês multidisciplinares são ações-chave.
No longo prazo, a área fiscal deve se transformar em um hub estratégico de dados. Isso envolve capacitação contínua, integração com planejamento financeiro e comercial, monitoramento regulatório proativo e promoção de uma cultura de inovação.
A Reforma Tributária como alavanca de transformação
A Reforma Tributária é, sem dúvida, um dos marcos mais relevantes da história fiscal brasileira, mas seu verdadeiro impacto não será medido apenas pela simplificação de tributos ou pela redistribuição de cargas — e sim, muito mais pela capacidade de as empresas se reinventarem, usando as novas regras para impulsionar o seu negócio.
Mais do que um desafio técnico, a Reforma Tributária é uma oportunidade estratégica, que convida as empresas a repensarem seus modelos de negócio, a integrarem tecnologia à gestão fiscal, a fortalecerem sua governança e a transformarem dados fiscais em decisões.
O mercado está diante de uma janela única de evolução e aqueles que souberem aproveitá-la não apenas estarão preparados para as novas regras de tributação, mas sobretudo para um novo ciclo de crescimento, inovação e competitividade.