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Reforma tributária: uma verdadeira transformação de negócios

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A reforma tributária é um divisor de águas para o ambiente de negócios no Brasil. Mais do que adaptar sistemas ou revisar alíquotas, as empresas precisam repensar sua estratégia, estrutura e cultura.


A reforma em andamento não deve ser vista apenas sob a ótica tributária. Ela representa, na prática, uma reforma de negócios, com impactos diretos sobre processos, estruturas, cadeias de suprimentos e na forma como as empresas se relacionam com clientes, fornecedores e investidores.

No último encontro CFO Fórum, promovido pela EY, CFOs e outros executivos financeiros se reuniram justamente para debater esse cenário. A discussão foi além dos artigos da lei complementar: tratou-se de entender como a transformação tributária redesenha a estratégia e exige um novo protagonismo da área financeira no sucesso das organizações. E algumas mudanças requerem atenção imediata.

Impactos na área comercial

Paula Pitão, Sócia da EY especialista em VAT, lembra que a mudança da tributação da origem para o destino, o fim dos benefícios fiscais setoriais e a introdução do split payment provocam uma revisão profunda dos modelos operacionais, da estrutura de preços e da localização de centros de distribuição e fábricas.

Um dos pontos de maior sensibilidade está nas áreas de vendas, marketing, trade e RGM. Estudos apontam que 53% dos processos serão impactados, o que exigirá revisão do go-to-market, da precificação e dos canais de venda.

Natalia Sperati, Sócia da EY especialista em estratégia, exemplifica a relevância dessas mudanças: em bens de consumo, há uma correlação de 80% entre tempo de entrega e market share, deixando claro que ajustes na cadeia podem refletir diretamente na competitividade.

Para Lucianna Costa, conselheira da Itaúsa, “a reforma tributária não é uma reforma de tributos, é uma reforma de negócios. A estrutura de precificação (por exemplo) será profundamente afetada, especialmente pela mudança da tributação da origem para o destino”.

Nesse contexto, vale ressaltar que o fornecedor ganha ainda mais relevância, tanto pelo risco de inadimplência quanto pelo impacto no crédito. Como reforça Alexandre Sandoval, diretor financeiro Latam da Novo Nordisk: “virou risco de contraparte. Você basicamente tem que fiscalizar toda a cadeia de suprimentos. As empresas precisarão auditar seus fornecedores para garantir que os tributos foram pagos corretamente.”

Além disso, a reforma pode provocar migração de consumo entre categorias com alíquotas diferentes, exigindo análises preditivas e revisão de portfólio. O e-commerce, por exemplo, tende a reavaliar seu  footprint logístico.

No varejo, os impactos são ainda mais evidentes. Élcio Ito, CFO das Casas Bahia, ressalta: “o varejo será a ponta de lança da reforma. Vai mudar todos os pilares de competitividade.” Para ele, a reforma deve ser tratada como um projeto corporativo, envolvendo todas as áreas: logística, tecnologia, pricing, contabilidade e jurídico.

Entre as principais transformações, podemos destacar:

  • Estrutura de custos: fornecedores também serão afetados, exigindo revisão de portfólio;
  • Competitividade: categorias de produtos substituíveis podem sofrer migração de consumo devido a alíquotas distintas;
  • E-commerce: em alguns segmentos, caberá rever a malha logística;
  • Estrutura societária: pulverização de CNPJs pode ser revista;
  • Fluxo de caixa: varejo e distribuidores terão de reavaliar margens e investimentos.

Cadeia de suprimentos em disrupção

A sucessão de choques recentes – Covid-19, tarifas americanas e agora a reforma tributária – evidencia que cadeias desenhadas para eficiência precisam ser redesenhadas para resiliência e agilidade, alerta Hugo Brandão, Sócio da EY especialista em Supply Chain.

Isso inclui:

  • Redesenho físico de produção, logística e distribuição;
  • Replanejamento rápido apoiado por processos flexíveis;
  • Uso de tecnologia e inteligência artificial para decisões em tempo real.

Casos como o de uma empresa de agro, que já entrega 30% de seus produtos diretamente na fazenda, mostram como o footprint logístico terá de ser repensado.

Gestão fiscal e capital de giro

A área fiscal assume um papel central na preservação da competitividade, devendo mirar algumas oportunidades bem apontadas por Thalles Paixão, Sócio da EY especialista em Corporate Tax Controversy:

  • Planejamento tributário como ferramenta de previsibilidade, apoiada por IA;
  • Monetização de créditos acumulados antes de 2032;
  • Crescimento acelerado do mercado de ativos fiscais, com operações envolvendo cessão de créditos, execuções cíveis e garantias judiciais;
  • Transações tributárias que oferecem oportunidades, como descontos de até 65% em âmbito federal e iniciativas estaduais relevantes, a exemplo de São Paulo.

Nesse sentido, demanda, custo e caixa são prioridades claras para a mitigação de riscos e a governança tributária deve ser tratada como parte integrante da gestão de capital de giro e da própria estratégia corporativa.

Perspectiva internacional e contábil

Catliane Tomiyama, Sócia de Auditoria da EY, frisa: “tudo acaba nas demonstrações financeiras. Precisamos antecipar os efeitos contábeis da reforma.” Entre eles, vale destacar:

  • Contabilização da receita; créditos tributários e impostos a pagar;
  • Transparência nas divulgações, incluindo critérios de reconhecimento, montante de créditos registrados e não habilitados, e os riscos associados à realização desses ativos, caso existam dúvidas quanto à efetivação.

Catliane também enfatizou a importância de um ambiente robusto e eficaz de controles internos.

Estratégias para preservar a competitividade

Como visto, a reforma tributária exigirá novas estruturas, maior integração entre áreas e uma visão estratégica para equilibrar competitividade, fluxo de caixa e resiliência.

O sucesso nessa jornada dependerá da capacidade de transformar a área financeira em protagonista da estratégia, apoiada por tecnologia, governança e planejamento de longo prazo.

Por fim, tendo em vista a urgência do tema, vale destacar quatro medidas de curto prazo que devem ser tomadas com um olhar estratégico:

  • Planejamento aduaneiro e revisão de políticas comerciais;
  • Exploração de regimes como maquila;
  • Fortalecimento da governança tributária como pilar de confiança para investidores e conselhos;

Monitoramento contínuo de riscos de impairment em ativos e estoques.

Resumo

A reforma tributária vai além de alterações fiscais: ela está transformando a lógica de como se faz negócios no Brasil. Mais do que ajustes técnicos em sistemas ou alíquotas, as empresas terão de reavaliar suas estratégias, seus modelos operacionais e até sua cultura organizacional.

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