A implementação do Pilar 2 inclui um período até 2027 de regras simplificadas chamadas de safe harbor para facilitar o esforço de conformidade das empresas. “A operacionalização do Pilar 2 é complexa porque envolve três mecanismos – QDMTT, UTPR e IIR – com particularidades de cálculo que requerem volume expressivo de dados tributários e de negócio por parte das organizações. Passamos por um momento em que a efetividade da aplicação desses mecanismos está sendo colocada em xeque”, destacou Priscila Vergueiro, sócia de serviços de impostos internacionais e transações da EY Brasil, que palestrou no 16º Seminário Internacional de Impostos, realizado pela EY em São Paulo com a presença de executivos de empresas de diversos setores. Ainda segundo Priscila, a posição contrária dos EUA tem trazido incerteza se esses mecanismos serão realmente implementados pelos países da forma que foram planejados inicialmente. “Há discussão inclusive sobre estender o prazo de validade dessas regras do safe harbor”, completou.
O objetivo do Pilar 2, que é parte do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), é garantir que as multinacionais paguem um imposto mínimo de 15% sobre as suas receitas globais, mesmo que elas operem em países com alíquotas mais baixas. Sob a gestão Trump, os Estados Unidos têm provocado um movimento de contestar essa tributação mínima global, o que faz com que os países que ainda não aderiram ao Pilar 2 prefiram aguardar para verificar os próximos passos dessa regulação. Em janeiro, o presidente Trump declarou que o imposto mínimo global sobre multinacionais não tem força ou efeito nos EUA, colocando oficialmente o país de fora do Pilar 2.
“No entanto, ainda que não haja a adesão dos EUA, as empresas podem ser afetadas pelos mecanismos que já foram implementados pelos early adopters como o Brasil”, observou Priscila. “Também por isso, a recomendação é que as empresas deem foco nas regras temporárias do safe harbor para verificar se elas realmente se encaixam nelas, o que, em caso positivo, significa volume menor de trabalho para estar em conformidade. Além disso, as organizações não podem deixar de olhar para sua estrutura tributária porque, se antes não havia escapatória da alíquota mínima de 15%, isso pode não ser mais realidade”, pontuou.
Em outubro do ano passado, o Brasil implementou um adicional da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) sobre os grupos multinacionais como forma de se adequar a essa tributação global mínima efetiva de 15%. Esse adicional se aplica a empresas integrantes de grupos multinacionais com receitas anuais superiores a 750 milhões de euros em pelo menos dois dos quatro anos fiscais imediatamente anteriores ao analisado. No total, 290 grupos multinacionais atuantes no Brasil estão sujeitos a essa tributação. “Na prática, aprovamos um desses três mecanismos do Pilar 2. Todos estão sujeitos ao safe harbor, permitindo, portanto, às empresas adotá-lo também para o mecanismo aprovado pelo Brasil”, explicou Priscila.
A executiva relembrou, ainda, que as multinacionais brasileiras que investem no exterior já estão inseridas nessa realidade do Pilar 2 desde antes do começo da adequação do Brasil a essas regras. Isso porque muitos desses países que recebem os investimentos de multinacionais brasileiras já aprovaram pelo menos um dos mecanismos de Pilar 2 previstos. Em escala global, de acordo com dados de 30 de abril fornecidos pelo BEPS 2.0 – Pillar Two Developments Tracker, desenvolvido pela EY, das 65 jurisdições monitoradas, 59 já contam com norma aprovada e publicada nesse sentido, cinco estão com a legislação em processo final de aprovação e uma anunciou a intenção de legislar. A União Europeia e o Reino Unido já contam com todos os três mecanismos aprovados do Pilar 2, ainda segundo a ferramenta de monitoramento da EY.
Adequação às regras globais
Para Liziane Santos, Head de Tax da Kimberly-Clark, que esteve no 16º Seminário Internacional de Impostos, o Brasil saiu de um campeonato regional e passou a jogar um torneio global em matéria tributária. “Estamos nos adequando às regras adotadas pelo mundo com inovações como Pilar 2 e novo preço de transferência. Temos de aproveitar esse momento para fazer uma análise abrangente do nosso negócio”, disse. “O passo inicial é rever o planejamento tributário com as lentes dessas transformações, incluindo a reforma dos indiretos. A Kimberly está adiantada nesse processo, o que inclui a modelagem tributária para verificar os impactos da reforma e a interação com as outras áreas, já que o impacto será sobre o negócio como um todo”.
Além disso, a executiva destacou a importância de analisar a cadeia de suprimentos como um todo, pois as transformações tributárias, com destaque para a reforma, vão igualmente impactar os fornecedores. “Não dá para olhar de forma isolada apenas para seu negócio. Isso vai deixar passar algo relevante que pode afetar a precificação, com impacto na margem de lucro. Faz parte desse trabalho a revisão dos contratos com os fornecedores”, finalizou.