Desde o lançamento da Agenda BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) em 2013, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por meio de um grupo amplo formado por 140 jurisdições, chamado de Inclusive Framework, e com um forte apoio do G20, vem trabalhando em um esforço coordenado para enfrentar práticas fiscais agressivas de empresas multinacionais.
A primeira fase do projeto, conhecida como BEPS 1.0, concentrou-se em ações pontuais para fechar lacunas jurídicas entre os sistemas tributários nacionais. Ela foi concluída em 2015, com a publicação de um relatório contendo recomendação de 15 ações diferentes que foram, em sua grande maioria, adotadas pelos membros do Inclusive Framework e vêm, de certa forma, gerando efeitos.
Com o avanço da economia digital e a crescente pressão política por soluções globais, a OCDE iniciou, em 2019, o BEPS 2.0, estruturado em dois pilares. O Pilar 1 buscava realocar direitos de tributação para mercados consumidores. Já o Pilar 2 propôs a criação de um imposto mínimo global de 15%, aplicável a grupos multinacionais com receitas consolidadas acima de € 750 milhões, com o objetivo de limitar a concorrência fiscal nociva entre países.
O Pilar 2 introduziu um conjunto complexo de regras, entre elas a Income Inclusion Rule (IIR), a Undertaxed Profits Rule (UTPR) e os regimes domésticos qualificados (QDMTT), que em conjunto buscam assegurar que as multinacionais estejam sujeitas a uma tributação mínima efetiva de 15% em todas as jurisdições onde operam, independentemente da localização de suas matrizes e de particularidades em suas estruturas de investimento.
Tais regras já estão em vigor em mais de 60 jurisdições, incluindo todos os membros da União Europeia. No Brasil, tivemos a adoção do QDMTT, agora em 2025, por meio da introdução do Adicional da Contribuição sobre o Lucro Líquido – CSLL pela Lei 15.079, de 2024. Apesar dos grandes e amplos avanços no âmbito da União Europeia e do Inclusive Framework, a posição dos EUA variou durante a última década. No governo Biden, a retórica oficial foi de apoio ao Pilar 2, embora não tenha havido mudança legislativa que de fato adotasse a sistemática proposta pela OCDE.
Com o novo governo dos EUA, agora em 2025, teve início uma forte ofensiva contra o Pilar 2, em especial contra a sistemática do IIR e do UTPR, que permitiriam que outras jurisdições tributassem grupos americanos, incluindo em relação aos lucros auferidos nos Estados Unidos.
Argumentam os EUA que a sistemática americana do Global Intangible Low-Taxed Income (GILTI), que tributa resultados das investidas estrangeiras de empresas americanas, seria equivalente ao IIR do Pilar 2, de forma que seria desnecessária qualquer alteração às regras norte-americanas para assegurar a competitividade global buscada pela iniciativa do Pilar 2. Essa ofensiva resultou na proposta de inclusão no regulamento do imposto de renda americano da Seção 899, que permitiria aos EUA retaliar jurisdições que aplicassem o Pilar 2 a grupos americanos.
Como resultado dessa ofensiva, o G7 publicou, em 28 de junho de 2025, comunicação conjunta do Grupo, propondo um novo caminho a ser adotado, o chamado “side-by-side system”. Segundo essa abordagem, empresas multinacionais sediadas nos EUA estariam isentas da aplicação da IIR e da UTPR por outras jurisdições, em reconhecimento ao caráter supostamente equivalente de certos mecanismos de tributação americanos.
Além disso, esse comunicado propõe a simplificação administrativa do Pilar 2, com revisão das regras relativas ao tratamento de créditos fiscais baseados em substância. Por outro lado, o G7 afirma ter chegado a um compromisso político dos EUA de abrir mão da aprovação da Seção 899 – o que, de fato, ocorreu, dado que a versão da chamada One Big Beautiful Bill Act, aprovada no Senado, já não incluía a Seção 899. Ficou ainda comprometido o G7 a obter aprovação da proposta “side-by-side” pelos 140 países que trabalham no BEPS 2.0 no Inclusive Framework.
Mas a proposta do G7 suscita questionamentos técnicos e jurídicos relevantes. Ao admitir um regime alternativo apenas para os EUA, a estrutura do Pilar 2 pode ficar comprometida e cria-se um precedente perigoso: a coexistência de múltiplos regimes de tributação mínima.
Além disso, a aprovação desse modelo pelos demais países da União Europeia, que já possui uma Diretiva que determina a aplicação do Pilar 2, e pelos países parte do esforço do BEPS, pode ser demorada. Aqui há que se considerar que outros países, como o próprio Brasil, poderiam se opor a uma alteração que beneficiasse apenas grupos norte-americanos.
Afinal, os grupos brasileiros já são também sujeitos no Brasil à tributação sobre os lucros auferidos no exterior, em alíquota superior àquela que incide nos EUA via aplicação do GILTI. Portanto, poderiam os grupos brasileiros também pleitear um tratamento isonômico àquele que os EUA agora pedem a seus grupos.
Uma vez havendo um acordo entre os países, transformar isso em texto legislativo aprovado por todos os membros pode tardar mais alguns meses. Durante esse período, pergunta-se o que deveriam fazer os grupos multinacionais que apuraram impostos devidos pela sistemática do Pilar 2, mas ainda não recolheram esses valores. Mas uma certeza existe: esses grupos não podem ainda abrir mão do cumprimento das regras já existentes, nem com as obrigações acessórias correlatas, sob o risco de penalidades caso o “side-by-side system” seja afastado – ou caso sua implementação seja tardia.
É preciso também ter em mente que, ainda que esses esforços resultem em eliminação, ou postergação “ad eternum” da aplicação do IIR e do UTPR, as regras domésticas, chamadas de QDMTT, como o Adicional da CSLL, devem permanecer. As regras QDMTT não estão no foco dos EUA e tampouco foram objeto do comunicado do G7 do final de junho. Dessa forma, o cumprimento dessas regras, que seguem o modelo do Pilar 2, é ainda necessário.
O Pilar 2 surgiu como promessa de justiça tributária global. No entanto, o recente comunicado do G7 revela um movimento de flexibilização unilateral, que pode gerar insegurança jurídica, desigualdade de tratamento e perda de legitimidade para o sistema tributário internacional construído pelo projeto BEPS.
Resta agora acompanhar como as demais jurisdições, para além do G7 e da UE, reagirão à proposta do “side-by-side system”. Em particular, será importante observar a posição de economias emergentes e estrategicamente relevantes — como os países dos Brics, incluindo o Brasil — cujos grupos multinacionais permanecem sujeitos à aplicação do IIR e do UTPR por terceiros, mesmo sem terem implementado integralmente o Pilar 2 em seus próprios ordenamentos.
Caso a proposta do G7 avance, consolidando um regime diferenciado para grupos norte-americanos, crescerá o risco de erosão da legitimidade e da estabilidade do arcabouço de tributação mínima global idealizado pela OCDE.
*Este artigo foi publicado inicialmente no Jota.