Entre 2010 e 2020, de acordo com o Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres (CRED), a América Latina sofreu centenas de eventos naturais de grande proporção, com prejuízos que ultrapassaram os bilhões de dólares. Como característica em comum, essas catástrofes comprometeram a infraestrutura, afetando, além das estradas, ferrovias, portos e aeroportos, o saneamento básico das regiões atingidas, o que resultou em elevados custos de recuperação. Considerando o primeiro semestre deste ano, o Brasil está entre os países latino-americanos com maiores perdas econômicas por desastres naturais, com prejuízo de US$ 5,35 bilhões causado por quatro grandes eventos climáticos em diferentes regiões do país, de acordo com relatório recente da AON. Nesse período, ainda segundo o documento, o país enfrentou duas tempestades, uma seca prolongada e uma grande enchente.
“Cada vez mais, os projetos de infraestrutura estão sendo concebidos, planejados e executados considerando a possibilidade de ocorrência desses eventos climáticos extremos, a fim de que as cidades respondam rapidamente e eficientemente a eles. Essa resposta começa por diminuir a probabilidade de danos irreversíveis à infraestrutura construída. Nesses projetos inseridos nos modelos de concessão e PPP (Parceria Público-Privada), a iniciativa privada tem compartilhado sua expertise e governança com o governo”, destaca Luiz Claudio Campos, sócio-líder de Governo & Infraestrutura da EY-Parthenon para América Latina. “Ao mesmo tempo, as cidades têm trabalhado na revisão dos seus planos diretores para que estejam preparadas para suportar os efeitos das mudanças climáticas, incluindo catástrofes naturais”, completa.
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
1) A infraestrutura resiliente é um dos temas que serão abordados na COP30. O que o mercado tem feito nesse sentido?
LUIZ: A agenda do clima é uma realidade, produzindo impactos em todos os setores econômicos. Estamos falando do agora, do presente, com diversos casos de eventos climáticos extremos que vêm à mente, como o do Rio Grande do Sul. Eles são ainda mais danosos por causa da baixa qualidade da infraestrutura nas cidades brasileiras, que não estão preparadas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas. A boa notícia é que os projetos de infraestrutura estão cada vez mais sendo concebidos, planejados e executados considerando a possibilidade de ocorrência desses eventos climáticos extremos, a fim de que as cidades ou suas regiões possam responder rapidamente e eficientemente a eles.
Em projetos de saneamento básico, por exemplo, é preciso analisar a segurança hídrica da cidade, como serviços de drenagem para evitar inundação em algumas regiões que já dão esses indícios. Muitos desses projetos de infraestrutura urbana estão sendo realizados em parceria com a iniciativa privada por meio de instrumentos muito bem-sucedidos como concessões e PPPs. Os governos de forma geral, por causa do cenário de restrição fiscal e orçamentária, não têm disponibilidade para fazer sozinhos esses investimentos. Além de contar com recursos financeiros para isso, a iniciativa privada tem expertise e governança para fazer essas obras ou intervenções que vão beneficiar a população.
No contexto do novo marco regulatório do saneamento básico, aliás, há enormes oportunidades para a iniciativa privada, já que existe uma necessidade latente de investimento nesse setor, especialmente nas regiões mais pobres do país que ainda carecem desses serviços essenciais. A meta estabelecida nessa legislação é alcançar até 2033 os seguintes índices: acesso à água tratada e à coleta e tratamento de esgoto para respectivamente 99% e 90% da população brasileira.
Nos termos da infraestrutura resiliente, é preciso verificar já na largada do projeto o grau de resiliência da região que receberá os investimentos. Se ela costuma inundar ou sofrer demais com as enchentes, isso já deve ser considerado. Afinal de contas, em caso de evento extremo, a tubulação e demais estruturas construídas no âmbito de um projeto de saneamento básico serão destruídas, o que impactará o investimento privado feito via concessão ou PPP. As empresas estão conscientes de que essa avaliação se faz no início do projeto para evitar perdas futuras.
O mesmo raciocínio vale para os projetos de mobilidade urbana, como trem, metrô e VLT, assegurando-se de que não haverá inundação que possa impactar a implantação do projeto ou sua operação depois de entregue. Isso faz com que os projetos possam até ter custos mais altos em um primeiro momento, mas são medidas necessárias – e que se pagam – para evitar retrabalho ou reconstrução, o que implica gastos ainda mais altos.
2) Como as cidades têm atuado para promover a infraestrutura resiliente?
LUIZ: As cidades têm trabalhado na revisão dos seus planos diretores. Atuamos, por exemplo, na revisão do plano diretor de Porto Alegre, com ações para os próximos anos inseridas no contexto da infraestrutura resiliente, tendo terminado esse projeto exatamente na véspera de acontecer o desastre do ano passado. De forma geral, para ser bem-sucedido, o gestor público deve pensar nas particularidades da sua cidade, o que permitirá a ele saber exatamente o que precisa ser feito em termos de infraestrutura resiliente. No caso de Porto Alegre, por causa da bacia hidrográfica da região, é essencial que sejam pensadas soluções de segurança hídrica, evitando assim a inundação que coloca a vida das pessoas em risco.
Há outras cidades que não enfrentam esse problema, mas estão sujeitas a períodos de seca longos. Recentemente, pousando no aeroporto de Goiânia, percebi queimadas no entorno. A pergunta é como a cidade está se preparando para isso – para lidar com esse risco climático. Em um país continental como o nosso, há desafios ambientais distintos que exigem respostas customizadas ao planejar como deve ser a cidade para oferecer segurança aos seus habitantes em tempos de mudanças climáticas.
Todos os níveis de governo precisam desenvolver e implantar planos de resiliência climática, mas são as cidades que talvez contem com o instrumento mais importante para isso, que é o plano diretor. A participação da iniciativa privada para viabilizar essas obras ou intervenções só ocorrerá se houver transparência e espírito de colaboração por parte do poder público e das agências reguladoras no compartilhamento dos riscos decorrentes da mudança climática. O Banco Mundial e o GFDR (Global Facility for Disaster Reduction and Recovery) estimam uma economia de US$ 4,2 trilhões pelos países de baixa e média rendas com o investimento em infraestrutura resiliente.
3) Há também uma questão da escolha do insumo adequado que suporte, por exemplo, as condições meteorológicas adversas.
LUIZ: Exatamente. A escolha dos insumos precisa considerar as temperaturas médias cada vez mais elevadas. Também por isso os contratos de concessão e PPPs são bem-vindos porque a empresa contratada precisa entregar determinado nível de qualidade do serviço. Para isso, ela vai buscar a solução mais eficiente possível e que possa trazer retorno ao seu acionista. O objetivo será encontrar insumos e processos que dão menos retrabalho e, portanto, exigem menos investimento, diminuindo, por exemplo, os custos de manutenção e tornando o projeto mais rentável para os acionistas.
Em alguns setores, como o de infraestrutura social, o que temos visto cada vez mais, na construção, reforma e manutenção de infraestruturas escolares e hospitalares, são projetos inseridos em um contexto de sustentabilidade, adotando método construtivo positivo para o meio ambiente. É a ideia da certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), que, entre outras exigências, traz a de uso de materiais que minimizam os impactos ambientais ao longo do seu ciclo de vida. Esses insumos são advindos de fornecedores credenciados por suas práticas responsáveis.
Ainda sobre utilização de insumos adequados, temos o exemplo do transporte público. Há o predomínio dos ônibus nas cidades de países de baixa e média rendas, como o Brasil. Esses veículos castigam o asfalto, resultando em custo alto nas operações de recapeamento. Há ainda uma questão de o asfalto ser geralmente de baixa qualidade, o que aumenta seu desgaste nas altas temperaturas atuais a que está submetido.
No Rio de Janeiro, tivemos situação semelhante com os sistemas de BRT circulando em vias com asfalto comum. Anos depois, os ônibus estavam arrebentados com o asfalto muito deteriorado. Atualmente, depois de uma reforma, o pavimento mais adequado foi escolhido, neste caso o concreto, o que mudou positivamente a situação, resultando em menor gasto de manutenção, redução do consumo de pneus e mais conforto para os passageiros. A próxima fronteira de sustentabilidade nesse setor é a eletrificação da frota, trazendo também impactos ambientais positivos. Outras cidades brasileiras estão implementando ou já contam com projetos de BRT como Brasília, Campinas, Sorocaba e São Bernardo do Campo.
*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com entrevistas sobre os setores econômicos que estarão em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.