As empresas ainda têm enormes desafios pela frente para responder aos efeitos da reforma tributária, que começa a ser implementada a partir do próximo ano. O impacto vai muito além do departamento fiscal, atingindo todo o negócio e demandando mudanças estruturais que impõem desafios tecnológicos, financeiros e de gestão para as empresas, independentemente do seu setor de atuação. Para garantir a sobrevivência e adaptação das organizações a esse cenário, fortalecendo seus negócios nessa nova realidade, os Conselhos de Administração ocupam papel central, mas precisam ter a iniciativa de inserir esse assunto de forma permanente na agenda corporativa. Essas foram as principais constatações do evento “Reforma Tributária e Estratégia Empresarial: Um Diálogo com Conselheiros”, realizado pela EY em São Paulo com a presença de executivos que estão liderando esses esforços.
“As reuniões mensais de conselho precisam debater reforma tributária como pauta fixa, trazendo o que houve de evolução no período, o que não houve e os motivos para isso, além de todo o aprendizado acumulado para saber o que fazer em cada etapa de conformidade ou adequação”, destacou Tânia Cosentino, conselheira de administração da WEG. Faz parte desse processo, segundo a executiva, manter diálogo aberto com entidades setoriais como a ABINEE (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) e as federações estaduais das indústrias. “A discussão interna e com essas entidades deve ser sempre estratégica e abrangente, contemplando as áreas do negócio em uma abordagem transversal, para que consigamos, além de responder satisfatoriamente à reforma tributária, atuar de forma conjunta na defesa dos setores econômicos e da atividade produtiva”, completou.
Para a economista Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional, que também palestrou no evento, a reforma trará sobrecarga inicial para as empresas, mas que, com pragmatismo e persistência, será possível obter no futuro redução de custos de compliance com apuração e pagamento de tributos. “Teremos de conviver inicialmente com dois sistemas: antigo e novo. Da forma como a reforma foi definida, não há como sair do sistema complexo de hoje para um mais simples se não enfrentarmos essa complexidade dos dois sistemas tributários simultâneos”, disse. Ainda segundo Vescovi, um dos objetivos da reforma é aproximar o Brasil das melhores práticas globais em termos tributários. “Vai ser um sistema ótimo? Não será, considerando que, em termos políticos, foi a reforma possível, e não a ideal, mas ela vai melhorar muito o que temos”, finalizou.
Na avaliação de Patrick Seixas, sócio de Indirect Tax da EY Brasil, há expectativa sobre esse ganho de competitividade para as empresas trazido pela reforma tributária. “Falando apenas de ICMS, o gestor de negócios precisa lidar hoje com 27 legislações diferentes (26 estados e o Distrito Federal), com interpretações distintas sobre esse tributo. Sofre também com o ISS, com cada um dos cinco mil municípios tendo especificidades em relação à emissão da nota fiscal”, disse. Como exemplo dessa dificuldade de interpretação, Seixas trouxe o do software, que era considerado inicialmente uma mercadoria. “Com o tempo, isso mudou, já que, com o licenciamento do software, o que era mercadoria tornou-se serviço. Há, portanto, muito litígio em torno, entre outras questões, de para quem eu vou pagar tributo, e o empresário não quer esse tipo de discussão. Essa incerteza ao empreender desestimula a atividade produtiva”, observou.
O custo que as empresas têm apenas para se manter em conformidade com o pagamento dos tributos eleva o Custo Brasil, conforme pontuou Seixas, já que o sistema tributário atual é ineficiente. “Na esfera federal com PIS e COFINS, há muito litígio em relação aos créditos. Até hoje, ninguém sabe direito o que gera e o que não gera crédito tributário”, disse o executivo da EY, que complementou dizendo que haverá alterações profundas no creditamento tributário com a reforma.
Atualização tecnológica
Rita Freitas, sócia de auditoria da EY Brasil, disse que nunca passou por uma mudança estrutural tão abrangente como a de agora em sua carreira de 25 anos. “Há três desafios principais para as empresas: atualização tecnológica dos seus sistemas; proteção em relação aos riscos cibernéticos; e capacitação da equipe para atuar com dois sistemas tributários simultâneos ao longo de sete anos”, destacou.
Em relação à tecnologia, a auditora afirmou que todas as empresas precisam passar por mudanças de ERP e atualização de sistemas, considerando que já terão de emitir, a partir de 5 de janeiro de 2026, suas notas fiscais com destaque da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Os riscos cibernéticos vêm da necessidade imposta pela reforma de constantes atualizações e intervenções de fornecedores nos sistemas das empresas, o que aumenta a vulnerabilidade. “Por sete anos, conviveremos com dois sistemas tributários simultâneos, o que traz duas apurações distintas. Nesse contexto, as empresas precisam se perguntar se as pessoas estão suficientemente capacitadas para atuar nesse ambiente”, finalizou.
Ainda em relação à tecnologia, Cosentino defendeu a revisão do sistema de TI das empresas. “Mais do que nunca, com a reforma tributária, nós, conselheiros, precisamos entender que TI faz parte da estratégia, e não mais do cost center. Vamos precisar alocar budget para revisão do ERP, para readequação dos nossos processos contábeis e para a contratação de mais pessoas dedicadas à reforma tributária. Isso tudo em um contexto de restrição de orçamento nas empresas e custo de capital absurdamente alto no Brasil”, resumiu. A preocupação deve se estender à cadeia de suprimentos, já que, se os fornecedores não se adaptarem igualmente, o creditamento tributário pode ficar comprometido. “Não adianta o meu planejamento estar impecável se a minha cadeia tem fraturas. Isso vai repercutir na minha empresa”, concluiu.
Impacto no caixa das empresas
A reforma tributária trará reflexos diretos no fluxo de caixa das empresas. Antonio Lage, sócio-líder da EY-Parthenon no Brasil, que também esteve no evento, advertiu que os mecanismos da reforma podem postergar o acesso ao caixa, exigindo que as empresas repensem sua estrutura de capital. No campo das transações corporativas de M&A, ignorar a nova realidade fiscal pode ser um problema.
“Nenhum M&A que se realize no Brasil pode ignorar os efeitos da reforma, como esse do impacto no caixa”, afirmou Lage. Ele ressaltou que o valuation (avaliação de valor) das empresas vai mudar nessa nova realidade da reforma, podendo tornar um negócio inviável dependendo do setor econômico e da estrutura das empresas envolvidas. “Temos visto que, nos processos de due diligence, os potenciais compradores e até mesmo vendedores ainda não estão olhando suficientemente para isso.”