Duas mulheres numa loja

Você não vende um produto — você encena uma experiência.

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Na hierarquia de valor, começamos na commodity, passamos pelo produto, avançamos para o serviço e culminamos na experiência — aquela que permanece na memória e, quando bem desenhada, transforma quem a vive. Na base, o produtor de commodity é tomador de preços, refém do mercado; no topo, na experiência, quem a orquestra torna-se formador de preços. É por isso que o valor de um iPhone, por exemplo, não se explica pela soma de suas muitas peças: ele precifica a experiência que entrega.

Agora, troque a metáfora por um modelo. Em The Experience Economy, os autores Pine e Gilmore sustentam que “trabalho é teatro”. Não “como se fosse”; é. Goffman, sociólogo canadense-americano, referência em microssociologia e no estudo das interações face a face, reforça: toda interação humana é uma atuação — ensaiada ou não. Em negócios, estratégia é o drama, processos são o script, trabalho é o ato e resultado é a performance. À luz desse modelo, a trajetória de uma startup pode ser lida como as quatro formas de teatro, quatro momentos que, mais do que uma sequência rígida, formam um ciclo de maturidade.

Ato I — Teatro de Improviso: encontrar sentido no caos

Nos primeiros passos, não há roteiro, não há script. Há perguntas, hipóteses, protótipos e conversas que mudam a cada insight. O improviso aqui não é desordem; é técnica para aprender — e, quem sabe, até errar — rápido onde dói, por que dói e quem pagaria para resolver. Investidores-anjo assistem a uma peça em construção; clientes iniciais e potenciais reagem ao vivo.

Objetivo íntimo do ato: sair do “produto que amamos” e chegar ao problema que o cliente paga para resolver.
Perigo: confundir improvisação com vale-tudo; “editar” cedo demais mata descobertas.

Ato II — Teatro de Rua: validar diante do público

Com os primeiros clientes, o palco é a rua. Cada apresentação muda conforme a audiência: preço, proposta, escopo e narrativa são ajustados na hora. Como no teatro de rua, não há quarta parede: o público participa, fala, reage, abandona, volta. É aqui que se testa monetização, se aprende a contar a história certa, na ordem certa; que se descobre o que funciona e o que não funciona.

Objetivo íntimo do ato: transformar acertos casuais em padrões repetíveis.
Perigo: virar “consultoria sob medida” e perder a chance de padronizar a experiência.

Ato III — Teatro de Correspondência: montar a peça

Pudovkin, cineasta e teórico soviético, um dos pais da teoria da montagem no cinema, defendia: “o fundamento da arte cinematográfica é a edição.” Depois de improvisar e performar na rua, chega a hora de editar: alinhar narrativa, oferta, onboarding, suporte, métricas e preço em um todo coerente. É quando a empresa costura as cenas dispersas e produz uma experiência consistente de ponta a ponta.

Objetivo íntimo do ato: consolidar o fit e preparar a escalabilidade sem sufocar a variação que ainda ensina.
Perigo: burocratizar cedo demais; confundir uniformidade com qualidade.

Ato IV — Teatro de Palco/Plataforma: é hora de escalar a experiência

No grande palco, papéis são claros, o script (processos e/ou códigos em linguagem computacional) é sólido e o cenário (infraestrutura, dados) sustenta execuções repetidas. A improvisação não desaparece: ela migra para espaços controlados — laboratórios, betas, pilotos. Aqui, a empresa deixa de competir apenas por eficiência e passa a disputar por experiência; e é isso que sustenta o pricing power do formador de preços em contrapartida ao tomador produtor de commodity.

Objetivo íntimo do ato: repetir com qualidade e ampliar margens sem perder vitalidade.
Perigo: engessar; esquecer que todo palco precisa de bastidores onde o improviso continue vivo.

Interlúdio — como se mata a inovação

Uma maneira eficaz de sufocar ideias é traçar linhas rígidas de onde o trabalho “começa e termina”. Limites excessivos transformam pessoas em guardiãs do escopo, não do resultado. O teatro lembra: a fronteira entre palco e plateia é porosa. Permita entradas laterais, cenas alternativas e finais abertos — é nelas que moram novos produtos, serviços e, sobretudo, experiências transformadoras para seus clientes.

Da commodity à experiência transformadora

Commodity é o chão — e nele somos tomadores de preço. Produto e serviço sobem o degrau, mas ainda brigam por eficiência. É na experiência que a empresa passa a disputar memória — e memória é margem. Um passo além, a experiência transformadora: o cliente não sai igual ao que entrou. Quando isso acontece, preço deixa de ser comparação e vira consequência.

Epílogo — um convite ao espelho

Em qual ato sua startup está agora? Que evidências sustentam essa leitura (não opiniões, mas sinais: retenção, conversão, repetibilidade, disposição a pagar)? O que você precisa editar para que a história faça sentido do primeiro ao último minuto? Onde reabrir espaço para improviso sem derrubar o palco?

Se trabalho é teatro, cada encontro com o cliente é uma apresentação — e cada apresentação é a chance de subir um degrau na hierarquia de valor. Qual será a sua próxima cena?

Resumo 

A jornada de uma startup pode ser lida como quatro atos teatrais: improviso, validação, montagem e escala. Da commodity à experiência transformadora, o valor nasce da capacidade de encenar interações que geram memória, não apenas eficiência.

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