EY entrevista Alexandre Silva

EY entrevista: Alexandre Gonçalves Silva

Uma sólida carreira executiva seguida de longeva experiência como presidente de conselho e decisões-chave de carreira tornaram o engenheiro Alexandre Gonçalves Silva especialista em estratégia e governança

Diplomático e estratégico, Alexandre Gonçalves Silva é um dos profissionais mais experientes em conselhos de administração no Brasil. Engenheiro mecânico carioca formado pela PUC do Rio de Janeiro, mudou-se para São Paulo em 2001, quando se tornou presidente da GE América do Sul – onde vive até hoje com a esposa. Nessa mesma época, começou a ter as primeiras experiências em conselhos de administração em empresas que a General Electric adquiriu ou era sócia.

Quando deixou a vida executiva, por regras de limite de idade, rapidamente veio o primeiro convite para se tornar conselheiro – da companhia aérea TAM, em 2008, onde ficou até a fusão com a chilena LAN, em 2011. Naquele mesmo ano se tornou conselheiro da Embraer, e 10 meses mais tarde assumiu a presidência do conselho – posto em que se manteve por mais de 13 anos e que o tornou referência. 

Outra posição longeva é a de conselheiro da Companhia Nitro Química Brasileira, na qual está desde 2012. Atualmente também integra os conselhos da Algar Telecom e da Iochpe-Maxion. Em maio, assumiu a presidência do Conselho da Sabesp, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, onde é conselheiro desde outubro de 2024.

Ao longo de sua carreira de conselheiro acumulou experiências nos mais variados tamanhos e modelos de empresas, com destaque para Votorantim Cimentos, Ultrapar Participações, RIOGaleão, Tecsis, Equatorial, Alupar, CSN e Tupy. Essa trajetória, e também a anterior, como executivo da Varig, da Companhia Eletromecânica Celma e da GE, entre outras, lhe confere uma perspectiva abrangente sobre o papel e os desafios de um membro e também de um presidente de conselho.

Aos 80 anos, casado, pai de três filhas e avô de uma neta, ele continua praticando a pesca submarina. Hoje mergulha mais raso, por prudência e “gestão de riscos”, e geralmente em Ilhabela, no litoral paulista. O esporte lhe trouxe muitas lições das quais descreveu no livro “Entre Mergulhos", publicado em 2020, que dedica à família.

“É uma atividade absolutamente solitária, num mundo estranho, mais escuro, e você tem que ficar totalmente focado, aprender a controlar o medo e a ansiedade, senão você perde o fôlego. Tem que gerir o risco, ser curioso e ir aprendendo novas técnicas, prestando atenção onde o peixe mora, a profundidade, a temperatura. Mas se você tiver um problema muito grande, você não consegue mergulhar, nem adianta tentar”, conta.

Na entrevista a seguir, ele compartilha outros insights valiosos sobre carreira, deveres e habilidades essenciais em um conselho de administração. 

1. Como foi a sua jornada até se tornar membro de conselho de administração?

Quando eu estava na faculdade, eu adorava aviões, máquinas, motores e consegui um estágio na Varig, depois me formei e fui convidado para ser engenheiro e me especializei em turbinas. Adorava o que eu fazia, tinha um networking grande com meus pares mundo afora – American Airlines, United, Air France, British Airways –, conhecia todos os engenheiros. Até que fui convidado para ser gerente de operações da Celma, uma empresa [adquirida pela GE em 1996] que revisava as turbinas da Varig. O brigadeiro me ofereceu 50% de aumento, eu aceitei e um mês depois estava arrependidíssimo. Por duas razões: perdi aquela vida de networking e viajar bastante; e porque me dei conta que era muito jovem e não estava preparado para ser gerente. Eu tinha centenas de pessoas reportando para mim, engenheiros e técnicos com 30, 40 anos de experiência. Fiquei superestressado.

Resolvi sair, fui até a Varig pedir para voltar e me disseram que a Varig não recontratava quem pedia demissão. As empresas eram arrogantes assim antigamente. Hoje em dia isso mudou muito. Eu fiquei tristíssimo, comecei a procurar emprego, até que recebi um convite para trabalhar no CTA [hoje DCTA - Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, da Força Aérea Brasileira], em São José dos Campos (SP). Eles queriam formar uma empresa nos moldes da Embraer, que também foi criada lá dentro, para fabricar motores no Brasil. E queriam formar um grupo pequeno para passar um ano no exterior, conversando com as empresas do ramo. Eu não tinha o menor conhecimento de como montar uma empresa.

Em paralelo, para surpresa minha, a Varig me convidou para voltar e era tudo que eu queria, minha mulher adorou, meus amigos também. Mas no fim eu resolvi ir para o CTA porque percebi que aquilo ia mudar a minha vida: conhecer assuntos novos, pessoas novas, mais interessante para minha carreira. Passamos um ano fora e foi ótimo. Éramos cinco profissionais e suas famílias. Voltamos e chegamos à conclusão de que o projeto era inviável.

Voltei para o Rio de Janeiro e fui trabalhar numa empresa da qual a Embraer era sócia, de revisão de motores, fabricação de peças, helicópteros offshore e aviação regional, e fiquei por vários anos. Um dia, o ministro da Aeronáutica me chamou em Brasília e me disse que eu seria o presidente da Celma, porque ele queria privatizar e queria um civil para preparar a empresa. Mais tarde a Celma virou GE, e ao todo passei 12 anos como presidente. No início de 2001, vagou a posição de presidente da GE América do Sul, mandei um e-mail para o vice-chairman da companhia, que era o dono da região, me candidatando. Fui entrevistado e aceito. Vim para São Paulo, em 2001, onde moro até hoje. A GE tinha limite de idade naquela época, então saí em 2007 [aos 62 anos].

Em seguida, fui convidado para o conselho da TAM, onde eu conhecia o pessoal todo. Depois para um conselho de uma empresa de energia. Eu achei que sabia ser conselheiro, porque tanto na Celma como na GE, eu participei de vários conselhos, no Chile, no México, no Brasil, de joint ventures que a GE tinha. Mas quando eu comecei realmente a participar de conselhos, eu me dei conta que precisava aprender a ser conselheiro, observando, sendo curioso, ouvindo os outros, como agem, aprendendo sobre governança, especialmente com gente mais experiente.

Comecei a estudar muito, conversei com muita gente do IBGC. E fui participando de conselhos. Em 2011, a TAM fez o acordo com a LAN para formar a LATAM, e o conselho da TAM iria acabar. Por coincidência, a Embraer estava montando um conselho, souberam que eu ia sair, porque senão seria conflito de interesse, e me convidaram. Entrei no final de abril de 2011, e dez meses depois, o presidente do conselho renunciou por questões pessoais. Me indicaram para o cargo e fiquei até o final de abril deste ano (2025), 14 anos ao todo. E, nesse meio tempo, estive nos conselhos da Equatorial, Fibria, CSN, Grupo Ultra... Estive em conselhos também de empresas menores, familiares, de dono, e acabei entendendo a diferença entre esses conselhos.

Na Sabesp, onde estou desde outubro, me convidaram para ser presidente do primeiro conselho pós-privatização, mas eu achei que não devia, pois estava na Embraer ainda, e combinei com eles que quando eu saísse eu assumiria. De acordo com IBGC, CVM, B3 e SEC nos Estados Unidos não há impedimento nenhum. Na minha opinião, presidente de conselho de uma empresa grande, listada, tem uma representatividade. Então, não me senti bem com a ideia de chamar muita atenção, ainda mais em uma empresa recém-privatizada.

2. Quais os temas que você dedica a maior parte do tempo enquanto conselheiro?

Como conselheiro, eu foco principalmente nas seguintes matérias: estratégia, pessoas, governança, gestão de riscos e compliance. Como presidente do conselho, você tem atribuições extras: preparar a pauta, priorizar os assuntos que vão ser discutidos, manter relacionamento muito frequente com o CEO da empresa e com os diretores, e estabelecer uma relação de confiança também com os conselheiros. Fazer muita reunião offline, telefonemas para arredondar os assuntos – tanto com conselheiros como com diretores. É muito ruim levar um assunto para uma reunião, uma discussão, especialmente se você for deliberar, sem que todo mundo esteja muito confortável com o tema. Porque um assunto complexo não é numa reunião que você entende tudo e decide o que vai fazer. Então, esse trabalho prévio é muito importante para ver se as pessoas estão preparadas para deliberar. Você tem que ouvir as pessoas, considerar sua cultura diferente, maneiras de pensar diferente, e tem que dar uma oportunidade para todo mundo opinar, botar para fora dúvidas, sugestões, para chegar no melhor modelo possível. É muito ruim para o clima do conselho, botar assuntos em votação sem que todo mundo tenha discutido e pensado. O presidente do conselho tem um papel importantíssimo em decisões por consenso.

3. Como os conselhos de administração podem estruturar de forma efetiva o apoio para a alta gestão conseguir lidar da melhor forma com cenários de alta volatilidade?

O conselho é o guardião da gestão de risco e precisa educar a organização toda para que cada líder identifique a que riscos a sua área está exposta – e isso engloba tudo: concorrência, volatilidade, câmbio, geopolítica etc. Se acontecer, quanto vai custar a remediação para a empresa? Se a probabilidade está alta por alguma razão e o impacto é grande, tem que trabalhar num plano de ação, um prazo para executá-lo, ter um “dono do risco”, e investir em proteções para reduzir a sua exposição. E entregar esse plano para o seu chefe, que vai consolidar com o das outras áreas até chegar à matriz de riscos corporativos. Uma empresa grande tem centenas de riscos identificados, só que eles vão ficando pelo caminho, porque o impacto pode ser grande para a área da pessoa, mas, quando se consolida para a empresa, o risco não é material – só que tem que aparecer na matriz de riscos para estar preparado e não ser pego desprevenido. Evidentemente que uma pandemia ninguém previu, é o que se chama de “cisne negro”. Agora talvez esteja uma outra pandemia.

4. Que lições você considera essenciais para conselhos que precisam equilibrar curto e longo prazo em um contexto de tantas e tão rápidas mudanças?

O que me tirava o sono na Embraer é que tem um grupo de pessoas que está sempre pesquisando novas tecnologias para os produtos que vão voar daqui a 15, 20 anos. Um outro grupo projeta modelos já existentes, fazendo melhorias contínuas, ou novos aviões. Um outro grupo fabrica. Depois, um outro grupo vende. E, depois, tem um outro grupo que dá assistência técnica, por exemplo, para o Bandeirantes, um modelo lançado há 55 anos que até hoje voa pelo mundo. Então, na empresa tem ao mesmo tempo gente que vive no contexto tecnológico de 1970 e gente que vive no de 2050. São 80 anos defasados. O conselho e a diretoria têm que ter um entendimento muito forte de que, se não olhar o longo prazo, 20 anos para frente e parar de investir nisso, você condena a empresa à morte daqui a 15 anos. Você tem que viver cuidando do curto prazo, e, ao mesmo tempo, cuidando do muito longo prazo mesmo – e os dois têm prioridade.

5. Na sua visão, qual é a principal habilidade que um conselheiro deve desenvolver para navegar os desafios complexos do ambiente de negócios atual?

A Embraer há vários anos desenvolveu uma matriz de competências, publicada no Manual da Assembleia, que está no site. E lá há umas 20 competências importantes de ter no conselho, e na renovação de conselheiros, busca-se, deixar essa matriz de forma equilibrada. O conselho não é lugar para ter especialista – este deve fazer parte de um comitê, um grupo de trabalho. No conselho é preciso ter gente capaz de se aprofundar em determinadas áreas, mas com experiência bastante larga em outros assuntos.

6. Como os conselhos podem liderar a integração de metas ambientais, sociais e de governança (ESG) e sustentabilidade em setores com ciclos longos, alta intensidade de capital e complexidade regulatória?

Assuntos ESG fazem parte da pauta permanente do conselho e têm comitê com especialistas tanto de fora como de dentro da empresa. Por exemplo, na Sabesp, a cada reunião a gente fala sobre segurança do trabalho. A questão do meio ambiente é olhada com muita frequência. A parte social também. A questão da diversidade deve ser olhada com muito cuidado, fazer um esforço preparatório muito grande para atender as minorias com meritocracia.

7. Você teria indicações culturais ou fontes de conteúdo que julga relevantes para auxiliar seus pares a refletir acerca dos desafios da posição de conselheiro?

Os cursos do IBGC são muito bons para quem está começando, e depois tem cursos mais avançados – Harvard, Columbia, Insead. Você tem que ter curiosidade e prestar atenção, especialmente nos erros. Saber o que gosta, não gosta e perguntar muito. Não pode ter vergonha de perguntar aos seus pares qualquer dúvida que tiver. Tem que falar também, botar a sua opinião para fora. Agora, o mais importante no conselheiro chama-se disciplina. Se você não tiver disciplina de se portar em uma reunião de pares, onde não existe a relação chefe-subordinado, aí você vai estragar o ambiente, a reunião fica comprometida. Tem que respeitar a opinião dos outros, saber ouvir. E se a presidência do conselho nota uma coisa dessa, deve chamar a pessoa para almoçar, ou para tomar um café, bater um papo e dar um feedback individualmente em relação a isso. Já tive que fazer algumas vezes. Uma conversa, franca, amistosa para chamar a atenção. Você vai mostrar que a pessoa tem conteúdo, mas vai precisar aprender a se comportar para passar a experiência dela de uma maneira mais tranquila, para não estressar o grupo.

Resumo

O EY Center for Board Matters (CBM) entrevistou Alexandre Gonçalves Silva, conselheiro de administração de empresas como Iochpe-Maxion, Algar Telecom e Nitro. Presidente do conselho de administração da Sabesp, e ex-presidente do conselho da Embraer. Com uma trajetória marcada pela liderança em grandes corporações, como a GE, e pela prática de pesca submarina, ele compartilhou seus aprendizados, insights sobre carreira, e destacou a importância de características como curiosidade, disciplina e saber ouvir. Também abordou sobre como lidar com a volatilidade do ambiente de negócios e a importância de equilibrar estratégias de curto e longo prazo.

Sobre este artigo