EY entrevista Cátia Tokoro

EY entrevista: Cátia Tokoro

Depois de 25 anos como executiva, a engenheira Cátia Tokoro, especialista em marketing e vendas B2B, decidiu se tornar conselheira de empresas, geralmente atuando como membro independente, com foco em ESG, tecnologia e inovação.

Neta de japoneses, nascida na capital de São Paulo e criada no Rio de Janeiro, a engenheira eletricista Cátia Tokoro trabalhou como executiva nos setores de tecnologia da informação e telecomunicações durante 25 anos. Aos 51, é casada, tem dois enteados e vive na capital carioca.

Começou a carreira na IBM, na área de soluções para empresas de energia, depois passou para área de aluguel de hardwares. Mais tarde ingressou na operadora Oi, nas áreas de marketing e vendas, até chegar à vice-presidência de negócios B2B (business to business, entre empresas). Dois anos antes de encerrar sua carreira como executiva, passou a estudar sobre governança.

Atualmente é conselheira independente da provedora paulista de internet Desktop, da varejista de produtos para animais de estimação Petz, e atua como conselheira consultiva independente da Imagem - Soluções de Inteligência Geográfica. É professora convidada do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e foi conselheira da seguradora SulAmérica e da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Eletrobras Chesf).

As pautas de sustentabilidade, inovação, tecnologia, modelos de negócio e governança são seu foco, além de marketing e vendas. “Quanto mais competências desenvolvermos, mais aptas estaremos para as posições em Conselho”, diz Cátia. “A visão feminina ajuda a enriquecer as discussões no Conselho para que as decisões em colegiado realmente consigam servir cada vez melhor às companhias”.

1. Como foi a sua jornada até se tornar membro de Conselho de Administração?

Sou engenheira de formação e nunca atuei como engenheira, mas acho que a engenharia ajuda a ter uma visão mais holística em relação a processo, procedimentos e fluxos. Eu fui executiva durante 25 anos nas indústrias de TI Telecom, sempre na área de negócios e sempre B2B, com venda de serviços, software e hardware. Minha última posição foi de C-Level, em 2018, e resolvi investir na carreira em Conselhos. O primeiro convite veio em 2019, para um Conselho Consultivo de uma empresa familiar de 35 anos, e foi com base em networking. O executivo que tinha trabalhado comigo na Oi estava nessa empresa e comentou que estavam buscando uma conselheira, porque só tinha homens no Conselho, e queriam alguém com vivência de tecnologia e negócios focada em B2B. Eu já tinha feito a formação de conselheira em 2016, pensando em me relacionar e interagir melhor com o Conselho de Administração. Estava numa posição C-Level e tinha muita exposição ao Conselho, queria entender as boas práticas de governança. Quando deixei de ser executiva resolvi voltar a estudar, então eu fiz a certificação, entrei no Programa Diversidade em Conselho (PDeC), que é um programa de um ano de mentoria para aumentar a participação de mulheres em Conselhos, e investi muito em networking, porque me dei conta que minha rede era de executiva e não de conselheira. Fiz formações adicionais: em gestão de riscos; em mediação de conflitos e facilitação de diálogos; fiz o curso de Disruptive Strategy, do Clayton Christensen em Harvard. E ao longo dos últimos anos fiz pelo menos duas ou três formações por ano com focos complementares, sempre pensando em servir melhor às companhias como conselheira. O segundo convite foi para uma companhia aberta, surgiu com base em networking, também era um Conselho que só tinha homens. Eu já tinha trabalhado junto com a VP de RH dessa empresa, ela me perguntou onde conseguir uma base de dados de potenciais conselheiros. Fiz a aproximação dela com o IBGC e o banco de certificados, também com o pessoal do WCD, o Women Corporate Directors. Houve um processo de seleção, me candidatei e fui selecionada. Meu terceiro Conselho de Administração foi através de indicação dentro da rede do WCD. Atualmente sou também conselheira fiscal de uma empresa por indicação de um fundo de previdência, onde também me cadastrei no banco de conselheiros, a partir de um processo bastante diligente, com comprovação de experiência, formação, certificação, língua estrangeira.

2. Quais temas você dedica a maior parte do seu tempo enquanto conselheira?

Em todas as empresas, independentemente da indústria, estágio de maturidade e porte, as pautas transversais são ESG (aspectos ambientais, sociais e de governança) – inclusive coordenei um Comitê de Sustentabilidade –, e as pautas de inovação e transformação. ESG é um tema muito amplo, então se não tiver um foco é muito fácil se perder nos direcionamentos e consequentemente nas ações. Sempre incentivo a criação da matriz de materialidade, quando a empresa ainda não tem, ou uma atualização dela. O nível de conhecimento e proficiência entre os conselheiros é distinto, então sempre vale um letramento para que todos tenham pelo menos uma base mínima para ter uma discussão rica. Entender o que já existe na companhia, quais são os dados, os indicadores medidos e acompanhados, e então trabalhar nas prioridades, nas ambições, no desdobramento de metas para os executivos das posições-chave na companhia, sempre alinhado com a estratégia do negócio. E depois exercer o papel de monitoramento, de supervisão com base nessas priorizações. Também considerando fator-chave nessa pauta que é a integração, a pauta ESG tem que estar totalmente integrada à estratégia do negócio.

3. Integração é um termo que ouvimos muito em TI, mas não tanto ainda em ESG. Você vê correlações entre essas áreas?

Eu vejo várias conexões. Algumas empresas até falam da pauta de inovabilidade, que é inovação com sustentabilidade, porque as empresas se colocam muitas metas, às vezes sem saber como vão conseguir entregar. E para conseguir tem que fazer diferente, tem que inovar. Quando eu penso em integração, eu volto à matriz de materialidade que vai indicar quais são os temas que são mais relevantes para o modelo de negócio e para o momento. O paralelo que eu faço com a área de TI, principalmente nas grandes empresas, é de que há vários sistemas – legados, de mercado – e para que as coisas fluam com menos atrito possível essa integração é totalmente necessária. Isso é, para que o tema da sustentabilidade consiga progredir, e não se tenha a discussão do “ou”, mas do “e”. O “e” vai funcionar quando conseguirmos mostrar que se trata de um tema totalmente interligado à estratégia do negócio. Segurança cibernética é um tema de tecnologia e de ESG que está ligado ao S, os aspectos sociais, e que vale para qualquer tipo de empresa que precisa se atentar para a privacidade dos dados – é um risco que pode paralisar uma empresa, pode expor colaboradores, clientes, e causar uma série de implicações. Eu acredito muito na inteligência coletiva, o Conselho é um colegiado e a ideia é que o potencial desse Conselho seja maior do que o somatório dos conhecimentos individuais. Pensando juntos podemos construir estratégias e soluções mais ricas e isso só vai funcionar a partir de uma integração dentro deste colegiado. É importantíssimo que haja uma transversalidade e uma integração entre os Comitês que assessoram o Conselho.

4. Você teria indicações culturais e de fontes de conteúdo relevantes para auxiliar seus pares a refletir acerca dos desafios no Conselho?

Acredito no aprendizado sem preconceitos. Vale podcast, webinar, livros, cursos, conversas, mentorias – tudo isso são fontes de aprendizado. Eu procuro fontes e temas diferentes. De literatura, que não é óbvio, mas ajuda na reflexão e conexão, recomendo os três livros da Carla Madeira. Também a trilogia do Laurentino Gomes sobre escravidão, para olhar a nossa história a partir de uma outra perspectiva. Porque a história que a maioria de nós estudou na escola parte de uma visão muito eurocêntrica. Ter uma visão mais ampliada do nosso passado talvez nos ajude a entender melhor o nosso presente e alguns desafios que temos no curto, médio e longo prazo com relação à diversidade, equidade e inclusão. Estou lendo agora 2041 (de Chen Qiufan e Kai-Fu Lee, publicado em 2021), que fala de inteligência artificial, um livro que mescla histórias fictícias com possibilidades que a inteligência artificial pode trazer, para o bem e o mal. Traz boas reflexões e se conecta com alguns livros que li do Alexandre Di Miceli sobre ética.

5. Na sua opinião quais assuntos e tendências em tecnologia e telecomunicações conselheiros e conselheiras devem estar atentos?

A inteligência artificial, certamente, não só pelo lado do potencial, mas também dos riscos associados à segurança cibernética, privacidade e vazamento de dados. Entender a evolução da tecnologia 5G e o que ela traz de novidade em conectividade e modelos de negócios. A realidade virtual e a realidade aumentada, que podem trazer novos modelos de negócios associados. O metaverso. Sempre com atenção não só à digitalização, quando um processo analógico é automatizado e se torna digital, mas às transformações digitais, que é realmente pensar como fazer um negócio diferente, repensando modelos de negócio, produtos, serviços. Isso tem que estar na pauta dos Conselhos. De inteligência artificial estamos vendo o ChatGPT (um protótipo de um chatbot desenvolvido pela OpenAI especializado em diálogo) já com várias possíveis aplicações, inclusive tirando grandes empresas de tecnologia de alguma zona de conforto. Onde tem luz, tem sombra, e o lado sombra são as discussões sobre ética. Se não tiver um cuidado com a diversidade do time que monta, treina e ensina esses algoritmos se corre um risco maior de ter vieses. E outro ponto é ter gente formada. Muitos empregos tendem a sumir, então olhando o papel social das empresas, como é que elas preparam os colaboradores para evoluírem também nessa frente? Meu pai outro dia me ligou, ele é engenheiro e trabalhou com tecnologia a vida toda, está com 81 anos, e me perguntou se eu já tinha visto o ChatGPT. Ele já estava testando, brincando com o robô, bem antenado. E essa é uma outra tendência para os Conselhos ficarem atentos: as pessoas estão vivendo mais, estão mais tempo na ativa, há um potencial do que chamam de economia prateada, e as empresas têm de estar atentas para isso.

6. Na sua opinião, o que grandes empresas podem aprender com startups e scale-ups e vice-versa?

As grandes empresas podem se inspirar na agilidade, no processo de tomada de decisão e até na assunção de alguns riscos, de inovar e de fazer diferente, coragem de errar e de se expor. Trabalhar em squads, sair um pouco do seu silo e conseguir trabalhar com outras áreas de forma mais fluida e transversal, pensando sempre em construir alguma coisa e resolver de fato problemas da vida real. No sentido contrário, as startups podem se inspirar na governança, que para mim vale para qualquer CNPJ, claro que em complexidades diferentes, de acordo com a indústria, o porte, a maturidade da empresa. O importante é começar e não cometer erros evitáveis, trabalhar o networking, o relacionamento, que é muito importante para os empreendedores, e aprender que alguns processos não são burocracia, mas formas de mitigar riscos futuros.

7. Por que você decidiu investir em startups?

Sou uma investidora anjo desde 2017 por dois motivos. Primeiro é para estar em contato com esses empreendedores, que são brilhantes, e para estar também sempre atualizada em novos modelos de negócios, novas tecnologias que me ajudam nos Conselhos das grandes empresas. Por outro lado, posso ajudar esses empreendedores com o que eu aprendi. Todas as minhas investidas são a partir do conceito Smart Money, startups que têm alguma correlação com o que eu vivi na minha carreira como executiva. Quase todas são SaaS (software de serviço por assinatura) e B2B.

8. O que mudou no marketing e vendas entre empresas nos últimos anos e de que forma impacta o preparo e o trabalho dos conselheiros?

Mesmo sendo B2B eu gosto de pensar que é um H2H – human to human, isto é, uma pessoa representando uma empresa, fazendo negócio com outra pessoa e isso não muda. Por mais que tenha digitalização e virtualização desse tipo de negociação, a gente nunca pode esquecer o fator humano. Para quem vende é sempre um desafio maior ter de buscar uma perspectiva nova que ajude o seu cliente a maximizar receitas, ou a minimizar custos, mas melhorar o resultado, resolver problemas. Para quem compra também o desafio é cada vez maior, porque são muitas ofertas, muitas variações para entender como fazer o melhor negócio, mitigando riscos.

Resumo

O EY Center for Board Matters (CBM) entrevistou Cátia Tokoro, engenheira com 25 anos de experiência em marketing e vendas B2B nos segmentos de telecomunicações e tecnologia da informação. Radicada no Rio de Janeiro, se preparou para migrar de executiva a conselheira de empresas em 2019, estudando e se certificando pelo IBGC, onde também atua como professora convidada.

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