EY entrevista Christiane Edington

EY entrevista: Christiane Edington

Especialista em tecnologia e telecomunicações, a conselheira Christiane Edington aborda inteligência artificial, cibersegurança, preparação para crises climáticas e geopolíticas e a participação de mulheres no setor.

Depois de uma extensa trajetória como executiva de tecnologia, Christiane Edington decidiu se tornar conselheira de administração. Desde 2015, integra ou integrou os Conselhos de companhias de tecnologia, varejo e indústria, como Lojas Renner, JHSF, Grupo DPSP (Drogaria São Paulo), Bebidas Fruki, Padtec (de gestão de telecom) e Grupo Oesía (multinacional espanhola de engenharia industrial e digital).

Em 2019, aceitou o desafio de presidir durante um ano a Dataprev, empresa pública de tecnologia para programas sociais estratégicos, impactando a vida de milhões de brasileiros. Nascida em Jequié, na caatinga baiana, se mudou aos 17 anos para Salvador para estudar Processamento de Dados. Mais tarde, fez MBA na Fundação Getulio Vargas (FGV) e na Universidade de Navarra, na Espanha.

Casou-se com seu namorado da faculdade e teve dois filhos, que hoje estão com 33 e 24 anos. A família se mudou para São Paulo, em 2002, para apoiá-la na carreira. Atualmente ela também faz parte do Conselho da CIONET, uma comunidade de profissionais sêniores de tecnologia, bem como da MCIO, uma rede de mulheres para aumentar a inclusão feminina, e do programa Winning Women Brazil, da EY, para apoiar empresas fundadas ou geridas por mulheres.

Aos 59 anos, Christiane coleciona mentorias que realizou para ajudar mulheres a prosperarem não só no setor de tecnologia, mas em qualquer segmento, inclusive em suas vidas pessoais. Confira na entrevista a seguir.


1. Como foi a sua jornada até se tornar membro de Conselhos de Administração?

Minha trajetória começou na indústria de telecom. Quando eu escolhi qual faculdade ingressaria, tinha certeza que seria da "área 1" (associada às ciências exatas e tecnológicas). Processamento de dados estava começando e resolvi experimentar. Um pouco parecido com o que eu fiz ao decidir pela carreira de conselheira. Era um tema mais novo, onde o potencial de crescimento era muito grande, e eu tenho a personalidade de me adaptar e tirar o melhor das oportunidades.

Por volta de 2015, ficou muito claro para mim que a tecnologia deixava de ser para as empresas algo visto como custo, e cada dia mais seria vista como um diferencial competitivo. Em 2016, resolvi testar essa minha crença, sair da carreira executiva e tentar a carreira em Conselhos. Não basta só ter o conhecimento de tecnologia, tem que saber como isso pode ajudar no negócio. Assim que eu me desliguei da empresa em que eu trabalhava, uma startup que vinha crescendo muito e eu, enquanto executiva, sempre chamava pra conversar, orientar, até porque eu queria o melhor serviço possível sendo prestado, me fez o convite para ser conselheira. E a partir daí vieram outros, a maioria de empresas listadas, de grande porte.

Em 2019, dei uma pausa na carreira de Conselho, não 100%, quando recebi o convite para presidir a Dataprev e foi uma experiência excepcional. Digitalizamos o INSS, e em menos de 4 meses tinha 20 milhões de pessoas acessando o aplicativo, sem precisar mais pegar um transporte para ir até uma agência receber. Também criamos, junto com o SERPRO, o Governo Digital (www.gov.br) e a Carteira de Trabalho Digital. No ano seguinte veio a pandemia. Depois de um ano e pouco eu passei a ser conselheira do Dataprev e aí voltei com força pra minha vida de Conselhos. Foi uma experiência muito enriquecedora e gratificante, aprendi muito. Assim como a carreira de conselheira tem uma troca muito rica, de conhecimento e cultura diversos, e intelectualmente desafiadora.

2. Quais temas você dedica a maior parte do seu tempo enquanto membro de Conselho de Administração?

Principalmente ligados à tecnologia, como digital e cibersegurança, e agora, especialmente, inteligência artificial (IA), um tema que eu me dedico cada vez mais. Também a governança corporativa, de uma forma mais ampla e ESG.


3. Quais os novos principais riscos cibernéticos que as empresas públicas e privadas dos diferentes setores podem estar acometidas neste momento?

O risco cibernético vem crescendo bastante. O número de empresas que foram afetadas nos últimos cinco anos é maior do que a soma dos últimos 20 anos. E com a IA, o risco aumenta muito. A empresa tem que se proteger, com ferramentas específicas, mas não só. A forma com que a sua arquitetura tecnológica é construída determina muito o quão frágil ou exposta a companhia está. O Conselho precisa entender o grau de exposição da companhia e o que pode ser feito para mitigar os riscos, e proteger não só os dados da companhia, como também os dados dos clientes.

A depender da natureza da empresa, a quantidade de ataques é muito maior. Se for do setor financeiro, se tiver dados de clientes valiosos, a quantidade de ataques por minuto é gigante. Só que eles são praticamente resolvidos pelas camadas que são colocadas, como se fosse uma cebola. Você vai botando capas e quanto mais tiver, mais protegido o negócio está. Mas, infelizmente, não tem nada que se possa fazer para ter proteção total. Isso não existe porque o crime cibernético vai se sofisticando. E com a inteligência artificial, ele muda de patamar.

Algumas vezes, contratados por outras organizações, os hackers querem prejudicar a reputação da empresa. Na maioria das vezes, querem dinheiro. Capturam os dados do cliente ou paralisam a operação da empresa para poder cobrar resgate. E muitas empresas pagam, mas não divulgam que pagaram. E também não há garantia de que a atual operação vai ficar livre depois. A maioria dos resgates é pago através de bitcoin, ou de outra moeda digital. Atualmente, o crime vem misturando o físico com o digital, usado principalmente para lavagem de dinheiro. Por exemplo, o PCC (Primeiro Comando da Capital, uma grande organização criminosa do Brasil) está se associando ao crime digital, aonde ele vai, inibe as pessoas, faz elas pagarem por um acesso e, então, querem informações físicas. Ou rouba um caixa de atendimento eletrônico para tirar as informações que ali estão.


4. A IA Generativa é o tema da vez. Como integrantes dos Conselhos podem melhor apoiar as empresas a aproveitar essa tecnologia para além da tendência?

Esse é um tema que está cada vez mais presente nos Conselhos de Administração. Primeiro, os conselheiros precisam passar por uma educação, ter o entendimento do que a tecnologia pode fazer, qual seu potencial e o benefício que pode trazer para o seu negócio. Pesquisar o que seus concorrentes estão fazendo, que tipo de disrupção a IA pode trazer no setor, ter uma visão estratégica de quais são, de fato, os diferenciais que a IA pode trazer para o negócio.

Está muito na moda utilizar a IA para produtividade dos profissionais. Isso, do meu ponto de vista, vai beneficiar todas as empresas. A tecnologia está disponível. Mas onde, de fato, a IA vai trazer um diferencial competitivo é ao utilizá-la no seu negócio principal. Aí está o maior ganho, onde está o dinheiro. Quando você utiliza no core da organização, para causar uma disrupção, uma redução de custo expressiva, atender melhor os clientes.

Tem uma fintech que começou a utilizar, este ano ainda, inteligência artificial para o atendimento aos clientes no seu aplicativo. A inteligência artificial está resolvendo 60% das solicitações, com aumento de 20% das resoluções totais. A empresa conseguiu aumentar 45 pontos percentuais do seu NPS (Net Promoter Score), o que significa mais clientes promotores, satisfeitos e dispostos a recomendar a empresa, e menos detratores. A IA atendeu melhor, aumentou a satisfação do cliente e resolveu mais temas. Esse é um sinal claro de uso estratégico da tecnologia da informação.

Outro tema é a questão da governança da IA, dos vieses e da proteção dos dados. Tem vários aspectos em que IA se mistura com ESG (critérios ambientais, sociais e de governança). Imagina uma IA com viés decidindo o valor de um seguro de um automóvel, com base no grau de reincidência da criminalidade em pessoas negras. Então dependendo do setor, isso pode ser muito relevante. Esses são temas muito presentes hoje no Conselho e estarão cada vez mais.


5. Você é conselheira de duas empresas da indústria e do varejo, cujas sedes ficam no Rio Grande do Sul, estado que teve mais de 90% de suas cidades afetadas por enchentes este ano, e teve a rede de telecomunicações desafiada a atender a população apesar da falta de energia elétrica. Nos últimos meses, as queimadas em diferentes regiões também interferem no funcionamento da internet. Como os Conselhos devem abordar tais situações de emergência e como se prevenir?

A enchente foi uma situação desesperadora para muitas empresas. Para as empresas que eu aconselho, não foi assim. Mas é importante que as empresas se preparem para um evento dessa magnitude. Porque se você tem que decidir tudo, pensar durante o calor do momento da crise, com certeza as suas decisões não são as melhores.

Membros de Conselho são responsáveis pela gestão de risco e a continuidade do negócio, e têm que garantir que a empresa tenha um plano de continuidade, tenha mapeado os principais riscos e já desenhado o que fazer. Vai ter comissão de crise? Como será a comunicação? Quem é responsável pelo quê? Caso ocorra inundação, incêndio ou outro tipo de desastre, esse tipo de plano é fundamental e é responsabilidade do Conselho de Administração garantir que ele exista.

O fogo também prejudica as telecomunicações, o funcionamento das empresas, os colaboradores, por isso a empresa tem que estar preparada para situações adversas. Falando em tecnologia, é preciso checar se tem um data center em local sujeito a inundação, se é próximo à uma comunidade, se caso você perder a comunicação e o acesso, essa unidade é fundamental? Esse é um exemplo do que tem que ser contemplado no plano de continuidade do negócio. Olhar a operação da empresa e ver o que pode acontecer e como pode ser resolvido. No exemplo do data center, precisa ter um site backup? Ter outro data center para operar? Depende do quanto a operação depende de tecnologia. Para cada empresa vai ter uma resposta diferente. Por isso é fundamental olhar para os principais riscos que afetam o seu negócio e como você vai proceder caso alguma coisa impeça total ou parcialmente a tua operação.

6. Você está num mercado e área de conhecimento muito masculinizados, e se tornou um exemplo para muitos profissionais de qualquer gênero. De que forma você já pôde contribuir com a formação de mulheres e como enfrentou os desafios de ser mulher e nordestina?

Eu sou uma mentora e conselheira de plantão. Já fui e sou muito procurada tanto por meninas novas que estão ingressando na carreira, como por mulheres que querem dar um passo adiante ou que querem seguir a carreira em Conselhos. Isso é muito presente no meu dia a dia. No meu último cargo executivo, na Vivo, eu fazia um café da manhã com a vice-presidente, e as meninas vinham com esse tipo de pergunta.

Hoje eu participo de uma associação chamada MCIO, de mulheres CIOs e do setor de tecnologia, com mais de 400 associadas, cujo objetivo é aumentar o número de mulheres no mercado de tecnologia, com uma série de iniciativas de preparação desde o início da carreira até recolocação.

Também participo do programa Winning Women Brazil, da EY, que visa ajudar empresas que são de mulheres e geridas por mulheres, não startups, mas empresas que já têm um certo faturamento e que têm um desafio de rentabilidade, de crescimento, de internacionalização. Há mais de 5 anos eu faço parte desse trabalho que me dá muito prazer. É uma experiência fantástica porque é um programa de um ano muito bem estruturado que além de contar com duas mentoras conselheiras, cada participante tem toda a estrutura da EY para ajudar. É muito gratificante porque você consegue ver o resultado, o quanto evoluiu.

Por exemplo, eu mentorei, junto com uma colega, uma empresa de eventos que tinha falido na pandemia e tinha uma dívida de 1 milhão e meio de reais, e pouquíssimos contratos, não tinha como pagar. Ao término de um ano do programa, além de ter pago a dívida, a empresa já tinha mais de 5 milhões de reais em contratos assinados nos primeiros 6 meses do ano, porque a classe começou em julho e foi até julho do ano seguinte. A gente ajudou a empresa a se reposicionar, se recolocar no mercado, a vender seus produtos de forma diferente, uma série de coisas. Quando você consegue ver o resultado é muito bacana e, claro que depende das conselheiras, mas depende muito da mentorada, como ela encara o programa e o quão aberta ela está para aprender e modificar seu negócio. Aí sim é exponencial o benefício. Esse ano eu mentorei uma empresa de tecnologia para call center e eu vi o depoimento da mentorada no final e a cartinha que ela me mandou com flores, não tem preço.

Durante muitos anos, quando eu trabalhava na Telefônica, eu era a única mulher como CIO, não só no Brasil, mas globalmente. Eu nunca fui de me vitimizar, pelo contrário, eu via como oportunidade de me destacar. Nunca tentei me masculinizar, eu acho que mulher tem uma forma de conduzir que gera muito mais empatia, então eu sempre tentei me beneficiar dos pontos positivos de ser mulher e não olhar muito pra reação masculina com relação a isso. Sempre encarei com muito profissionalismo e seguindo adiante, dando o meu melhor.

Mas eu sei que também tive a sorte de trabalhar em organizações que valorizavam as mulheres, o que a gente sabe que não é verdade na maioria das organizações. Tem que estar preparada para encarar as oportunidades que surgem. Não ter medo. Essa é outra diferença do homem para mulher. A mulher acha que nunca está preparada e o homem, ao contrário, sempre aceita desafios de uma forma mais fácil. Você tem que mostrar o seu trabalho e as coisas acontecem. E se a empresa que você está hoje não te valoriza, troca.

Uma pergunta que sempre me fazem é: “como você consegue conciliar família e filhos com trabalho? Como você consegue trabalhar tanto?” Principalmente as mais novas perguntam sobre quando é a melhor época de ter filho e a minha resposta sempre foi: a melhor época nunca vai ter, sempre vai ser desafiador para tua carreira ter filho e priorizar isso. Você querer sozinha resolver ser a melhor mãe possível e a melhor executiva possível, a melhor conselheira possível, do mesmo jeito que na empresa você sozinha não consegue empregar o seu melhor trabalho, na sua vida particular também não. Você precisa montar e estruturar uma rede de apoio. Não se cobrar por você estar à frente de todas as atividades acho que ajuda muito. E aí cuidar para manter os teus momentos com a tua família com muito mais qualidade.

E sendo uma mulher nordestina, baiana, se escutava alguma gracinha falando de baiana, eu já logo dizia: olha, sou baiana! Então já botava, de uma forma elegante, a conversa no eixo. Recentemente, um presidente de Conselho citou um caso de uma pessoa, e disse “esse é baiano”. E eu disse: “opa, eu também sou baiana!”. Ou seja, é de fato um caso discriminatório. No trânsito, acontece muito de falarem “isso aqui é uma baianada!”. Eu digo: “olha, de baianada não tem nada!”.


7. Quais indicações culturais e fontes de conteúdo você julga relevantes para refletir acerca dos desafios da posição de conselheira e conselheiro?

A EY tem o Center for Board Matters que traz temas super atuais e relevantes, e ainda tem a troca entre os conselheiros. Estou sempre estudando. Tem um livro que eu estou lendo agora que é uma reflexão sobre inteligência artificial e geopolítica: AI Superpowers – China, Silicon Valley, and the New World Order (na tradução literal: Superpotências da IA – China, Vale do Silício e a Nova Ordem Mundial, de Kai-Fu Lee, presidente do Conselho e CEO da Sinovation Ventures). Ele não fala apenas de tecnologia, mas geopolítica, aborda guerras, tensão entre as superpotências Estados Unidos e China.

Um exemplo claro hoje é a Intel, uma empresa que não vem performando bem. Agora em agosto de novo caiu quase 30% o valor das ações. Um tema muito discutido é: o governo norte-americano vai deixar essa empresa quebrar ou não? É a única empresa que produz chips nos Estados Unidos. Quando você junta tecnologia com geopolítica, isso abre a tua mente sobre os riscos, os desafios da tecnologia. Não só o uso em si, mas quando você opta por uma tecnologia, quais os riscos associados, quem são teus fornecedores, quem você está escolhendo para ser teus parceiros.

Essa reflexão tem que ser mais ampla e não só sobre a qualidade, e é importante para o Conselho porque para a decisão técnica, temos vários técnicos, mas esse olhar mais estratégico é necessário ser construído em conjunto.

Resumo

O EY Center for Board Matters (CBM) entrevistou Christiane Edington, executiva com ampla experiência em tecnologia e telecomunicações, que hoje atua em Conselhos de grandes empresas. Christiane falou sobre a importância da inteligência artificial como diferencial estratégico nas empresas, especialmente quando aplicada ao negócio, e abordou os crescentes desafios da cibersegurança e da governança corporativa. Ela também falou sobre a necessidade de o Conselho incentivar o preparo de planos de continuidade para lidar com crises e a implementação de iniciativas voltadas à inclusão de mulheres no setor.

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