Sonia Consiglio

EY entrevista: Sonia Consiglio

Depois de mais de 20 anos como executiva, a jornalista Sonia Consiglio, especialista em comunicação e sustentabilidade, se tornou conselheira independente de administração e presidente de Comitês de ESG.

Apaulistana Sonia Consiglio se formou na Faculdade de Jornalismo na Cásper Líbero no final dos anos 1980, trabalhou em revista e rádio, se especializou em comunicação corporativa e passou a atuar sobretudo no setor financeiro e em mercado de capitais. Depois de 20 anos como executiva do BankBoston, Itaú e B3, decidiu se dedicar a Conselhos de Administração, e começou pelo do BNDES em 2020, onde também integrou o comitê de ESG.

Hoje ela está no Conselho de Administração da firma de private equity Vinci Partners, onde também preside o Comitê de ESG e integra o Comitê de Auditoria. Faz parte dos Comitês de Sustentabilidade e ESG da CBA - Companhia Brasileira de Alumínio e da Citrosuco (ambas da Votorantim S.A.). E recentemente, tornou-se conselheira da empresa de infraestrutura EcoRodovias.

A evolução dos temas de sustentabilidade e ESG desde quando esses termos sequer existiam são tema do livro “#vivipraver: A História e as Minhas Histórias da Sustentabilidade ao ESG”, publicado por Sonia em maio de 2022. Sua trajetória também aparece no livro, “Mulheres em Conselhos", publicado em coautoria com demais conselheiras.

Reconhecida pelo Pacto Global da ONU em 2016 como SDG Pioneer – profissional referência na promoção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 –, Sonia diz que trabalha “para deixar o mundo melhor para os filhos do mundo”. Joga vôlei desde adolescente, disputando campeonatos e adora séries policiais.

1. Como foi a sua jornada até se tornar membro de Conselho de Administração?

Eu só me tornei especialista em sustentabilidade e conselheira nessa área porque eu sou comunicadora. Tenho muita clareza de que as competências da comunicação de ouvir, transmitir, ser didática são fundamentais na agenda da sustentabilidade. Como diretora da B3, por 10 anos presidi o Conselho Deliberativo do ISE, o Índice de Sustentabilidade Empresarial. E nesta época integrei por 4 anos o Comitê de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Petrobras, que lidava com responsabilidade social e sustentabilidade. Foi ali que comecei a entender sobre governança e fui buscar conhecimento. Fiz o curso de formação de conselheiros no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), depois me candidatei ao Programa de Diversidade em Conselho (PDeC), também do IBGC. Fui selecionada e tive a sorte de ser mentorada por David Feffer, presidente do Conselho de Administração da Suzano. Quando completei 10 anos na B3, decidi fazer uma transição, encerrar o ciclo como executiva de grandes empresas e passar a integrar Conselhos. Conversei com muita gente, busquei me aconselhar com meu mentor e me preparar para esse caminho, que começou a partir de 2020. Entrei pela porta da frente dos Conselhos de Administração, com um primeiro convite vindo do BNDES, Conselho no qual fiquei por dois frutíferos anos, também presidindo o Comitê ESG e participando de outros Comitês. Tenho posições também em organizações não governamentais, que é onde eu devolvo para o meio e me alimento do meio. Sou vice-presidente do Conselho Consultivo do CDP (Carbon Disclosure Project), uma organização mundial de investidores; membro do Conselho Curador da FIA Business School e do Instituto Ekos Brasil, onde também estou no Conselho Consultivo, bem como no da Brazil Foundation.

2. Quais temas você dedica a maior parte do seu tempo enquanto conselheira?

Eu sou uma generalista. Então quando eu falo de sustentabilidade, falo de tendências, contexto, liderança, pessoas, reputação e imagem. Claro que a minha abordagem sempre é a do valor agregado para os negócios, da visão dos investidores nesses contextos. No BNDES, além do Conselho, integrei o Comitê de Pessoas, Remuneração, Sucessão e Elegibilidade. A beleza dos Conselhos é que as competências se somam. No Comitê ESG da Vinci, por exemplo, a gente discute junto com a gestão, e também tem um Comitê de Inovação. Os Comitês são um elo entre a gestão e o Conselho. Compor Conselhos e Comitês ao mesmo tempo dá uma visão panorâmica da governança.

3. Você teria indicações culturais e de fontes de conteúdo relevantes para auxiliar seus pares a refletir acerca dos desafios no Conselho?

Costumo dar muitas dicas, citar estudos, referências, novidades nas minhas colunas no Valor Investe e na Nova Brasil FM. Inclusive, no artigo “Ninguém solta a mão de ninguém” eu citei as fontes de informação que olho diariamente. Destaco o Prática ESG, um suplemento e um site, do Valor e do Globo, dedicados às boas práticas. Indico o curso de formação de conselheiros do IBGC, dou aula lá inclusive. Para adquirir competência para melhor atuar recomendo o Stakeholders e ESG, um curso muito profundo na FIA, com os melhores especialistas do mercado, do qual eu ministro a aula inaugural, que você pode escolher quais módulos fazer. Para mulheres, indico o PDeC, do IBGC, que te dá um mentor com experiência como presidente de Conselho. Para mim fez uma diferença muito importante para passar a integrar Conselhos. As minhas posições foram feitas por headhunters, mas até os headhunters precisam de indicações. E o IBGC também tem cursos interessantes de ESG. Entre os livros referência, indico o do economista alemão Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, “Capitalismo de Stakeholders”. O do Mark Carney, que foi presidente dos Bancos Centrais canadense e inglês, "Building a Better World for All" (Construindo um Mundo Melhor para Todos, em tradução livre) também gosto muito. Outro livro legal é o do John Elkington, o  “Cisnes Verdes: a explosão do capitalismo regenerativo”. Recentemente escrevi o prefácio da segunda edição de “ESG, o Cisne Verde e o Capitalismo de Stakeholder: a Tríade Regenerativa do Futuro Global”, que é o jeito que eu defino sustentabilidade – uma mudança de modelo de mundo.

4. A Agenda 2030, que concentra os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), serviu de norte para empresas definirem suas estratégias ESG. Como você avalia os avanços obtidos até o momento?

Os ODSs já tiveram um grande sucesso em se tornarem conhecidos e aplicados. Quando se cria algo desse tamanho é um desafio grande não virar algo bacana na prateleira da ONU, mas que ninguém vai usar. Hoje as empresas pautam os seus planejamentos estratégicos, ou correlacionam em maior ou menor grau aos ODSs. Eles estão presentes nas empresas e na decisão de investidores. Já sabíamos o quão desafiadores eles são – e têm que ser mesmo porque o que traz a Agenda 2030? O mundo ideal. Acabar com a fome. Desenvolver as melhores gestões de mudança do clima. Fechar a lacuna de igualdade de gênero. Com a pandemia, eles se tornaram muito mais desafiadores. Um relatório da ONU, Gender Gap, mostra que a pandemia atrasou em uma geração o tempo estimado para fechar a diferença entre mulher e homem do ponto de vista financeiro. Era cerca de 99 anos e foi para 140 anos. Mas o caminho é tão ou mais importante quanto o objetivo final. Nós não vamos atingir os 17 objetivos até 2030, mas dependendo da forma como continuarmos nos movimentando vamos chegar bem perto de alguns. Então é sobre como a gente acelera, e coloca indicadores-chave de desempenho baseando a remuneração executiva. E se eles não forem muito SMART (específicos, mensuráveis, alcançáveis, realistas, com prazos), não faz sentido. Depende de empresa para empresa, há um desafio de mensuração. Algumas já estão fazendo melhor, outras estão começando.

5. Quais tendências que devem ser mais demandadas pelos investidores e pela sociedade para as empresas em termos de ESG? 

Voltamos a falar de água, e biodiversidade, sem dúvida, vem cada vez mais forte. Um estudo de 2021 do Morgan Stanley fala que a biodiversidade oferece benefícios sociais na ordem de 125 trilhões de dólares. O Fórum Econômico Mundial diz que a biodiversidade gera 44 trilhões de dólares em valor econômico, ou seja, mais de 50% do PIB global é moderada ou altamente dependente da natureza, e que ações para transições positivas para a natureza podem gerar até 10 trilhões de dólares por ano em negócios e criar 395 milhões de empregos até 2030. A inter-relação entre mudança do clima, biodiversidade e pessoas pode vir a impactar muito as empresas, que serão cobradas a ter uma análise de riscos e oportunidades. Temos uma sigla ESG para ser didático, mas não devemos separar essas dimensões. Não dá pra ter impacto climático sem impacto social. As pessoas vivem no meio ambiente que é afetado pela mudança do clima. As questões de direitos humanos serão trazidas de forma mais pragmática, com a expectativa de mais prestação de contas por parte das empresas quanto a sua cadeia de fornecedores, a contratação de terceirizados, a fim de saber como eles estão sendo tratados. Mas também quanto aos funcionários diretos, se há jornadas de trabalho exaustivas, assédios, o contato mesmo após o expediente. Também quanto às comunidades do entorno onde as empresas têm operações, qual seu impacto, e saber se está violando algum direito ao produzir o seu insumo ali ou extrair mineral na terra. Há arranjos interessantes surgindo no mercado com a interligação entre investimento social privado, que se faz para públicos em situação de exclusão e risco social, e a gestão ESG da empresa. Por exemplo, em descarbonização a CBA tem sua meta Net Zero, o Instituto Votorantim tem um projeto junto a agricultores e comunidades de risco para estimular a agricultura. Ambos têm uma parceria onde se busca o objetivo social e o objetivo do negócio. Por exemplo, em biodiversidade, tem uma iniciativa muito bacana lançada na COP27 que é a Biomas, uma empresa formada por Suzano, Vale, Itaú, Rabobank, Santander e Marfrig para a restauração de áreas.

6. E quais os temas ESG mais urgentes?

Quando se fala em clima é a descarbonização, o caminho para uma economia de baixo carbono. Simples assim, complexo assim. Porque temos que migrar para uma economia menos intensiva em emissão de gás de efeito estufa, ao mesmo tempo que há uma guerra. Não, uma invasão na Ucrânia, que deflagra uma crise de energia e mostra toda a complexidade existente. E para isso é preciso inovar, buscar novos caminhos, mudar processos de produção, pensar diferente, e também na biodiversidade. É fundamental a bioeconomia, as novas opções de negócio que existem com a floresta em pé, a geração de renda para as comunidades, a agricultura regenerativa, o agronegócio de ponta, e como o Brasil tem tudo para resolver a crise alimentar no mundo. Quando a gente fala na esfera social, o grande desafio é trazer as questões de direitos humanos para dentro das empresas e olhar para elas como fator de decisão de investimento. A forma de lidar com fornecedores, funcionários, e todas as questões relacionadas a trabalho justo. Diversidade é um tema absolutamente relevante, mas na minha opinião já está na pauta das empresas. É uma questão de priorização, há seis anos não estava em pauta. A evolução é visível.  Eu vejo questões de governança bastante estabelecidas e fortes no Brasil, por isso a nossa vigilância para que elas continuem sendo assim é fundamental, como a Lei de Estatais, e outras colocadas para melhorar nossas organizações. Precisamos todo dia olhar para a governança da empresa e entender se tem algum risco de desvio ético e moral na tomada de decisão, se tem os melhores órgãos de controle.

7. Por que e como tratar a temática ESG de forma transversal?

Todas as áreas da empresa têm que entender como ESG e sustentabilidade se aplicam na sua competência. Os desafios básicos são conhecimento e liderança. A transversalidade de fato vai começar a acontecer quando CEO e CFO perceberem que essa é uma agenda de risco e de oportunidade para os negócios, é uma agenda que, apesar do apoio e orientação técnica da pessoa que ocupa a posição de Sustainability Officer, eles precisam entender por que serão cobrados pelos investidores e terão de se posicionar. A pessoa de marketing tem que estar atenta na hora que faz as suas campanhas. As pessoas de RH têm que entender como fazer processos seletivos mais inclusivos. Empresas como Cosan e BRF usam a sigla EESG para associar os aspectos econômicos aos demais. Parece banal, mas a linguagem induz pensamento e conduz comportamento. O ideal é que um dia não usemos mais siglas e trabalhemos naturalmente cuidando das questões sociais, ambientais, de governança e econômicas conjuntamente.

Resumo

O EY Center for Board Matters (CBM) entrevistou Sonia Consiglio, jornalista com mais de 20 anos de experiência em comunicação, pessoas e sustentabilidade no BankBoston, Itaú e B3. Conselheira de administração independente da Vinci Partners e da EcoRodovias, iniciou em Conselhos no BNDES. Integra os Comitês de Sustentabilidade e ESG da CBA - Companhia Brasileira de Alumínio e da Citrosuco, e antes disso, da Petrobras. Atua também no CDP (Carbon Disclosure Project), FIA Business School, Ekos Brasil e Brazil Foundation. 

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