A mineração circular está entre os destaques da COP30 em novembro. Suas práticas otimizam a exploração dos recursos naturais, evitando a geração de resíduos na atividade de mineração por meio da reinserção do estéril e até mesmo do rejeito na atividade produtiva. “Há dois tipos de circularidade na cadeia de mineração. No início do processo, que se trata do aproveitamento dos resíduos resultantes da atividade de mineração, e no pós-consumo, que é quando já existe um produto derivado desses insumos minerários, como o carro, que retorna, depois do fim do seu ciclo de vida, para o processo produtivo em forma de sucata, que é reintroduzida na fabricação do aço”, diz Marcelo Andrade, sócio de estratégia e transações da EY-Parthenon.
O primeiro tipo é feito pelas mineradoras em um esforço para extrair minério de onde não existia em uma primeira análise, enquanto o segundo é realizado pelas siderúrgicas, motivo pelo qual a integração nessa indústria é o primeiro passo para a sustentabilidade. O que se pretende nessa cadeia é que a mineração não extraia os recursos de forma linear, simplesmente lavrando, processando e utilizando os materiais, com o descarte de uma parcela que supostamente não pode ser aproveitada. “O supostamente ocorre porque, na realidade, essa parcela em boa medida pode sim ser utilizada, mas precisa para isso de uma análise apurada dos materiais contidos no estéril e no rejeito”, completa. Esse é justamente o objetivo do Waste to Value, programa desenvolvido pela EY para a Vale, que aproveita os materiais antes considerados estéreis ou rejeitos.
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
1) Por que a mineração circular está em alta e quais suas diferenças para o modelo tradicional de exploração?
MARCELO: A mineração circular se tornou um tema central para as mineradoras em meio à necessidade crescente de reutilizar os materiais residuais gerados por sua atividade. Há também um aspecto crítico nesse processo ligado à produtividade porque, ao descartar materiais que contenham teor de minério como de ferro, a mineradora está perdendo dinheiro. Estamos falando aqui da etapa no início da cadeia de mineração, que se trata do aproveitamento de materiais resultantes da atividade minerária.
Na prática, para quem não está familiarizado, ao escavar uma grande área de mina, vêm na terra minério e não minério. Todo material que não tem minério economicamente viável nessa primeira análise ainda superficial é disposto em pilhas ou direcionado para barragens como a do Gelado em Carajás, no Pará, que pertence à Vale.
Por exemplo, as pilhas que contêm os chamados estéreis, que são os materiais inicialmente identificados como não sendo minérios, mas que, na realidade, podem conter teor de minério depois de uma análise cuidadosa por meio de métodos geofísicos avançados. Nesses casos, os dados geológicos dos materiais são obtidos sem furar as pilhas, por meio de leituras com o uso de raio-x, sensoreamento térmico, ondas elétricas, entre outras tecnologias. Com esses dados, a IA faz projeções sobre o teor existente de minério, que pode ser de ferro, por exemplo, oferecendo insights para tomada de decisão sobre o reaproveitamento dos estéreis.
Esse trabalho faz parte do projeto Waste to Value, realizado pela EY para a Vale, que, somente no ano passado, produziu 12,7 milhões de toneladas de minério de ferro por meio de fontes circulares. Até 2030, a empresa pretende que 10% da sua produção anual seja proveniente da mineração circular. O Waste to Value está inserido no modelo de mineração circular na medida em que, por meio de uma série de práticas no processo produtivo, recupera o material das pilhas e das barragens para produzir minério ou obter produtos como cimento, fertilizantes, areia, blocos construtivos, entre outros. Isso é positivo para diminuir significativamente os distúrbios ambientais e sociais, liberando inclusive áreas para que novos materiais – que não estão realmente sujeitos a reaproveitamento – sejam armazenados.
2) Além da mineração circular, o que as mineradoras têm feito para tornar a cadeia de mineração e metais mais sustentável?
MARCELO: Há um esforço conjunto de descarbonização por parte das mineradoras e das siderúrgicas, já que suas atividades produtivas estão interligadas. Boa parte do que se emite nessa cadeia vem das siderúrgicas, mas as mineradoras têm um papel muito relevante no fornecimento dos insumos. Isso porque quanto melhor a qualidade do minério, maior é a eficiência energética no elo siderúrgico, o que significa menos emissão de gases de efeito estufa (GEEs) por parte das siderúrgicas. O briquete verde, da Vale, por exemplo, tem alta qualidade, exigindo menor energia no processo de produção do aço.
A mineração do futuro inclui operações mais inteligentes, resultando em minas minimamente invasivas que buscam carbono neutro e redução significativa de estéril e rejeito; compartilhamento de valor na cadeia e nos territórios onde a mineradora atua; e força de trabalho capacitada para lidar com a tecnologia e os desafios atuais e futuros.
3) Como as mineradoras estão se movendo para atender à demanda crescente por minerais críticos, que são fundamentais para a transição energética?
MARCELO: O avanço global das energias renováveis impulsiona a demanda por minerais críticos nos próximos anos, conforme revelou estudo da EY-Parthenon. Essa nova dinâmica global de energia vai criar uma série de oportunidades para o setor de mineração, especialmente em países produtores como Brasil, Chile, China, Rússia, Peru e Indonésia. Os minerais críticos considerados pela pesquisa foram cobre, cobalto, lítio, níquel, grafite e elementos de terras raras essenciais para a transição energética.
Nos últimos cinco anos, o crescimento da geração anual de energia renovável foi de 6,2%, enquanto as não renováveis avançaram 1,2%, de acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, na sigla em inglês). Estimativas apontam que a demanda por cobre deve dobrar até 2035, enquanto a de lítio crescerá 910% até 2050. Em relação à produção e ao processamento desses minerais críticos, a China se destaca no mundo, mas o Brasil e outros países como o Canadá podem se beneficiar de uma certa “neutralidade” geopolítica. Para a Europa e os EUA, pode fazer mais sentido, em termos de segurança de suprimento ou fornecimento, comprar do Brasil e do Canadá do que da China, motivo pelo qual precisamos nos aproveitar dessa vantagem competitiva.
*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com entrevistas sobre os setores econômicos que estarão em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Leia a entrevista anterior:
Infraestrutura resiliente requer revisão do plano diretor e estímulo a concessões e PPPs