Nos primeiros três meses deste ano, o setor agropecuário respondeu por 7,7% do PIB nacional – o equivalente a R$ 233,8 bilhões do total de R$ 3,01 trilhões. Mas esses números são ainda maiores ao considerar o agronegócio como um todo, incluindo indústria, transporte, comércio e serviços relacionados, o que eleva a conta para uma porcentagem acima de 25% do PIB brasileiro. O que se tem visto, no entanto, é uma pressão cada vez maior das mudanças climáticas nos resultados do agronegócio. Os eventos extremos causaram prejuízos de R$ 287 bilhões à agropecuária entre 2013 e 2022, com perdas registradas em 6,8 milhões de hectares de lavouras (área correspondente aos estados do Rio de Janeiro e de Alagoas), principalmente por causa das secas, de acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CMN). O levantamento foi realizado com base nos dados de um sistema sobre desastres vinculado ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
“A perda de safra é a maior dificuldade para qualquer produtor, independentemente do seu tamanho: pequeno, médio ou grande. Olhando para o Rio Grande do Sul, que talvez seja o estado mais vulnerável às estiagens e demais intempéries climáticas, a cada quatro safras de soja colhidas, o estado perde uma”, destaca Otavio Lopes, sócio-líder da EY em agro para América Latina. “No país como um todo, a falta de chuvas também traz outro problema: o aumento do preço da energia elétrica, o que impacta o custo operacional dos produtores”, completa. Entre as consequências desse cenário estão alimentos mais caros para os consumidores, já que pelo menos parte dessa elevação dos custos é repassada ao longo da cadeia, chegando ao preço final.
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
1) Como os efeitos das mudanças climáticas estão prejudicando o agronegócio?
OTAVIO: As mudanças do padrão climático no mundo, como as do padrão de chuvas, além da questão do empobrecimento e da erosão dos solos, trazem problemas para a agropecuária mundial, e não apenas brasileira. O plantio de culturas e a criação de animais são impactados por essas questões, já que essas atividades dependem de serviços ecossistêmicos que precisam estar em harmonia. Ao mesmo tempo, é preciso olhar para a própria atividade do agro. Há agriculturas que agem de forma mais intervencionista em relação ao solo, com uso de grandes maquinários que acabam por impactar o ciclo de água, prejudicando o armazenamento e infiltração da água no solo e consequente retorno dela para as bacias hidrográficas.
Felizmente, a agropecuária brasileira lidera em termos de sustentabilidade, com uma série de práticas reconhecidas globalmente. A chamada agricultura regenerativa tem o aspecto muito positivo de recuperar áreas degradadas, de restabelecer o ecossistema, evitando avançar por novas áreas, pois aumenta a produtividade das terras já cultivadas ou exploradas. O plantio direto é outra prática muito comentada pelo seu potencial de garantir a manutenção da flora e da fauna. Destaque também para o uso responsável e planejado da irrigação e para a preocupação crescente de evitar o uso de químicos como pesticidas que se infiltram no solo e contaminam lençóis e bacias hidrográficas.
Há ainda o manejo biológico, que consiste em substituir agentes químicos, como os pesticidas, por biológicos ou reguladores de ambiente. Essa técnica vem ganhando espaço em quase todas as culturas, reunindo o uso de agentes não químicos e a inserção de elementos que regulam o ambiente. Se preciso combater um nematoide no campo e coloco ali um fungo como elemento para isso, estou criando uma regulação do ambiente. É relevante também que se use a técnica de zoneamento agrícola, sabendo exatamente o que será plantado em cada região, com o objetivo de trazer segurança para o produtor no sentido de assegurar a produtividade desejada. A combinação de zoneamento agrícola, microclima e solo é poderosa para definir já de início a estratégia correta para cada região. Em locais que sofrem com estresse hídrico, por exemplo, o indicado é escolher cultivos ou plantações que sejam tolerantes a essa condição. Algumas sementes estão sendo desenvolvidas com essa resiliência ao clima.
2) Existe ainda uma questão de aumento do custo de produção que tem atingido os produtores, principalmente os menores.
OTAVIO: Sim, exatamente. No Brasil, considerando nossa matriz energética principal, que é a hidrelétrica, a escassez de chuvas acaba por aumentar a conta de energia elétrica, com a chamada bandeira tarifária vermelha, o que impacta o custo de produção agropecuária. A irrigação, por exemplo, que requer energia elétrica, já se torna mais cara. Em um contexto de temperaturas médias mais altas, há necessidade de irrigar mais, o que, com o preço da energia mais elevado, torna a produção ainda mais cara. As coisas estão interligadas, e isso fica claro nesse contexto de mudanças climáticas.
Paralelamente, os produtores estão sujeitos à pressão dos ciclos econômicos. O custo mais alto de capital tem trazido incertezas para os mercados globais. Nesse contexto, os produtores precisam fazer uma escolha: ou investem em sustentabilidade, ou aceleram a conversão do capital obtido em receita. Eles estão escolhendo naturalmente o segundo caminho, considerando os enormes desafios atuais para obter capital, o que dificulta o investimento em avanços tecnológicos que trazem melhorias para a sustentabilidade no campo. Esse problema é ainda maior para os pequenos produtores ou para a agricultura familiar, que historicamente sempre enfrentaram dificuldades maiores para obter acesso a linhas de crédito, especialmente as oferecidas pelas instituições financeiras privadas. Sendo assim, o caminho é diminuir o custo do capital por meio do incentivo ao crédito mais barato chegando a esse produtor.
Há, portanto, uma assimetria de acesso às tecnologias entre os produtores. Os maiores, equipados com as melhores técnicas de produção, têm produtividade maior e de forma mais sustentável, enquanto os menores sofrem para ter acesso a isso. Na Indonésia e na Malásia, um dos grandes desafios foi justamente equipar com tecnologia os pequenos produtores de óleo de palma, já que enfrentavam muita dificuldade para acessar capital. Esses países constataram que, se o produtor não tem acesso a técnicas modernas de produção, ele tende, uma vez esgotado seu solo de cultivo, passar a expandi-lo, aumentando a área plantada ou explorada, por meio do desmatamento.
O crédito ao pequeno produtor vai garantir o acesso a tecnologias, que são o caminho para a sustentabilidade. Estamos falando aqui de técnicas de irrigação, uso de manejo ou controle biológico, acesso a equipamentos de precisão, além de um programa de educação do pequeno produtor para que ele saiba como usar esses recursos para garantir a sustentabilidade no campo.
Nossa expectativa é que essa discussão seja aprofundada na COP30. Há inclusive uma movimentação para fazer com que parte do financiamento climático global seja revertida para os pequenos e médios produtores rurais. Em caso de sucesso dessa reivindicação, o dinheiro será utilizado para viabilizar a implantação de tecnologias de baixo carbono no processo produtivo, contribuindo assim para dar escala às ações de mitigação e adaptação climáticas.
3) Como a inteligência artificial tem sido utilizada no campo?
OTAVIO: A IA tem várias aplicações na agricultura, começando pelo desenvolvimento de todas as variáveis de sustentabilidade que comentamos até agora. Os modelos de tecnologia de inteligência artificial proporcionam agilidade, por meio de modelos computacionais poderosos, no estudo das variantes genéticas das plantas ou dos cultivos. Além disso, a combinação de informações georreferenciadas, via drone ou satélite, com emprego de IA já está entregando cases que beneficiam toda a indústria.
Ao fazer isso, com a adoção dessas imagens georreferenciadas por drone ou satélite, o produtor consegue identificar padrões de espaçamento de plantio, contar o número de árvores por hectare em uma plantação de eucalipto, por exemplo, bem como calcular a produtividade em determinada área. Há ainda imagens que mostram padrões de estresse de condição nutricional ou de água, dando insumos para que ele possa agir. Estamos falando de uma intervenção mais precisa e que possibilita tratamento adequado para recuperar a terra.
O objetivo deve ser adotar, por meio dessas tecnologias como a IA, a agricultura de precisão, assegurando o funcionamento harmônico do ecossistema. Com esse tipo de agricultura, é possível otimizar a aplicação de químico, já que a máquina agrícola, equipada com sensores que fazem a leitura da plantação de forma instantânea, solta o químico na quantidade correta e onde deve ser realmente aplicado.
*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com entrevistas sobre os setores econômicos que estarão em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Leia as entrevistas anteriores:
Infraestrutura resiliente requer revisão do plano diretor e estímulo a concessões e PPPs
Mineração circular encontra minério em material tido antes como descartável