11 Minutos de leitura 3 out 2022
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Greenwashing: Uma visão mais ampla sobre o tema

Por Marina Mantoan

Sócia da EY para Forensic & Integrity Services

Apaixonada por Compliance e Investigações Corporativas. Envolvida nas inovações nesta área incluindo automação, uso de tecnologias e ESG.

11 Minutos de leitura 3 out 2022

Em abril de 2022, a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos, moveu um processo contra uma mineradora brasileira, acusando-a de ter prestado informações falsas aos investidores americanos sobre a segurança e estabilidade de suas barragens, antes de um colapso ocorrido em 2019. 

Por Mariana Cristina,  Gerente de Forensics da EY e  Clarisse Oterro Gerente de Forensics da EY.

ASEC considera que a manipulação tenha impedido investidores de avaliarem apropriadamente os riscos associados ao investimento nos papeis emitidos pela mineradora, visto que dias após o desastre, o valor de mercado dos papeis teve uma queda de mais de U$ 4 bilhões e perdeu mais de 25% do seu valor na Bolsa de Nova York. Embora a SEC tenha acusado a mineradora por fraude de valores mobiliários, em seu website (sec.gov) a mineradora está na lista de ações relacionadas a temas de ESG movidas pela SEC contra empresas. Este caso foi classificado pela mídia internacional como greenwashing, ampliando a compreensão do termo, para além da manipulação da imagem sustentável de um produto aos consumidores.

Assim como vimos a forte atuação da SEC e DOJ (Departamento de Justiça Americano) na fiscalização e aplicação das regras da FCPA (Foreign Corrupt Practices Act - Lei Anticorrupção Americana), é esperado que atuem nos temas ESG. Inclusive, a SEC vem demonstrando seu compromisso com ESG desde 2021, com a criação da força-tarefa Climate and ESG Task Force, que tem o objetivo de “desenvolver iniciativas para identificar proativamente má conduta relacionada a ESG consistente com o aumento da confiança dos investidores na divulgação e investimento relacionados ao clima e ESG”[1].

 

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Capítulo 1

O que é, de fato, o greenwashing?

À medida que cresce a preferência dos consumidores por produtos sustentáveis e a pressão de investidores e reguladores sobre os temas ESG, cresce também a lavagem verde.

Mas o que seria o “greenwashing”? O termo greenwashing, traduzido como “lavagem verde”, é a valorização intencional da empresa ou produto, pelo uso de informações falsas, incompletas ou até pela omissão de informações. A divulgação dessas informações podem ocorrer em diversos meios, como rótulos de produtos, propagandas de marketing ou até mesmo em relatórios financeiros e não financeiros.

À medida que cresce a preferência dos consumidores por produtos sustentáveis, também encontramos divulgações de informações que, na prática, são inverdades ou incompletas. Nos últimos anos, a busca por produtos sustentáveis cresceu 71% no mundo, segundo pesquisa divulgada pela Economist Intelligence Unit (EIU)[2], o que demonstra a necessidade das empresas de acompanharem a demanda.

Também com a crescente pressão de investidores e reguladores pela adesão às melhores práticas ESG, cresce o risco de manipulação de informações por parte das empresas, na tentativa de supervalorizar seus esforços na redução de danos sociais e ambientais. Ou ainda na tentativa de atender aos diversos formatos de relatórios no mercado, como o GRI (Global Report Initiative), SASB (Sustainability Accounting Standards Board), PRI (Principles for Responsible Investmen) e World Economic Forum.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Sustentabilidade (INBS), os sete tipos de greenwashing mais praticados ocorrem por:

  1. Falta de evidências, quando não há provas das declarações relacionadas a ESG;
  2. Incerteza, quando a declaração é ampla e vaga;
  3. Custo ambiental[3] camuflado, quando uma empresa deixa de divulgar informações importantes sobre o custo ambiental de um determinado produto ou operação;
  4. Falsos rótulos, quando não representam a realidade de atuação da empresa;
  5. Irrelevância, quando a empresa declara uma atitude ambiental que, na verdade, são obrigações impostas por lei;
  6. Distração dos consumidores sobre os eventuais malefícios; e
  7. Declaração falsa.
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Capítulo 2

Impactos no Brasil e no mundo

Perdas financeiras e danos reputacionais têm sido maiores que as imposições legais.

Embora o termo greenwashing tenha sido criado em 1989, passou a ser mais difundido na última década por conta de casos publicamente conhecidos, de projeção internacional. A exemplo disso, em 2015, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) descobriu que uma montadora alemã estava forjando os resultados de testes de emissão de poluentes de seus carros, por meio de um dispositivo eletrônico que detectava quando eles estavam passando por testes de emissões, gerando a emissão de menos poluentes. Em 2020, a empresa já tinha pagado mais de 30 bilhões de Euros em penalidades por enganar consumidores e autoridades governamentais.

Já em maio de 2022, a Autoridade Federal de Supervisão Financeira (BaFin), órgão que regula o mercado de capitais na Alemanha, iniciou a investigação de greenwashing por uma gestora de ativos alemã, após alegações de declarações enganosas no relatório anual de 2020 sobre investimentos com critérios ESG, sem evidências de que esses critérios tenham sido levados em consideração na maioria dos investimentos declarados da empresa.

Casos como da fabricante alemã de veículos sobre falsificação de resultados de emissões de poluentes em motores alastraram investigações com impactos em todo o mundo, resultando em multas e danos reputacionais muito maiores que as impostas. 

Com o número crescente de casos de greenwashing no Brasil e no mundo, também cresce a intensidade de regulamentações sobre o tema, e consequentemente, as ações de responsabilidade civil e administrativa das empresas que cometem os atos ou de seus executivos, que podem sofrer indiciamentos e ações sancionadoras das autoridades.

Como, por exemplo, em junho deste ano, a SEC aprovou duas propostas com o objetivo de dar mais transparência aos fundos de investimentos que levam em consideração fatores ESG. A primeira proposta amplia as regras de divulgação dos fundos, exigindo detalhamentos sobre informações das estratégias ESG, enquanto a segunda limita o uso de ESG em nomes de fundos – para isso, deve haver investimento mínimo de 80% dos recursos nesses ativos.

A Comissão Europeia adotou, em fevereiro de 2022, a Proposta de Diretiva que visa fomentar um comportamento empresarial sustentável e responsável em todas as cadeias globais de valor, cobrindo aspectos de direitos humanos, mudança climática e meio ambiente. A proposta requer que as empresas europeias integrem esforços de due diligence em suas políticas internas, avaliem e mitiguem impactos, interrompam relacionamentos comerciais ou linhas de negócios cujos riscos não possam ser suficientemente mitigados ou prevenidos e reportem publicamente seus riscos e impactos relacionados às áreas ESG.

No Brasil, o Banco Central publicou, em setembro de 2021, novas normas que tratam de riscos sociais, ambientais e climáticos para as instituições financeiras, que entraram em vigor em julho de 2022. As normas abarcam, de forma resumida, a regulamentação da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática, a análise e gestão integrada desses impedimentos para a contratação de crédito rural  em função de questões sociais, ambientais e climáticas e obrigatoriedade de divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas.

No mesmo sentido, o Formulário de Referência, anualmente enviado pelas empresas de capital aberto à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), deverá conter, a partir de 2023, divulgações dos principais aspectos relacionados ao cumprimento de obrigações legais e regulatórias ligadas a questões ambientais e sociais pertinentes a suas atividades. A CVM também questiona se a empresa divulga relatório específico endereçando questões ESG, se há auditoria independente sobre o documento e qual a metodologia utilizada para sua elaboração.

Com ênfase sobre o setor financeiro, em 2021, a SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation) passou a exigir maior transparência na divulgação de dados sobre as práticas ESG. As empresas devem informar como os riscos de sustentabilidade são considerados nos investimentos realizados e nos produtos financeiros disponibilizados ao mercado.

A norma alemã de 2021 chamada Act on Corporate Due Diligence in Supply Chains impõe a obrigação para empresas com sede ou que tenham pelo menos 3.000 empregados na Alemanha de realizarem due diligence, para conferir o cumprimento de normas relacionadas ao meio ambiente e aos direitos humanos nos terceiros que estão inseridos em sua cadeia de suprimentos – definida como todas as etapas necessárias para a fabricação do produto e/ou entrega do serviço, desde a extração da matéria-prima até a entrega ao cliente final.

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Capítulo 3

Greenwashing para além do código de defesa do consumidor e do marketing enganoso

Os impactos se alastram por todo negócio e cadeia.

Como já exposto, o greenwashing vai além do código de defesa do consumidor e do marketing enganoso para promoção de produtos sustentáveis e acompanhar as regulamentações a respeito é cada vez mais crucial, tendo em vista os riscos de perda de reputação e valor de mercado. Ressalta-se a necessidade não apenas de pensar no seu próprio negócio, mas também em toda sua linha de produção, incluindo fornecedores e parceiros de negócios.  

Ainda, é extremamente relevante, que ao se depararem com denúncias ou suspeitas de greenwashing, as empresas invistam na condução de investigações com foco na identificação de distorções e manipulações de relatórios apresentados a autoridades e investidores, fraude, corrupção ou outros ilícitos, incluindo condutas antiéticas de executivos e terceiros vinculadas aos temas de ESG. Uma rápida resposta a essas suspeitas, sejam elas investigadas pelas autoridades reguladoras ou não, pode mitigar os riscos de imagem e de perdas financeiras da companhia.

Além disso, a abordagem investigativa permite a identificação de elementos de pressão, oportunidade e racionalização, que compõem o triângulo da fraude proposto por Donald Cressey em 1953, que potencialmente tenham levado a falhas na estrutura e controles de governança, culminando na manipulação de informações ambientais e sociais.

Podemos citar, como exemplos de elementos de pressão, as normas e regulações, a obtenção de vantagem competitiva e a composição de bônus de executivos atrelados a metas e índices. Já os principais elementos de oportunidade podem ser a falta ou má qualidade de métricas de ESG e falhas ou ausência de controles detectivos.

No que se refere à racionalização, um dos principais entraves à efetividade das ações em ESG é o descrédito da relevância do tema por parte dos executivos e a ideia de impunidade a fraudes e manipulações desta natureza. De acordo com pesquisa global realizada em abril deste ano pela Harris Poll com CFOs e outros executivos do C-level, 29% dos entrevistados concordam que suas companhias tratam o tema de sustentabilidade como “truque publicitário”[4].

Nesse sentido, embora o escopo das investigações deva ser customizado com base nos casos concretos de greenwashing, dependendo das características, setor e país de atuação da empresa, disponibilidade de dados históricos, dentre outros, algumas das ações reativas  incluem análise de divulgações históricas, avaliação do programa e documentação de ESG, análise de dados, respostas aos reguladores e suporte a conselhos em investigações ativas.

Como resultado, as investigações permitem não só o atendimento às autoridades reguladoras e o conhecimento das causas e responsáveis por atos ilícitos vinculados a casos de greenwashing, mas também suportam a tomada de decisão das empresas quanto a necessidades de melhoria em sua estrutura e controles preventivos e detectivos.

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Capítulo 4

O papel da governança e do compliance

Ações que devem ser tomadas para a prevenção e gestão de riscos

Sob o aspecto preventivo, o pilar principal para evitar casos de greenwashing, bem como garantir o sucesso nas ações ESG, é a governança, pois é o coração de uma organização e está diretamente vinculado às estratégias e metas da empresa, e onde são estipuladas as práticas fundamentais para o alcance dos resultados almejados.

Dentre os pilares de governança alinhado às metas, objetivos e estratégias de atuação, temos o Programa de Compliance, que quando bem estabelecido e robusto atuará proativamente nos elementos como análise de riscos, cultura e conduta ética, políticas e procedimentos, engajamento de stakeholders (clientes, fornecedores, colaboradores etc.), auditorias internas e externas, monitoramentos, definição de KPIs, transparência dos dados e emissão de relatórios, canais de denúncia, entre outros.

Assim, o Compliance tem um papel crucial para o desenvolvimento dessas atividades como forma preventiva, detectiva e de remediação à prática de greenwashing, pois tem envolvimento com todas as áreas da empresa e estruturas já estabelecidas para atendimento às leis anticorrupção. Ou seja, o Compliance poderá auxiliar, fazendo uso das ferramentas adequadas para aumentar a efetividade dos processos e monitoramento, por meio da automação e aplicação de novas tecnologias, sendo uma importante etapa para gerar KPIs utilizados em relatórios relacionados a ESG e proporcionar integridade aos dados reportados às autoridades.

A sociedade espera que as empresas atuem de forma sustentável, desenvolvendo suas operações e atendendo suas necessidades sem privar as gerações futuras de seu sustento e, ainda, garantindo por meio de condutas éticas e transparentes um resultado positivo na sociedade, tanto em relação a ações ambientais, como ações voltadas aos colaboradores, fornecedores, clientes e todos da sua cadeia. Portanto, são empresas que, por meio de uma boa governança, conseguem minimizar, privar ou restaurar o planeta de danos da sua cadeia de produção, ao mesmo tempo que constrói um mundo de negócios melhor para todos. 

Resumo

O greenwashing é a valorização intencional da empresa ou produto, pelo uso de informações falsas, incompletas ou até pela omissão de informações sobre sustentabilidade. As perdas financeiras e de reputação podem pesar muito mais que imposições legais. Entenda o que é os imperativos para prevenção e redução de danos.

Sobre este artigo

Por Marina Mantoan

Sócia da EY para Forensic & Integrity Services

Apaixonada por Compliance e Investigações Corporativas. Envolvida nas inovações nesta área incluindo automação, uso de tecnologias e ESG.