Apesar das dificuldades, bancos avançam na adoção de variáveis climáticas na concessão de crédito

20 out. 2025

O desafio é obter informações confiáveis sobre riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade das operações dos clientes

As instituições financeiras enfrentam desafios para acessar informações confiáveis sobre riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade nos negócios. Sem essas informações, os bancos não conseguem chegar a uma constatação sobre a capacidade adaptativa e de mitigação dos seus clientes ou potenciais clientes em relação às mudanças climáticas. Esse será um dos assuntos da COP30, já que os modelos de concessão de crédito são instrumentos poderosos para impulsionar negócios mais preparados para os efeitos das mudanças climáticas e voltados para uma economia de baixo carbono. No Brasil, a partir do próximo ano, de acordo com a Resolução CVM 193, que recepcionou as normas IFRS S1 e S2, do ISSB (International Sustainability Standards Board), as companhias de capital aberto estão obrigadas a divulgar o relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade.

“Mesmo com essa dificuldade de obter informações, as IFs começam a olhar para as variáveis climáticas nos modelos de concessão de crédito. Isso é muito relevante no agronegócio, por exemplo, cuja safra depende das condições climáticas para que seja bem-sucedida”, explica Rui Cabral, sócio-líder de risco e finanças para o setor financeiro da EY Brasil. “O pagamento do crédito contratado está, em grande parte, ligado ao sucesso da safra, motivo pelo qual devem ser asseguradas as melhores práticas de cultivo e colheita considerando as particularidades das mudanças climáticas, como temperaturas mais altas e probabilidade maior de eventos extremos”, completa.

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

1) Como as instituições financeiras estão avaliando o risco de crédito no contexto atual de mudanças climáticas?

RUI: Há uma dificuldade por parte das IFs de obter informações sobre seus clientes por não haver obrigatoriedade às empresas de fazer o reporte dessas informações. Ainda que a Resolução CVM 193 tenha recepcionado as normas IFRS S1 e S2, do ISSB, obrigando que as companhias de capital aberto divulguem, a partir de 2026, o relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, não são essas empresas que predominam no mercado. Muito pelo contrário: elas são a minoria, considerando o universo total de pessoas jurídicas, cujo predomínio pertence às pequenas e médias empresas, que não estão em grande parte listadas na B3. O Brasil, em comparação com os EUA, possui um número muito menor de empresas com capital aberto.

Sem informações suficientes, os bancos ficam no escuro, tendo dificuldade para mensurar se a empresa A está mais preparada do que a B em termos de não emissão de gases de efeito estufa, por exemplo – de adaptação dos seus processos produtivos para diminuir seus níveis de emissão.

De qualquer forma, apesar desse cenário adverso, temos visto as instituições financeiras avançarem com seus modelos de concessão de crédito considerando as variáveis climáticas, especialmente nos setores econômicos que elas consideram mais relevantes. O agronegócio está entre eles, já que o sucesso da safra depende das condições climáticas. Há um exercício que precisa ser feito pelas IFs para descobrir os setores mais suscetíveis a sofrer com inadimplência derivada das variáveis climáticas para, a partir daí, incorporar essa nova forma de avaliação do risco de crédito. Os bancos têm inclusive uma oportunidade de começar a trabalhar risco climático dentro do PDD (Provisão para Devedores Duvidosos), mensurando de forma mais efetiva os devedores que estão mais sujeitos aos efeitos das mudanças climáticas.

O ideal, no entanto, é que haja a harmonização global do ambiente regulatório, com os países unificando as regras ou o entendimento em torno de modelos de concessão de crédito que adotem as variáveis de mudanças climáticas. Essa discussão pode ser realizada – ou pelo menos iniciada – na COP30.

2) O ideal então seria que todas as empresas, independentemente do tamanho, fizessem o reporte de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade – ou tivessem alguma preocupação com isso.

RUI: Sim, exatamente. A tendência para os próximos anos, com o início do reporte pelas companhias abertas, seguindo a Resolução CVM 193, é de desenvolvimento desse tipo de análise de crédito pelo mercado (tanto pelas companhias abertas sujeitas à regra como pelas IFs que utilizarão essas informações nos seus modelos de concessão de crédito), o que talvez impulsione o mercado como um todo para esse caminho.

O propósito das normas IFRS S1 e S2 é integrar os relatórios financeiro e de sustentabilidade, estabelecendo para isso que os objetivos de sustentabilidade com impacto financeiro precisam ser contemplados no reporte financeiro, com a descrição de como serão viabilizados financeiramente pela empresa. Isso significa dizer que os objetivos de sustentabilidade traçados pela empresa que tenham impacto financeiro precisam ser considerados ou justificados no reporte financeiro.

A IFRS S1 traz diretrizes para o reporte de sustentabilidade por meio dos seguintes pilares: governança; estratégia; gestão de riscos; e métricas e objetivos. Já a IFRS S2 detalha como deve ser o reporte de riscos e de oportunidades relacionados ao clima para possibilitar ao investidor avaliar o impacto das mudanças climáticas sobre a operação da empresa.

3) Como o mercado financeiro pode impulsionar a migração para uma economia de baixo carbono?

RUI: Como resultado de modelos de análise de crédito que utilizem variações climáticas, o que pode ocorrer é que o crédito fique mais barato para quem estiver mais preparado para responder às mudanças climáticas. Isso criará uma corrida das empresas no sentido da adaptação e, mais do que isso, mitigação dos efeitos das suas atividades. Esse financiamento servirá, portanto, para impulsionar tanto a resiliência aos efeitos climáticos como a transição para um ambiente de baixo carbono.

No momento, percebemos que esses recursos têm vindo mais do governo em programas de incentivo a esse tipo de investimento, mas a tendência é que o capital privado entre cada vez mais forte nessa agenda. O financiamento climático é pauta de todas as últimas COPs e não será diferente desta vez. Na COP 30, a nova meta de financiamento climático estará na casa do trilhão de dólares, com diversas perguntas a serem respondidas, como de onde virão os recursos e como eles serão aplicados nas iniciativas de combate às mudanças climáticas. O financiamento privado será essencial para obter a capilaridade necessária no estímulo a projetos de energia renovável, de restauração florestal e de adaptação aos impactos das mudanças climáticas.

*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com entrevistas sobre os setores econômicos que estarão em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Leia as entrevistas anteriores:

Infraestrutura resiliente requer revisão do plano diretor e estímulo a concessões e PPPs

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