O etanol, solução já consolidada no mercado nacional, tem chamado a atenção por ter baixa emissão de dióxido de carbono, inferior até do que o veículo elétrico europeu, e por exigir investimentos menores nas cadeias de produção e comercialização
A COP28, que ocorre em Dubai até o dia 12 de dezembro, discute como os países podem fazer sua transição energética o mais rápido possível, mas com responsabilidade e sem perder a segurança de fornecimento proporcionada pelos combustíveis fósseis. Ainda que essas fontes de energia devam ser substituídas com urgência, por causa da sua elevada contribuição para o aquecimento do planeta, os governos precisam fazer isso com cautela, já que setores inteiros econômicos dependem delas em suas operações, o que está exigindo por parte dessas empresas investimento na transição energética para fontes limpas. Nesse contexto, o Brasil tem chamado a atenção, oferecendo a oportunidade de liderar a corrida em biocombustíveis.
“O etanol na mobilidade urbana, ou seja, um veículo flex com 100% etanol, emite 37 gramas de dióxido de carbono (CO2) por quilômetro rodado. Já o carro elétrico, que tem sido apontado como a solução para a descarbonização, tem uma emissão de 54 gramas, considerando a matriz energética europeia, e de 35 gramas no Brasil”, compara Ricardo Assumpção, CSO (Chief Sustainability Officer) da EY e líder de ESG e Sustentabilidade, que participa da COP28 como palestrante e moderador de painéis. “É menor no Brasil porque cerca de 85% da matriz elétrica é composta de fontes renováveis – a maioria proveniente de hidrelétricas, mas parte importante e crescente de eólica e solar. Esses números de comparação das emissões se referem ao ciclo completo de vida do etanol: desde a produção até utilização pelo consumidor”. O cálculo considera, ainda, a absorção de CO2 no processo de crescimento da cana-de-açúcar, um dos insumos usados para a produção desse biocombustível.
A expectativa de crescimento da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar no Brasil é de 4,5% para a safra 2023/2024, com volume total de 27,7 bilhões de litros. Na safra anterior, de 2022/23, foram produzidos 26,5 bilhões de litros. Já em relação à produção de etanol de milho, o avanço será de 37,2%, o que deve resultar em 6,1 bilhões de litros – ante os 4,4 bilhões de litros da safra 2022/23. Os números são da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Considerando ambas as produções, a estimativa é que o país produza quase 34 bilhões de litros, um crescimento robusto de 9%. “Esses resultados colocam o Brasil entre os maiores produtores de etanol, contando com tecnologia e conhecimento suficientes para auxiliar o mundo na transição energética”, destaca Assumpção.
Ainda sobre a comparação com os carros elétricos, o executivo observa que eles exigem alto investimento na infraestrutura de carregamento, que fica ainda maior em países como o Brasil de dimensão continental. “Os próprios consumidores brasileiros apontam como um problema a falta de estações de carregamento para a bateria, conforme demonstrou estudo da EY”, diz Assumpção, referindo-se ao Mobility Consumer Index, que entrevistou 1.001 pessoas na amostra brasileira. O preço alto desses veículos foi apontado como impeditivo para sua aquisição.
Investimentos anunciados
No ano passado, os países que fazem parte da Organização da Aviação Civil Internacional se comprometeram a zerar as emissões líquidas de carbono até 2050. O etanol pode contribuir para descarbonizar esse setor, que também está atrás de soluções viáveis de transição energética. Esse biocombustível viabiliza a produção do SAF (Combustível Sustentável de Aviação), cuja viabilidade comercial não pode ser obtida apenas a partir de óleos de origem orgânica, como o de cozinha. A produção em escala do etanol traz facilidade para que parte dela possa ser direcionada para o SAF.
O governo federal, no início de setembro, enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei chamado de Combustível do Futuro, com o objetivo de viabilizar investimentos de R$ 250 bilhões para a descarbonização do setor de transportes. Entre as medidas contempladas está a criação do programa nacional de SAF.
“Os EUA lideram hoje essa agenda também por causa da regulação. O Inflation Reduction Act, um plano ambicioso de US$ 500 bilhões anunciado recentemente, é o maior investimento já realizado pelo país para endereçar as questões das mudanças climáticas, com destaque para energia e biocombustíveis, contemplando assim o SAF”, diz Assumpção. “O Brasil anunciou recentemente o Novo PAC, com investimento total previsto de R$ 26,1 bilhões na produção de combustíveis renováveis e em projetos de captura e armazenamento de carbono, além de estudos para a implantação de projetos do hidrogênio verde e a conversão de refinarias de petróleo em biorrefinarias”, completa.
H2V
Até 2025, segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, na sigla em inglês), pelo menos 6% da energia consumida no planeta estará ligada ao hidrogênio verde (H2V). “O Brasil também tem potencial para liderar essa agenda, com uma diferença em relação ao etanol: não temos ainda a infraestrutura para isso, mas, por meio de boas regulações, que deem segurança jurídica para que as empresas realizem os investimentos necessários, podemos criá-la”, diz Assumpção.
O hidrogênio verde, que pode ser transformado em combustível ou eletricidade, apresenta três vezes mais energia do que a gasolina e, ao contrário dela, é uma fonte limpa que não gera poluentes. A indústria de cimento, que responde sozinha por 7% das emissões de dióxido de carbono geradas pela atividade humana no mundo, deve ser transformada pelo H2V, que tem essa capacidade de reduzir as emissões de forma significativa de indústrias altamente poluentes.