A manutenção da Amazônia passa pelo desenvolvimento da economia local, com geração de renda para os amazônidas em um modelo de sociobioeconomia, e pela aprovação na COP30 do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Esse é o entendimento do cientista Carlos Nobre e do pesquisador Agliberto Chagas, que participaram da primeira edição do videocast "COP30 - Da Natureza ao Negócio", apresentado por Ricardo Assumpção, líder de Sustentabilidade e CSO (Chief Sustainability Officer) da EY para América Latina.
Nobre e Chagas conduziram o Estudo de Viabilidade para Implantação de Hubs de Inovação na Região Panamazônica, encomendado pela EY e coordenado pelo Instituto Amazônia 4.0. A criação de uma rede de hubs de inovação na Amazônia pode gerar até 620 mil empregos verdes diretos e R$ 8,3 bilhões por ano em valor agregado até 2035. Esses centros físico-digitais, voltados para pesquisa, beneficiamento e comercialização de produtos da sociobiodiversidade, vão priorizar cadeias produtivas como açaí, castanha-do-Brasil, cacau, óleos vegetais e bioativos.
“Faz parte desse processo a inclusão dos povos indígenas, quilombolas e comunidades locais, inserindo seu conhecimento único e sua experiência com os produtos da Amazônia. O objetivo deve ser ganhar escala com as soluções baseadas na natureza, o que trará desenvolvimento para a região com elevação da renda dos amazônidas e melhoria da qualidade de vida”, explica Nobre. “É preciso conhecimento especializado sobre os bioativos, além de investimento na produção, para que eles sejam competitivos no mercado global. Ao retirar a castanha, por exemplo, ela não pode ficar submersa na água. Quando isso ocorre, a castanha está sujeita à aflatoxina, inviabilizando sua exportação”, completa Chagas. A aflatoxina é uma toxina produzida por fungos que pode contaminar a castanha. A umidade favorece seu aparecimento, o que explica o cuidado que deve haver com a etapa de armazenamento da castanha. Os especialistas ressaltam que a integração entre governo, academia e empresas é fundamental para o sucesso desse modelo de hubs, que não podem estar apenas concentrados nas grandes cidades, mas também nas comunidades – nos locais dos bioativos.
Há, de acordo com o estudo, gargalos estruturais nos estados do Amazonas, Pará e Amapá, que fazem parte da Amazônia Legal, como a baixa agregação de valor aos produtos naturais; escassez de projetos de pesquisa e desenvolvimento; e infraestrutura precária, o que resulta em custo 35% superior no transporte das cargas, na comparação com o marítimo, que em sua maioria circulam por via fluvial. Essas deficiências fazem com que as perdas pós-colheita cheguem a 25% em produtos perecíveis, como açaí e castanha-do-Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A restauração da floresta é outra medida essencial para a manutenção da Amazônia. “Temos a responsabilidade de impedir o ponto de não retorno, que resulta em uma transformação irreversível do ecossistema por causa do limite crítico ultrapassado. No passado, tínhamos uma seca severa a cada 20 anos na Amazônia. Nos últimos anos, temos um cenário de secas recorrentes, com quatro estiagens de 2005 a 2010, uma em 2015/2016 e a mais forte da história em 2023/2024”, observa Nobre. Para o cientista, a solução é não apenas zerar o desmatamento como também promover a reflorestação. “No momento em que essa área reflorestada crescer, ela vai servir a dois propósitos: evitar o avanço da estação seca e dar escala para a sociobioeconomia, que depende de florestas em pé e rios fluindo”, completa.
Fundo de US$ 125 bilhões para as florestas
Uma iniciativa relevante nesse sentido do reflorestamento é o TFFF, liderado pelo Brasil e que será lançado na COP30. A proposta é fazer pagamentos para os países que garantirem a conservação das suas florestas – mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais, incluindo o próprio Brasil, poderão receber esses recursos por meio desse fundo multilateral que, se aprovado, estará entre os maiores já criados. “Serão US$ 125 bilhões no total, com a proposta de pagar quatro dólares por hectare de floresta em pé. Esse fundo, além de proteger e valorizar todos os serviços ecossistêmicos das florestas tropicais, vai beneficiar as comunidades locais que dependem da exploração econômica sustentável dos bioativos”, diz Nobre.
O cientista também menciona o projeto Arcos da Restauração, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que já viabilizou dezenas de projetos de restauração florestal e sistemas agroflorestais por meio da mobilização de R$ 1,2 bilhão do Fundo Clima e de parceiros privados. Os recursos foram destinados para restaurar o “arco do desmatamento”, território que concentra 75% da destruição da floresta. “Paralelamente, precisamos continuar reduzindo os incêndios florestais, que estão em queda nos últimos 15 meses. Quase todos esses incêndios, por volta de 95% deles, não foram descargas elétricas, mas de causa humana”, afirma Nobre.
Os incêndios contribuem para as emissões do Brasil de gases de efeito estufa e precisam ser combatidos para que o país zere suas emissões líquidas até 2040. “O desmatamento e a pecuária respondem por 70% das emissões do Brasil. O boi, como parte do processo de digestão, arrota metano, que é mais poderoso do que o dióxido de carbono para reter calor na atmosfera. Nossas emissões vêm do uso da terra, já que, no contexto energético, estamos bem posicionados com a predominância de uma matriz limpa e renovável”, relembra Nobre. “A COP30 terá esse objetivo de fazer com que todos os países concordem em reduzir rapidamente suas emissões. Isso só vai acontecer se houver a aceleração no mundo inteiro da adoção das fontes eólica, solar e de hidrogênio verde, bem como dos biocombustíveis. A boa notícia é que as renováveis já se tornaram mais baratas do que os combustíveis fósseis”, finaliza.
COP da implementação
Para Ricardo Assumpção, a expectativa é que a COP30 seja da implementação, mostrando casos reais que estão gerando resultados positivos. “Esperamos que a COP30 resulte em oportunidades estruturadas de longo prazo para o fechamento de parcerias que vão viabilizar a agenda climática. Para isso, o caminho é uma abordagem multissetorial em torno da economia sustentável, conforme estudo que fizemos com os CEOs”, observa. O executivo completa dizendo que as soluções para uma economia de baixo carbono estão no Brasil, motivo pelo qual o país precisa assumir essa liderança global. “O estudo de sociobioeconomia que apoiamos demonstra que isso deve ser feito com tecnologia, inteligência e integração com as comunidades locais, deixando os processos mais eficientes e melhorando o ecossistema de negócios. O papel deve ser atrair investimentos, demonstrando para os stakeholders que existe uma economia criativa na Amazônia muito mais lucrativa do que sua devastação ou exploração predatória”, afirma.
*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com entrevistas sobre os setores econômicos que estarão em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Leia as entrevistas anteriores:
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