Desafio do Brasil é tornar infraestrutura de energia mais resiliente às mudanças climáticas

27 out. 2025

Reguladores internacionais incentivam investimentos nas redes de distribuição de energia elétrica para que elas resistam aos eventos climáticos extremos

Infraestrutura crucial para a sociedade, as redes de distribuição de energia elétrica têm sido muito afetadas pelos eventos climáticos extremos. Os danos causados nos cabos de energia, geradores e transformadores resultam na queda do fornecimento de eletricidade. Esse transtorno atinge milhares e até mesmo milhões de consumidores, que sofrem inclusive prejuízos financeiros resultantes da falta de energia. Os dias de tempestade, com o registro de chuvas que ultrapassam 50 milímetros, aumentaram bastante na região metropolitana de São Paulo. Até a década de 1950, de acordo com estudo do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), quase não houve registro dessas chuvas. Nos últimos anos, essa realidade mudou, com a precipitação atingindo 80 milímetros ou, em alguns casos, passando dos 100 milímetros em temporais que podem durar horas.

A projeção para os próximos anos não é animadora, segundo estudo do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que projeta, para o período entre 2025 e 2034, aumento de 20% a 30% na ocorrência de tempestades severas em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Essa é uma realidade que precisa ser considerada por todas as partes relacionadas com a atividade de distribuição de energia elétrica, sobretudo os reguladores desse serviço público e as empresas concessionárias que operam as redes. O uso de tecnologia, por meio da automação da rede elétrica, é a solução adotada por países como Japão, o que tem permitido evitar o desligamento da energia e recompor rapidamente o fornecimento em caso de necessidade”, diz Alexandre Vidal, sócio de Governo & Infraestrutura da EY-Parthenon.

Enquanto os japoneses ficam em média somente cinco minutos por ano sem energia, os brasileiros enfrentam 11 horas de interrupção da eletricidade. “Esse dado demonstra que há muito espaço para tornar nossa rede elétrica mais resiliente aos efeitos das mudanças climáticas. Temos observado em vários países uma adaptação da regulamentação do setor no sentido de incentivar as concessionárias do serviço de distribuição de energia a fazer os investimentos para aumentar a resiliência das redes”, completa o executivo. A exigência de Planos de Resiliência que passam pela análise e aprovação prévia do regulador, além de outros mecanismos de regulação baseada em performance, tem garantido que os consumidores de energia elétrica de países como Japão, EUA e Itália possam usufruir de uma infraestrutura mais resiliente.

Ainda segundo Vidal, o Brasil, na COP30, poderá mostrar ao mundo seu exemplo de sucesso na geração de energia a partir de fontes renováveis, mas terá muito a aprender em como melhorar os esforços de adaptação climática na rede elétrica.

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

1) O que o Brasil pode ensinar ao mundo na COP30 em termos de energia?

VIDAL: O que pode ensinar está bastante claro. Os dados mais recentes do BEN (Balanço Energético Nacional) indicam que a participação das fontes renováveis é de 88,2% na geração de energia elétrica, o que coloca o Brasil em posição de destaque com uma porcentagem muito superior à média global e à média dos países que fazem parte da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Ainda segundo esse documento, publicado pelo Ministério de Minas e Energia e pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), as fontes eólica e solar detêm 23,7% de participação na geração total de eletricidade do país – quase um quarto de toda a energia gerada pelo Brasil. Essa eletricidade limpa reflete em outros índices de sustentabilidade, como o da emissão de dióxido de carbono por habitante. Em 2024, o brasileiro emitiu em média duas toneladas de dióxido de carbono equivalente – apenas 15% do total emitido por cada americano.

2) O que o Brasil pode aprender com o mundo na COP30 também nesse contexto de energia?

VIDAL: Precisamos melhorar as condições estruturais de fornecimento de energia elétrica em um cenário de mudanças climáticas, com eventos extremos cada vez mais comuns. Podemos aprender com o Japão, que é um exemplo de adaptação climática na rede elétrica, suportando eventos extremos que costumam atingir o país. Estivemos recentemente por lá para observar suas instalações e o que as distribuidoras estão fazendo para tornar a rede elétrica (de transmissão e distribuição) resiliente a tal ponto de o japonês ficar em média apenas cinco minutos por ano sem eletricidade. Como base de comparação, o brasileiro enfrenta 11 horas por ano de interrupção de energia.

O Japão investiu em automação, mais precisamente em equipamentos chamados de religadores, o que permite ao sistema elétrico se reconfigurar com rapidez frente a um evento que resulte em desligamento da energia em uma parte da rede. O sistema responde automaticamente e de forma inteligente a isso, ajustando-se para substituir essa parte da rede danificada. Há ainda as iniciativas de compartilhamento de recursos durante um evento extremo por parte de todas as empresas de energia que atuam no país. Isso significa que se um temporal estiver chegando ao norte do país, por exemplo, todas as empresas, mesmo as de outras regiões, são estimuladas a compartilhar recursos para lidar com essa contingência ou emergência, permitindo o restabelecimento do serviço de forma mais rápida para toda a população.

Além disso, como forma de contribuir para o funcionamento eficaz da rede elétrica, o país incentivou a adoção pelos consumidores dos medidores inteligentes de energia. Já são no total 30 milhões desses aparelhos que possibilitam ao consumidor mensurar em tempo real o uso do sistema de energia elétrica. O propósito disso é incentivá-lo a consumir mais nas horas de energia sobrando no sistema, e não nos momentos de pico, recebendo incentivo de preço nesses horários de menor utilização. Esse movimento foi fundamental para viabilizar no Japão a abertura do mercado livre de energia para todos os consumidores, mesmo os residenciais, movimento que se inicia também no Brasil.

3) A IA e a eletrificação do transporte requerem muita energia para que sejam viáveis. Como assegurar que esse desenvolvimento seja sustentável?

VIDAL: O primeiro passo – e o Brasil está em posição privilegiada – é assegurar que esse aumento da demanda por energia venha de fontes renováveis. Não adianta eletrificar os veículos utilizando os combustíveis fósseis como matriz energética. É até uma contradição, já que o veículo elétrico substitui justamente o motor a combustão. O crescimento na produção de veículos elétricos no Brasil tem sido consistente. Em 2020, eram dois mil por ano, passando a 210 mil no ano passado – crescimento superior a cem vezes nesse período. Raciocínio semelhante se aplica à inteligência artificial, que precisa de enorme processamento de dados para funcionar, exigindo o investimento em data centers sustentáveis. A IA, que veio para elevar a produtividade das empresas, pode inclusive ser aplicada para trazer soluções sustentáveis para o setor de energia.

No começo de setembro, o Brasil acertou ao criar, por meio de medida provisória, o Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center, também conhecido como Redata. Seu objetivo é impulsionar o investimento em data centers, ampliando a capacidade do país de armazenagem, processamento e gestão de dados. Para ter acesso ao Redata, é obrigatório que os projetos cumpram exigências de sustentabilidade, como energia renovável ou limpa e eficiência hídrica.

Nos próximos 25 anos, a demanda global por energia elétrica vai dobrar, com 75% desse crescimento impulsionado pelas empresas, de acordo com o estudo "How can soaring energy demand drive lasting prosperity?", produzido pela EY. Oito em cada dez representantes de empresas entrevistados esperam que o consumo de eletricidade aumente nos próximos três anos – e mais da metade em muitos dos setores consultados diz que vai aumentar mais de 10%. O principal motivo para isso está na adoção de novos equipamentos pelas empresas, com 44% das respostas, além de tecnologias internas como data centers, com 39%, e uso da inteligência artificial, com 38%.

*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com entrevistas sobre os setores econômicos que estarão em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Leia as entrevistas anteriores:

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