As mudanças climáticas afetam a vida nas cidades. Atentos a isso, os municípios têm se voltado para a criação de planos de ação climática, com iniciativas de adaptação e mitigação que vão permitir responder adequadamente a esses impactos, conforme destacou Rodrigo Perpétuo, diretor-executivo para a América do Sul do ICLEI (International Council for Local Environmental Initiatives).
“Historicamente, abordamos mais ações de mitigação, que é onde se traduz a emissão de gases de efeito estufa, com a preocupação de diminuir a pegada de carbono”, disse o executivo, que palestrou no painel “Cidades Resilientes em um Clima em Transformação”, realizado na EY House durante a COP30 em Belém, com moderação de Ione Anderson, especialista em Clima e Ciência da EY Brasil. “É preciso olhar, no entanto, cada vez mais para adaptação, com o diagnóstico de riscos e vulnerabilidades climáticas, deixando as cidades mais preparadas para responder aos eventos extremos.”
Entre 2013 e 2024, os eventos climáticos causaram R$ 732,2 bilhões de prejuízos às cidades brasileiras, de acordo com levantamento da Confederação Nacional dos Municípios. Somente no ano passado, as perdas foram de R$ 92,6 bilhões. “Os eventos climáticos se tornaram muito presentes na vida das pessoas, com inúmeros reflexos para seu dia a dia. O papel do governo é criar um arcabouço regulatório que forneça instrumentos para lidar com o contexto de mudanças climáticas”, disse Lincoln Alves, Coordenador-Geral de Integração Multinível e Análise de Risco na Secretaria de Mudança do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Para isso, na avaliação dele, a integração entre os entes federativos – Municípios, Estados e União – é fundamental para que seja formada uma agenda propositiva, com o fortalecimento técnico do gestor público, especialmente municipal, sobre iniciativas de adaptação climática. “São mais de 5,5 mil cidades do país com realidades diferentes. Enquanto capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte contam com infraestrutura superior, há outras que estão muito distantes dessa situação”, completou. Há, ainda segundo Lincoln, a necessidade de tratar desse tema de forma intersetorial, reconhecendo que a mudança climática tem impactos para diferentes setores, como saúde, transporte e infraestrutura.
Para Rodrigo, a gestão pública precisa se aperfeiçoar para elaborar projetos que estejam aptos a receber financiamento, atendendo aos critérios para isso. Nesse cenário, é preciso capacitar os municípios para que eles possam cumprir os requisitos técnicos e enfrentar a raiz do problema, contribuindo assim para elevar a capacidade adaptativa por meio de projetos de drenagem, saneamento básico e infraestrutura.
Em Recife, por exemplo, o ICLEI tem trabalhado desde 2013 para aumentar a resiliência da cidade às mudanças climáticas. O litoral da capital de Pernambuco tem 45,7% de sua extensão em zona de alta vulnerabilidade, o que significa que será atingida rapidamente com a mudança do nível do mar. A maior parte das suas construções urbanas está a menos de 30 metros da linha costeira em terrenos abaixo de cinco metros de altura. A cidade sofre com chuvas sobre áreas de ocupação inadequada em uma infraestrutura de drenagem insuficiente, trazendo como consequência inundações e deslizamentos.
Por esses motivos, Recife ocupa a 16ª posição do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) no ranking das cidades mais vulneráveis às mudanças climáticas no mundo. “Temos trabalhado com Recife para avaliar essas ameaças climáticas e apontar caminhos para a adaptação”, afirmou Rodrigo.
Impactos para a saúde dos cidadãos
Para Cesar Nomura, Superintendente de Medicina Diagnóstica do Hospital Sírio Libanês, as mudanças climáticas têm provocado efeitos na saúde dos cidadãos. “Dirigir em São Paulo é como fumar pelo menos um cigarro por dia por causa dos efeitos da poluição do ar para a saúde. O tabagismo está associado a vários tipos de câncer. Precisamos urgentemente reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, observou. O médico adicionou que 40% dos serviços de saúde estão em áreas sob risco de eventos climáticos, como inundações e desmoronamento, o que traz essa preocupação com a adaptação também para as empresas desse setor.
Por fim, Claudia Cohn, diretora-executiva da Dasa, ressaltou que calor, insegurança alimentar e propagação de doenças infecciosas têm sido reflexos cada vez mais observados das mudanças climáticas. “O número de mortes relacionadas ao calor já é muito maior do que nos anos 1990. Ao mesmo tempo, é preciso que a própria indústria da saúde continue se mobilizando para diminuir seus impactos, como o investimento em equipamentos de ressonância magnética que precisem de menos refrigeração”, finalizou.
*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com informações sobre os setores econômicos em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Leia as reportagens anteriores:
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