COP30: Financiamento de transição não chega aos países em desenvolvimento, aponta estudo da EY

14 nov. 2025

No ano passado, esses recursos ultrapassaram US$ 2 trilhões globalmente, mas, diferentemente do que deveria ocorrer, estão sendo aplicados nas economias desenvolvidas e em tecnologias maduras
Painel da EY House em Belém aborda financiamento de transição Painel da EY House em Belém, com moderação do executivo Rafael Schur, aborda financiamento de transição

O financiamento de transição ultrapassou globalmente US$ 2 trilhões em 2024, o que representa aumento de 17% em relação ao ano anterior, mas esse dinheiro, diferentemente do que deveria acontecer, não está chegando aos países em desenvolvimento, aponta estudo da EY. “Os recursos foram aplicados principalmente nas economias desenvolvidas, com destaque para China, que recebeu US$ 818 bilhões, Estados Unidos, com US$ 330 bilhões, Alemanha, com US$ 109 bilhões, e Reino Unido, com US$ 65 bilhões”, disse Gillian Lofts, sócia-líder global de finanças sustentáveis da EY, que palestrou em painel da EY House durante a COP30 em Belém. Por financiamento de transição, ainda segundo a executiva, o levantamento considerou a forma mais abrangente possível, contemplando todos os projetos e tecnologias relacionados. “Ao olhar para Brasil, Índia e outras grandes economias em desenvolvimento, a alocação do financiamento de transição é pequena”, completou. 

Além disso, o levantamento constatou que praticamente todo o dinheiro está sendo direcionado para tecnologias maduras – 93% dos recursos direcionados para atualizações de rede elétrica, veículos elétricos e energias renováveis e apenas 7% para captura de carbono, indústrias pesadas e impulsionamento do transporte marítimo verde. “Os setores difíceis de abater, como a modernização dos processos industriais para reduzir emissões, quase não estão recebendo recursos. O foco desse dinheiro é justamente viabilizar a descarbonização nessas atividades”, observou a executiva. “Esses recursos são muito relevantes no contexto geral de financiamento, que continua de suporte a atividades prejudiciais à natureza, chegando a ser 140 vezes maior do que o financiamento para atividades que preservam ou protegem a natureza”, finalizou.

Na avaliação de Rafael Schur, sócio-líder do segmento de Mercado de Serviços Financeiros para o Brasil na EY, que fez a moderação do painel, um dos motivos para esse dinheiro não estar chegando aos países em desenvolvimento é a falta de projetos. “O objetivo das instituições financeiras é conceder crédito, mas para isso é preciso que haja onde alocar os recursos com segurança e previsibilidade”, afirmou. Lofts observou que o capital de risco na forma de equity decresceu. "Há espaço, no entanto, para o capital de risco voltar a ter protagonismo no financiamento à descarbonização, especialmente em empresas que se encontram em estágio inicial com soluções inovadoras."

Blended finance

Para Fernando Freiberger, diretor-executivo do Bradesco, que também palestrou no painel, o desafio é escalar algumas dessas soluções para que elas virem realmente negócios. “A bioeconomia, com um ecossistema como o nosso na região amazônica, que tem uma biodiversidade incrível, pode ser alavanca para muitas soluções”, afirmou. Mas, na avaliação dele, é preciso que isso seja escalado, e o blended finance aparece hoje como um dos caminhos para isso. Esse modelo, que combina recursos financeiros públicos, filantrópicos e privados para financiar projetos com impacto social, ambiental ou de desenvolvimento econômico, mitiga riscos, tornando o investimento mais atraente para o setor privado.

“Sem a participação desse capital catalítico, o financiamento fica comprometido porque não estamos falando de grandes corporações com grau de investimento e acesso ao mercado, mas de startups e micro e pequenas empresas”, explicou. Há também, na avaliação do executivo, outro tema relevante que é a governança. “Os bancos têm um papel nisso, precisando ajudar seus clientes a criar essa governança para ter acesso ao capital disponível ligado ao financiamento de transição.”

Freiberger destacou que os números de financiamento obtidos pelo Bradesco mostram que há dinheiro disponível no mercado. “Em 2021, nós nos comprometemos, até o final de 2025, a fazer empréstimos relacionados à sustentabilidade no valor de R$ 250 bilhões. Atingimos essa meta no meio do ano passado, aumentando então para R$ 350 bilhões, também até o fim deste ano, mas já cumprimos”, ressaltou.

Taxonomia global

Oliver Phillips, head de Sustentabilidade em Emerging Markets da Barclays, observou que há necessidade de uma taxonomia global para que todas as instituições financeiras falem a mesma língua. “Os reguladores têm papel crucial nisso. No momento em que todos os bancos globais entenderem finanças sustentáveis da mesma forma, isso fará diferença no incentivo ao investimento nesse mercado”, afirmou. Ainda segundo o executivo, é preciso colaborar com os Bancos Centrais para garantir que todas as instituições financeiras tenham a mesma definição de finanças sustentáveis, podendo contabilizá-las e calculá-las de forma padronizada. 

Com visão semelhante, Marcelo Marangon, presidente do Citi Brasil, destacou que o primeiro ponto é conectar o mercado local de finanças sustentáveis com o global, motivo pelo qual as transações precisam ser padronizadas. “Se houver essa uniformização global, vamos conseguir direcionar mais recursos para o Brasil”, observou. O foco do banco está em grandes organizações, que são as empresas apoiadas pela instituição na jornada de sustentabilidade. “Não operamos no varejo e com pequenas empresas. Mesmo não operando em todos os mercados, nossa operação do Brasil é a quinta maior do Citi no mundo. Vemos como oportunidade fechar parcerias com bancos locais, trazendo capital para projetos regionais que não alcançamos atualmente”, afirmou.

Por fim, Kathleen Krause, chefe-adjunta de regulação prudencial do Banco Central do Brasil, concordou que a padronização de conceitos ou critérios é de fato bastante relevante. “Infelizmente, estamos enfrentando hoje um risco alto de fragmentação regulatória, com a falta de consenso nas discussões internacionais dos padrões globais.”

Por outro lado, ainda segundo Krause, essa falta de consenso não pode ser usada como desculpa para não avançar. “Por isso, no Brasil, temos buscado uma ação coordenada por meio de parcerias com a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), entidades de classe e outras áreas do governo. Estivemos, por exemplo, com o Ministério da Fazenda no desenvolvimento do projeto Eco Invest, que faz parte do Plano de Transformação Ecológica, com uma excelente recepção até aqui pelo mercado”, observou.

Nesse mesmo sentido, a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), publicada recentemente pelo governo federal, é relevante, de acordo com Freiberger, para buscar a harmonização dos projetos. “Se não há um padrão de mercado, com dispersão elevada, é difícil saber onde exatamente alocar capital”, disse.

*Este texto faz parte da série “COP30: A sustentabilidade como valor de negócio”, com informações sobre os setores econômicos em destaque na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Leia as reportagens anteriores:

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